terça-feira, 30 de outubro de 2012

Aumentar o prestigio da classe política com uma reduçao do número de deputados



Em relaçao ao intenso debate que se seguiu ao artigo “Politico, Militares e Sacerdotes”, tenho que admitir que acho que as regalias dos políticos nao sao um grande problema. Pode ser que saber que os politicos ganhem menos ou poupem mais nos faça sentir melhor, mas nao é isso que os leva a pensar em melhores politicas para o país. Também é preciso observar que mudar de políticas para o país é bem distinto de punir os políticos anteriores. O Salazar chegou a morrer por acidente, mas as suas políticas infelizmente nao...

E ademais a discussao dessas coisas em tempo de crise incentiva um efeito "holier than thou" que pode facilmente degenerar em circo e espetáculo. Género uma equipa de deputados reduz o BMW para Audi e aparece no telejornal. Depois se calhar na semana seguinte um outro partido diz que comprou apenas um Citroen e sai no telejornal. Na semana seguinte aparece um politico no telejornal dizendo que só anda de Metro e a pé. Depois vem outro dizendo que dá 50% para a caridade e os outros nao. Aliás, já vimos um circo parecido quando o Bloco de Esquerda dizia que nao usavam gravatas para poupar ar condicionado. Depois veio a Ministra da Agricultura dizer que aplicava essa medida ao seu Ministerio. Será isso mesmo o que queremos? Políticos que andem atrás do telejornal e de parecer santos? Nem me recordo dos jornalistas perguntarem à Ministra qual foi o número de euros poupados pela medida. O circo mediático era mais importante que saber os beneficios quantitativos da proposta.

Na minha opiniao reduzir o número de deputados ajudava muito mais a resolver os problemas. Por exemplo, o Chile (um país com 17 milhoes de habitantes) só tem 130 deputados. Isso significa que para um deputado ser eleito tem de ter 3 vezes mais votos que em Portugal e 5 vezes mais que na Suécia.

E posso dizer-vos que o efeito dum pequeno número de deputados no prestigio da classe politica é imenso. Como sao necessarios muitos votos no distrito para se eleger o deputado, isso significa que sao todos nomes conhecidos. Os partidos nao se atrevem a colocar o filho de alguém na posiçao 7 da lista do distrito, porque só vao eleger dois ou tres deputados. Antes pelo contrário, cada partido apresenta todos os seus pesos pesados e existem vários ex-presidentes da república que se candidatam a deputado. Nos distritos eleitorais mais importantes muitas vezes o dirigente do partido candidata-se a deputado e aponta um número 2 para a Presidencia da República (que é Presidente e Chefe de Governo, como o nosso Primeiro Ministro). O actual Presidente da República Sebastian Piñera é efectivamente o número 2 na sua coligaçao partidária, porque o número 1 candidatou-se a deputado! O pequeno número de deputados garante que efectivamente os jornalistas e o eleitorado conhecem os seus deputados e que projectos ou leis promoveram. Todos os deputados tem de apresentar o trabalho feito ao eleitorado dizendo “participei na redaçao das leis X, Y e Z”.

O número de deputados reduzido também garante que existem poucas faltas no Parlamento, uma vez que todos os votos contam e os colegas de partido chateiam-se com quem nao aparece. Claro, isto é só a minha opiniao, mas acho que existem formas bem mais ilustres de convencer os nossos deputados a serem mais activos e defenderem o bem comum.

Ademais, eu penso que o habitual argumento de que é necessário ter muitos deputados para garantir que cada cidade está bem representada no Parlamento parece-me actualmente um pouco caduco. Quando se criaram os parlamentos europeus no século 19 os meios de transporte eram rudimentares e lentos. Assim, acredito que havia uma vantagem em ter muitos deputados de forma a garantir que existia gente das mais variadas cidades e origens. Outro problema era que nao existiam eleiçoes autárquicas na maioria dos países e por isso os deputados eram muitas vezes deputados da naçao e defensores do seu eleitorado local. Mas hoje acho que se pode argumentar que este tipo de vantagem é bem menor do que antes.

Carlos Madeira
Economista do Banco Central do Chile
O artigo reflecta meramente a opiniao pessoal do seu autor.

segunda-feira, 29 de outubro de 2012

O Impacto da Crise no Bem-estar dos Portugueses

Na passada quinta-feira, dia 25 Outubro, a SEDES –Associação para o Desenvolvimento Económico Social promoveu um debate para lançamento público do seu mais recente estudo denominado: O Impacto da Crise no Bem-estar dos Portugueses
Dado que este tipo de debates não passa nos canais televisivos nem na rádio, tomo a liberdade de partilhar as minhas notas com os leitores interessados.

No debate participaram Alexandre Relvas, Luis Varennes e João Salgueiro que foram previamente apresentados por Luis Campos e Cunha.
Os três membros da mesa utilizaram o estudo como mote para dar o seu ponto de vista relativamente à situação económico-social e política do país.

Alexandre Relvas foi o mais optimista, com a justificação da alteração da balança comercial com o exterior e pelos resultados obtidos nos rankings do World Economic Forum. Ainda assim, referiu que é necessário reduzir os custos de contexto para melhorar a competitividade. Identificou um conjunto de constrangimentos como a concorrência diminuta em alguns sectores, a demora da justiça, os custos elevados da energia e a dificuldade de acesso ao crédito para algumas empresas. Como desafios para o futuro deixou algumas ideias como o regresso das encomendas firmes de exportação, a transformação de créditos bancários por capital das empresas, a necessidade do Estado liquidar todas as suas dívidas, a possibilidade dos empresários fazerem encontro de contas com o Estado (por exemplo IVA vs Segurança Social), a alteração nos procedimentos na tributação de juros de suprimentos, a contratualização dos apoios comunitários com rapidez, os incentivos à aplicação dos lucros e amortizações, a possibilidade de amortizar o goodwill e a redução da TSU pela criação de postos de trabalho.

Luis Varennes deixou uma visão mais pessimista da realidade portuguesa através de uma análise SWOT. Como pontos fortes, identificou o ajustamento rápido da balança comercial mas com incerteza quanto à eventual sustentabilidade dos números registados. Referiu ainda a redução da taxa de juro como aspecto positivo e que beneficia a economia. Nos pontos fracos citou a composição errada da consolidação orçamental, a ausência de reformas estruturais (nomeadamente a reforma do Estado e a reforma do mercado de trabalho), a existência de empresas públicas deficitárias e a contração da actividade económica com o inevitável aumento do desemprego.
Nas ameaças englobou a iminente ameaça de ruptura politica com o fim do consenso politico e do consenso social, o colapso das receitas fiscais, o chumbo do Tribunal Constitucional da política económica do Governo e o enquadramento económico internacional negativo. As oportunidades identificadas dizem respeito ao factor crise como potenciador da mudança do papel do Estado, do papel da sociedade e do papel das empresas. Luis Varennes reivindica um maior papel para a sociedade e a necessidade de definir vários parâmetros da actuação do Estado em três níveis distintos: O primeiro respeitante às funções vitais do Estado como a Justiça, as Forças Armadas e a Fiscalidade; o segundo sobre as funções públicas mas que podem eventualmente serem tratadas no domínio privado como a saúde, a educação e a política económica; e um terceiro sobre as actividades não essenciais ou a existência de monopólios.
Para finalizar deixou um alerta sobre a necessidade do regime de trabalho privado ser igual ao sector público como forma de maximizar a eficiência e a igualdade entre os cidadãos.

João Salgueiro iniciou a sua intervenção com duas perguntas: Porque foi possível acumular desgraças e erros durante uma década? E Porque é que os cidadãos não se indignaram antes?
Deu ainda algumas explicações sobre o comportamento das Instituições Financeiras, nomeadamente na grande exposição dos balanços ao sector imobiliário e deixou um alerta sobre o pós MoU: João Salgueiro chamou à atenção de que, se tudo correr bem com o cumprimento das medidas do MoU e se Portugal regressar aos mercados após este período, nessa data estaremos pior do que antes porque não podemos voltar a ter deficits de 10% ao ano.
Para João Salgueiro, a actual situação económico-financeira não é uma crise mas sim uma derrota, a segunda da sua geração após uma descolonização falhada.
Como ameaça identificou que a divida das empresas públicas não faz parte do MoU e considerou que o nosso modelo económico e o modelo económico do MoU não são viáveis porque temos de atrair investimentos produtivos e necessitamos de melhorar áreas como a burocracia, a Justiça ou a Fiscalidade. Os pagamentos públicos atrasados foram novamente identificados como aspecto negativo e sugeriu a criação de um banco de fomento público. Criticou o aumento do IMI porque não terá qualquer efeito no défice mas apenas aumentará o orçamento das autarquias e o despesismo em activos não fundamentais.

No final, e na sequência de uma questão colocada pelo Senhor Professor José António Girão, todos concordaram que o sistema politico vigente tem uma grande quota-parte da responsabilidade pela má qualidade da gestão dos activos e passivos públicos e que deve ser repensado para evitar problemas futuros e com objectivo de melhorar a eficiência da governação do país!

domingo, 28 de outubro de 2012

Políticos, Militares, e Sacerdotes



Desde que a crise começou tenho recebido vários mensagens e comentários em relaçao aos salários e regalias dos políticos ou administradores de cargos públicos em Portugal. Concordo com a perspectiva comum de que Portugal tem um número de cargos políticos (sob a forma de deputados, vereadores, ou de juntas de freguesia) algo elevado em proporçao da sua populaçao relativa a outros países. Também me parece exagerado o mecanismo de pensoes antecipadas para vários cargos políticos portugueses, uma vez que em varios países os representantes políticos participam no mesmo esquema de pensoes e saúde que os outros funcionários públicos.

Mesmo assim, o gasto em salários, pensoes, e diversas regalias dos políticos e administradores públicos é uma proporçao pequena do orçamento de Estado. Estes gastos sao mais consequencia do que causa do nosso sub-desenvolvimento. Em Portugal existe pressao junto dos Governos para que hajam muitos cargos públicos, uma vez que estes sao vistos como bem remunerados. Em países donde a iniciativa privada é bem remunerada, esta pressao política desaparece.

Na verdade discordo bastante duma visao simplista em que os políticos sao vistos como o problema e nao parte da soluçao. Um povo descrente da existencia de representantes honestos e com valor acabará por cair numa ditadura oligarquica ou na anarquia. Sou mais a favor de mudanças que melhorem o processo de decisoes e prestigiem a classe politica. Favoreço uma reduçao do número de deputados porque países com um menor número de deputados em proporçao do eleitorado conhecem melhor os seus representantes e atribuem-lhes mais prestigio. Ademais disso, as modernas tecnologias de transporte e informaçao permitem a cada deputado conhecer melhor o seu eleitorado e os problemas de zonas geográficas mais extensas.

Julgo também que a visao popular dos governantes sacrificados e dedicados, trabalhando com  “poucoxinho” e fazendo imenso, é uma utopia impossivel. Na prática o trabalho dum governante requer vários anos de trabalho, leitura de documentos e pastas aborrecidas, reunioes intermináveis com outros representantes e grupos de interesse, busca de compromissos, e depois escrever e re-escrever todas as soluçoes encontradas com a linguagem legal adequada. Para mim afigura-se claramente como um trabalho que requer um grupo de profissionais remunerados e nao apenas um par de cidadaos com boas intençoes, tal como no imaginário popular. Ademais, a carreira política envolve certos riscos, como o de nao ser re-eleito. Muitos de nós preocupamos-nos com a possibilidade de termos empregos precários ou que nao duram toda a vida. Bem, o facto da política requerer um grande investimento inicial em campanha eleitoral é um custo enorme para empregos que duram só 4 anos e nao tem uma remuneraçao tao grande como isso. Por isso, ao contrário da utopia popular dos bons políticos que ganham pouco, nao consigo imaginar muita gente qualificada gastando tempo e dinheiro em campanha eleitoral pela honra de ganhar pouco durante quatro anos.

Para verificar o irrealismo da utopia dos bons políticos mal remunerados pensemos em duas classes sociais com tradiçao, honra e prestigio: o exército e a igreja.

Durante milénios de história a vida militar foi a profissao de excelencia das elites. Nas sociedades feudais, os militares beneficiavam de terras e honras, ao passo que o Tesoureiro do Rei ou Ministro das Finanças tinha o mero título de Mordomo. A própria palavra Ministro tem a sua origem em “servo” e denota que os Reis nao pensavam lá grande coisa dos Ministros ou Secretários de Estado. Os Ministros eram meros burocratas letrados. Mesmo quando o exército se alargou ao povo comum, a imagem heróica dos militares persistiu e seguimos dedicando colunas e monumentos aos nossos defensores. Todavia, em quase todas as sociedades modernas o exército é hoje profissional e bem remunerado (relativamente aos outros funcionários públicos). Porque motivo nao conseguimos convencer os nossos heróis a trabalhar por “poucoxinho”? Será que é pelo risco da vida militar? Aqui eu honestamente discordo, uma vez que os militares actuais tem um risco de morte bem reduzido relativamente às geraçoes anteriores mal pagas. Sociedades antigas – como as pólis gregas e República de Roma – nunca tiveram problemas em convencer dezenas de milhares de cidadaos a arriscar as suas vidas durante vários meses a troco de nada, desde que isso nao perturbasse as colheitas agrícolas. Mesmo em tempos modernos, os países europeus conseguiram recrutar imensos voluntários jovens no início da Primeira Guerra. Mas esses jovens pensavam que a guerra duraria uns meses e estariam com pais e noivas antes do Natal! O motivo porque remuneramos bem os militares hoje nao é pelo risco de morte que enfrentam, mas sim porque é um trabalho que requer profissionalismo e anos de dedicaçao. Actos heróicos durante um mes saem baratos, mas anos de vida profissional saem mais caro!

Outra classe social de prestigio, os sacerdotes, teve mais sucesso em recrutar pessoas a trabalhar por pouco. A Igreja Católica é talvez a maior organizaçao nao-governamental do mundo e os seus principais membros dedicam anos de estudo e uma vida de trabalho a troco de salários de subsistencia. Mas será que a nossa classe política iria conseguir imitar o exemplo de esforço e dedicaçao da Igreja Católica? Julgo que nao. Repare-se que apesar de tudo as organizaçoes religiosas nao tem um excesso de candidatos. As igrejas tem sempre adiado a idade de reforma dos sacerdotes actuais, devido à escassez de candidatos novos. Os sacerdotes da Igreja ganham pouco, mas tem o emprego e respeito das suas paróquias garantidos para a vida, um beneficio que políticos nao tem.

Por isso, ainda que os cargos políticos sejam prestigiados será que só isso compensa adequadamente anos de esforço? Julgo que nao. A prova disso é que as pessoas que enviam emails dizendo que deveriamos fazer uma petiçao para acabar com as regalias dos políticos nem sequer se dao ao trabalho de fazer uma petiçao formal ou lista eleitoral para que votemos nelas. Se essas pessoas honestas e virtuosas nao colocam alguns meses de trabalho para ser eleitas e acabar com as regalias dos políticos, entao como vou acreditar que colocariam anos mal pagos ao serviço do país?

Os riscos duma indignaçao injustificada contra as elites políticas em momentos de crise sao reais e julgo que os Portugueses estariam melhor em evitar bodes expiatórios do tipo do “político que ganha bem às custas dos outros”. O sentimento popular de castigo contra a elite política é por vezes contraproducente. Um exemplo fascinante disto vem da democracia Ateniense durante a Guerra do Peloponeso. Os Atenienses depressa se aperceberam que políticos corruptos poderiam roubar fundos em proveito próprio. Por isso, todos os Tesoureiros públicos poderiam ter as suas propriedades confiscadas se condenados por corrupcao. Durante o decurso da Guerra, os 10 Tesoureiros eleitos por Atenas foram condenados por corrupçao, sendo os réus executados e as propriedades das suas famílias confiscadas. Mais tarde, a acusaçao foi revelada como falsa, mas o mal já estava feito. Nos anos seguintes deixou de haver candidatos crediveis para a importante posiçao de Tesoureiro de Atenas (equivalente a um secretário de Estado hoje).

O pior veio mesmo já no final da Guerra do Peloponeso. Atenas sofreu durante décadas de uma praga que dizimou quase um terço da sua populaçao, incluindo o próprio Péricles. A peste em Atenas e uma derrota militar na Sicilia tinham esvaziado Atenas de homens e de fundos. Os seus militares e marinheiros mais experientes trabalhavam agora como mercenários ao serviço de Esparta. Apesar do desespero duma situaçao sem homens e dinheiro, oito jovens líderes atenienses (incluindo Péricles, filho do famoso Péricles) conseguiram uma vitória extraordinária frente a Esparta em Arginusae no ano de 406 BC, devido a uma tática naval inovadora. A vitória Ateniense foi tao clara que Esparta ofereceu a Atenas um tratado de paz com poucas condiçoes. Todavia, no regresso a Atenas os jovens vitoriosos foram recebidos como viloes e nao heróis. Era uma tradiçao ateniense enterrar os mortos, mas uma tempestade terrível impediu os jovens generais de recolher os corpos dos marinheiros perecidos na batalha. Assim, no regresso estes foram acusados de “desrespeito pelos mortos” e executados no primeiro dia de juízo. O resultado óbvio é que pessoas capacitadas deixaram de servir Atenas. Esta era uma sociedade donde qualquer movimento popular poderia executar políticos em momentos crispados em que se culpava as elites de corrupçao ou eventuais derrotas.

Atenas perdeu assim a sua maior vantagem política, a capacidade de renovar os seus líderes eleitos por novos. Tres anos depois de Argusinae, Atenas foi ocupada por Esparta e submetida a uma ditadura de trinta. Foi o fim de um dos regimes políticos mais brilhantes da Antiguidade. O declínio ateniense foi persistente e em inicios do século 19 Atenas tinha só 4000 habitantes, bem menos que os 250,000 dos tempos de Péricles.

Espero que actualmente as sociedades da Europa de Sul, incluindo Portugal, sejam mais benévolas face às falhas dos seus políticos. A verdade é que por vezes na ansiedade de querermos eliminar todos os políticos corruptos ou pouco virtuosos podemos beneficiar ditadores e políticos bem piores que os actuais.

Carlos Madeira
Economista do Banco Central do Chile
O artigo reflecta meramente a opiniao pessoal do seu autor.

sábado, 27 de outubro de 2012

Ideias para o Futuro da Europa



Muitos economistas sugerem que a zona euro deveria avançar no sentido de melhores mecanismos de transferencias fiscais entre Estados em crise e de partilha do risco. Uma forma de fazer isso seria através de ESBIES, ou obrigaçoes de dívida europeia que poderiam garantir até 60% da dívida de cada país. Ao mesmo tempo as ESBIES partilham o risco de liquidez e a estabilidade financeira, este mecanismo previne o moral hazard dado que dívidas acima de 60% do PIB teriam de ser cobertas por dívida pública nacional e pagariam taxas de juro mais altas que a dívida europeia. Outro mecanismo financeiro de auxílio a países em crise é a regulaçao bancária europeia discutida actualmente, o que coloca o ónus de salvar bancos sobre todos os membros da zona euro.

Todavia, gostaria de chamar a atençao que os EUA tem um sistema fiscal federal que paga pensoes, subsidios de medicamentos, e subsidios de desemprego. Este é um mecanismo importante de transferencias sociais e partilha de risco em tempos de crise e que ainda está ausente da Europa. Assim, eu diria que em geraçoes futuras iremos construir um Estado social europeu. Claro, existem diferentes sistemas de transferencias sociais para pensoes e subsidios de desemprego em países diferentes. Por exemplo, alguns países pagam subsidios de desemprego até 6 meses outros até 12 meses ou mais. Nas pensoes, alguns países pagam 65% do salário para descontos e outros 80%. 

Todavia, um mecanismo de transferencia social europeu nao necessita de uma harmonizacao completa. Este poderia ser um sistema complementario aos dos estados nacionais e nao um substituto. Por exemplo, uma parte do IVA de cada país iria financiar o orçamento europeu comum e deste orçamento iria-se pagar os primeiros 3 meses de subsidio de desemprego, 20% dos custos dos medicamentos, ou 10% das reformas dos cidadaos de cada país. Idealmente, o sistema europeu só pagaria parte dos custos sociais, de forma a prevenir moral hazard. Note-se que ainda que a maioria dos Estados europeus tenha taxas de desemprego muito diferentes, a taxa de experiencias de desemprego com duraçao inferior a 3 meses é bem similar em toda a Europa (logo nao existiriam uns países a beneficiar mais que outros). Este sistema europeu seria um mecanismo que iria garantir alguma estabilidade social e partilha de risco a nível europeu sem implicar uma uniao fiscal completa ou uma uniao política. Teria o benefício de ajudar os países nos seus piores momentos de recessao e assegurar a solidariedade social mínima aos seus cidadaos frente a uma crise prolongada.

Sei que estamos actualmente muito longe deste sistema social europeu, mas na minha perspectiva pessoal vai ser nisto que a Europa vai avançar dentro de 30 anos.

Carlos Madeira
Economista do Banco Central do Chile
O artigo reflecta meramente a opiniao pessoal do seu autor.