Há uns anos atrás, quando leccionei a cadeira de Economia Monetária Internacional, saiu, em exame, uma questão sobre a optimalidade da área euro. Naquele tempo, o euro ganhava terreno ao dólar e afirmava-se como uma moeda internacional sólida e confiável. A pergunta era, pois, um exercício académico, onde os alunos deveriam mostrar conhecer a teoria das zonas monetárias óptimas e ser capaz de aplicá-la ao contexto europeu. Nada me fazia supor, à data, que o assunto viria a estar na ribalta do debate económico. Quando a crise das dívidas soberanas estalou e as agências de rating começaram sucessivamente a descer a cotação da Grécia, Irlanda e Portugal, foi a própria moeda única que se viu atacada e não tardaram a surgir vozes discordantes da união monetária.
De forma extraordinariamente resumida, os trabalhos de Mundell e dos que se lhe seguiram estipulam que uma área monetária merece o adjectivo de “óptima” se no seu seio os factores de produção forem móveis; se as economias que a compõem tiverem um grande grau de abertura entre si e forem estruturalmente semelhantes; e se existir a possibilidade de transferir verbas para as regiões que sejam afectadas por choques assimétricos (aka. federalismo fiscal).
Claramente, o orçamento comunitário não tem uma função estabilizadora. Essa permaneceu na esfera dos países que, sem o controlo das políticas monetária e cambial, deveriam cumprir as regras orçamentais constantes do Pacto de Estabilidade e Crescimento. Essas regras já haviam, aliás, sido colocadas para a própria adesão à moeda única. Sucede que, no caso português, a meta orçamental conseguiu ser cumprida, em boa parte, graças à descida dos juros decorrente da perspectiva da entrada no euro. Ou seja, a consolidação orçamental não foi estrutural.
Quanto à mobilidade dos factores de produção, foi consagrada pelo Acto Único Europeu, mas está longe de ser uma realidade no que concerne ao trabalho (um caso diferente é o do capital), fruto de barreiras diversas, nomeadamente, culturais e linguísticas. E nem mesmo a Declaração de Bolonha veio, na minha opinião, alterar este estado de coisas: as pessoas continuam a procurar emprego primordialmente no seu país e a encarar a emigração como último recurso, com excepção para os sectores mais qualificados, o que é gerador de um ciclo vicioso.
A resposta à questão do meu exame não se queria, pois, taxativa, do género “sim” ou “não”, embora o Prof. João Ferreira do Amaral tivesse optado por esta última sem hesitação. E é o mesmo Prof. João Ferreira do Amaral que advoga a nossa saída da moeda única. Ora, independentemente da (não) optimalidade da zona euro, o projecto de integração monetária avançou e nós fizemos parte dele. Não valerá de grande pena estar a considerar o que teria sido o cenário alternativo, mas julgo dever recordar que a substituição do escudo pelo euro possibilitou a enorme queda das taxas de juro que conhecemos na década de 90. Para muitos de nós isso representou habitação própria; para as empresas significou a possibilidade de terem financiamento para investir. Julgo dever recordar que foi a perspectiva da adesão à moeda única que permitiu que passássemos a ter taxas de inflação de um dígito.
Sair do euro, para uma economia endividada como a nossa, seria trágico. Significaria o regresso das taxas de juro dos anos 80, mas agora a incidirem sobre créditos já contratados. E sem que os rendimentos aumentassem na mesma proporção. Obviamente, permanecer no euro impede-nos de recorrer a uma desvalorização cambial para ganhar competitividade externa. Ou seja, temos de nos tornar mais competitivos fazendo as reformas estruturais que permitirão aumentar o valor acrescentado dos nossos produtos e sermos mais produtivos.
Não sei se a zona euro é uma área monetária óptima, mas deixá-la seria péssimo.
(artigo publicado no Diário de Notícias de 11 de Agosto de 2011)
1 comentário:
Olá Vera,
Li com muito interesse e concordo com a tua opinião. Sair tu Euro seria sem dúvida péssimo. Mas para suportar os custos económicos e sociais dos reajustamentos estruturais necessários (que serão longos e penosos) eu insistiria mais na necessidade de "transferencias de verbas para as regiões que sejam afectadas por choques assimétricos" que tu referes. Estas transferencias não devem ser "bail-outs" mas sim verbas para desenvolver infra-estruturas, investir em educação e ajudar as famílias mais carenciadas. Uma espécie de fundo de coesão reforçado. Creio que isto será muito importante para garantir o sucesso da zona euro e sobretudo ajudar Portugal, Grécia, Andaluzia, Extremadura e outras regiões da zona euro a sobreviver um longo periodo de transição.
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