quinta-feira, 11 de outubro de 2012

A César o que é de César (em resposta ao artigo “A Transparencia dos Estados modernos: Ontem, Hoje, e Amanha” de Carlos Madeira)!


(em resposta ao artigo “A Transparencia dos Estados modernos: Ontem, Hoje, e Amanha” de Carlos Madeira)!

Esta moda de comparar o Estado (neste texto assumo Estado como Estado Democrático) a uma Empresa é profundamente errada. 

Claro que há áreas onde as práticas empresariais fazem todo o sentido. Normalmente são aquelas áreas onde o Estado nem devia estar presente de forma direta – se é com práticas empresariais que se deve gerir algo então que o façam os privados que são muito melhores a fazê-lo!

No teu artigo, Carlos, enumeras um conjunto de aspectos que demonstram que a transparência é superior nos Estados do que nas empresas. Penso que aqui querias dizer Empresas Públicas (neste texto com o sentido de cotadas), já que as Privadas (não cotadas) têm todo o direito de manter o secretismo que quiserem, desde que legal e aceite pelos seus acionistas.

Em relação aos pontos:

1. O custo social associado a uma abstenção de mais do que 50% é elevadíssimo! Afecta a paz social, afecta as gerações futuras. Permite a alguns desresponsabilizar-se pelos problemas que temos! Permite a alguns arrogarem-se ao direito de desrespeitar a democracia.
Também o custo de saída ou entrada no "status" de cidadão é elevado. Não posso deixar de ser cidadão português, sem me tornar apátrida, de forma fácil. 
Também não posso aumentar a minha influência. Valho por um e só um. Posso aliar-me em partidos ou outros formatos de lobby e tentar agregar vontades, mas valho um só voto nas eleições!
Numa empresa o acionista pode delegar o seu voto e/ou não votar sem que isso leve a consequência de maior. O programa da Administração é normalmente bastante claro e estruturado, sem barulho dos media, e como tal fica claro o que vai acontecer.
Mas já agora: Numa empresa qualquer acionista pode vender a sua parte e desvincular-se da mesma de foram mais ou menos instantânea sem nada mais do que uma perda ou ganho financeiro. Tipicamente isto tem pouco ou nenhum efeito na estrutura da empresa. 
Também é de notar que nas empresas as pessoas não valem por si mesmas, mas pela capacidade económica que têm... pela participação na empresa.

2. O rácio de deputados por cidadão diz muito pouco acerca da transparência. Mais do que o rácio é a forma como são eleitos os deputados, versus os administradores (executivos ou não, também não percebo qual a relevância desta distinção para a questão da transparência). Numa eleição direta (como a presidencial em Portugal, ou ciclos uninominais) a transparência é muito boa. Muitos Estados têm formatos menos transparentes para os parlamentos e autarquias!
Já numa empresa os administradores são nomeados pelos acionistas de forma muito direta. Usa-me mesmo a linguagem corrente do “é o administrador do acionista X”. Se algo corre mal é claro quem se culpa, até ao nível do acionista.

3. O parlamento tem uma influência residual nos custos correntes do Estado. Até porque muito do Estado está escondido ou resume-se a custos operacionais, os quais os deputados nem percebem!
Numa empresa todo o cêntimo tem de ter (ou pode ser exigido) uma justificação. Todo o cêntimo tem um responsável. Todo o cêntimo tem uma cabeça no cepo se for mal gasto. As empresas em que isso não acontece são as ex-estatais que ainda nunca conseguiram evoluir.

4. A concordância entre Administradores e acionistas só reforça o quão transparente a relação é! Nenhum administrador minimamente competente vai para uma reunião de acionistas sem ter já discutido com estes os aspectos mais relevantes. Só numa empresa disfuncional ou sob efeito de uma guerra de poder é que isto não acontece.
O facto de no Estado o parlamento ser contrário à Administração só mostra que existe uma maior dissonância cognitiva do que nas empresas.
Mas já agora é de notar que neste ponto os deputados são equiparados aos acionistas e não os cidadãos! Não podem ser ao mesmo tempo comparados com administradores e acionistas. Nessa analogia os deputados são uma espécie de "super-acionista" que representa uma quantidade de acionistas (cidadãos) e age sem os consultar de forma directa. Isto é mais uma camada de opacidade na relação do Estado com os cidadãos, a qual não vês numa empresa!

5. Na generalidade das empresas toda a administração é passível de ser alterada em qualquer momento. Basta haver um número suficiente de acionistas a exigi-lo. No Estado (salvo casos como a Californa) a ideia do “recall” é quase inexistente. Tipicamente os mandatos das administrações são de 3 anos, no Estado são de 4-5 anos (deputados e Governo, Presidência).

6. Assumes aqui que o Tribunal de Contas é mais correto do que uma consultora privada. Não entro nessa discussão pois não faz sentido... mas a maioria do Estado usa consultores e auditores privados também!

7. Qual é a qualidade de transparência no facto de haver vereadores? É mais uma camada de gestão a criar opacidade no fluxo de informação para o cidadão. Nas empresas há muitas práticas de contacto direto “Administração-Acionista”. Não precisa de existir nas sucursais, pois não é a esse nível que os acionistas querem controlar a empresa. 
Aqui também confundes a necessidade de contacto com o consumidor, versus a necessidade de contacto com o acionista. O cidadão é acionista e não consumidor na tua analogia, não podem ser as duas coisas ao mesmo tempo!

8. Falas de ser mais fácil de perceber as contas do Estado por causa das rúbricas serem menos. Claro que isso é efeito de uma deficiente gestão do Estado... Gastar tanto em apoios sociais e pensões não é sustentável. E como é óbvio as contas do Estado não são assim tão simples! Muitas das despesas têm pouca ou nenhuma justificação para além do ganho político do momento, outras tantas são alvo de desorçamentação! 
Numa empresa tudo é contabilizado. Todo o cêntimo tem um responsável que colocou a cabeça no cepo.

9. A qualquer momento os acionistas pode pedir um balancete da empresa. Também podem, a qualquer momento, reunir com a administração convocando uma AG e demiti-los ou alterar a estratégia da empresa.
Quando é que os cidadãos conseguem fazer isso sem ir para a rua? E mesmo aí não são ouvidos diretamente, mas sim pelas impressões dos media (bons como sabemos).

10. Claro que o estado dá informação sobre o efeito das “coisas” sobre o cidadão. Nem se limitam ao seu âmbito público. Por vezes vão além! Faz sentido para a função que tem!
Claro que as empresas não publicam muito sobre os seus consumidores, mas têm mais informação (relevante para a sua função) sobre cada um de nós do que o Estado e sem precisarem de número de BI, SS, NIF, etc! E como disse antes nem se deve comparar consumidor com cidadão e sobre os acionistas era o que mais faltava! A transparência deve ser unidirecional numa empresa.
Também há algo que as empresas têm que os Estados não... segredos de negócio, patentes, etc. Não se pode exigir transparência nestes aspectos! 
Já no Estado é exigível saber como tudo funciona, por uma questão de defesa da segurança e liberdade dos seus cidadãos.

11. As empresas também são foco de inúmeras instituições internacionais. Mais, têm um conjunto de regras de cedência de informação muito bem definidas e são analisadas não pelo Banco Mundial (que não o saberia fazer), mas pelos milhares de Bancos privados espalhados pelo mundo, para além de universidades, outras empresas, acionistas, stakeholders, estudantes mas também Reguladores, Comissão Europeia, Agências de Rating! São outros organismos e nem todos tão coniventes com ineficiência como os FMIs e Eurostats da vida!

12. Claro que o Estado tem mais notícias (em Portugal). Agem em tudo o que é espaço (até onde não devem)! 
Mas o que é que isso tem a ver com transparência? Excesso de notícias é mais opaco do que ter só as notícias relevantes (não vamos discutir o que são notícias relevantes). Mas já agora um dado de uma busca feita hoje no Googlenews:
- “Governo Português”, notícias das últimas 24 horas – 2,270 resultados;
- Resultados “Microsoft” equivalentes – 34200 resultados.;
-  PSI 20 – 1560 resultados
(vale o que vale)
Não limites a tua análise aos Media Portugueses. O país é pequeno e há pouco com que entreter os jornalistas!

13. Os processos empresariais são muito menos complexos. Também têm a vantagem que podem substituir a pessoa se esta não corresponder ao CV. 
No Estado já isso não se passa sem custo político ou partidário. Não vejo como é que isso é mais transparente do que eu contratar alguém que sabe que é imediatamente despedido se não corresponder ao que disse ser. São níveis diferentes de exigência!

O teu texto tem imensas questões pertinentes, mas principalmente úteis para discussão académica e pouco relevantes para o mundo empresarial. Misturas imenso as necessidades de reporte de um Estado, que deve ser completamente transparente para os seus cidadãos e que afecta de uma forma direta a vida dos mesmos e dos seus descendentes com as de uma empresa.

Felizmente as empresas não têm esse impacto na nossa vida. Mesmo um Golias como a Apple pode falir de um dia para o outro sem que mal maior venha ao mundo. Um Estado, mesmo de um país pequeno, vai à falência e tem logo milhares de pessoas a passar fome e a adoecer. É comparar deixar de ter um iPhone com questões de vida ou morte!

As empresas também não devem ser geridas como Estados (democráticos). Não têm de se preocupar com eleitorado, com popularidade dos seus CEOs, com ouvir os seus empregados (apesar das vantagens que por vezes isso tem), com o ser justos (desde que dentro da legalidade), com nada a não a conformidade com a lei e com a vontade dos seus acionistas. Nem os restantes stakeholders são obrigados a ouvir (apesar de ser prática aconselhada).
As empresas são regimes não-democráticos que olham para as vendas e é assim que devem funcionar! Os Estados têm outras preocupações.

Se o Estado Português fosse uma empresa em Bolsa eu emigrava. Seria um Estado ditatorial, benévolo ou não, mas sempre uma ditadura... e por isso é que não se pode comparar os requisitos de transparência de um Estado com os de uma empresa!

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