Fiquei muito satisfeito com os imensos comentários que tenho recebido neste blog, em particular com o artigo de contra-argumentaçao do Pedro Antunes. Aliás, dizem os académicos que se algo nao é debatido é porque nao merece ser escrito. Assim que o número de mensagens que estes artigos têm gerado é representativo do seu interesse.
Aqui deixo a minha resposta em tres aspectos:
1) O argumento geral do artigo “A
César o que é de César” nao contradiz a minha tese de forma alguma. Repare-se
que o Pedro termina a sua tese com o seu ponto definitivo que é o Estado “tocar
a vida de todos” e que nao se deve confundir “questoes de vida ou morte”. Bem,
a minha resposta é que este argumento nao me contradiz em nada, porque de facto
é assim que o meu artigo comeca. O primeiro paragrafo do meu texto menciona a Primeira
Guerra Mundial e a mutilacao que isso causou, logo nao existe uma questao “de
vida ou de morte” mais clara que a mencionada. A última frase do segundo
paragrafo começa “Como o Estado moderno toca as nossas vidas todos os dias(...)”.
Logo o Pedro começa por dizer que discorda profundamente do meu artigo e depois
conclui o seu ponto principal com algo que foi claramente escrito logo nos dois
primeiros paragrafos deste. Isto já lembra o Álvaro Cunhal que respondia sempre
“olhe que nao” e depois repetia exactamente o que o outro dizia.
2) De facto, o artigo “Ontem,
Hoje e Amanha” elabora sobre o tema como o Estado usa a sua organizacao e as
tecnologias disponiveis de forma transparente. O ponto nao tem nada a ver com a
importancia do Estado ser menor ou maior que a de uma empresa, porque se afirma
claramente no inicio que o Estado é uma entidade de múltiplas funcoes e de
grande importancia. A questao é quando falamos de Transparencia muitas vezes
temos em mente um ideal platónico que nao existe. Na prática um Estado nao pode
comunicar a informacao de forma transparente para os seus cidadaos via
telepatia. O Estado tem de construir o ideal de Transparencia de forma
pragmática e realista, utilizando os mesmos métodos que todas as comunidades
humanas (incluindo as empresas) têm ao seu dispor: assembleias gerais,
eleicoes, quadros nao-executivos, relatorios de entidades independentes,
frequencia das estatísticas, uso da internet e media, etc.
3) O Pedro utiliza uma frase
falaciosa ao dizer que os meus argumentos sao “principalmente
úteis para discussão académica e pouco relevantes para o mundo empresarial”. Qualquer argumento duma pessoa baseia-se nao
na realidade do mundo, mas numa representacao da realidade. Logo é incorrecto classificar
algo como meramente académico e nao do mundo, porque toda a discussao feita por
qualquer pessoa do mundo é efectivamente uma discussao académica e nao uma
realidade concreta. Aliás, para quem afirma conhecer o mundo real, o Pedro Antunes
comete diversos erros na forma como o descreve e nunca faz uma quantificaçao
dos seus pontos. Uma pessoa que nao quantifica o argumento está a fazer uma afirmacao de fé ou de crença, nao uma afirmacao cientifica (por isso, no meu artigo houve o esforço de precisar quais eram os métodos de transparencia e como os quantificar). Por exemplo, o Pedro diz que existe Estado escondido, mas
onde está esse Estado e com que valores numéricos? Se o Estado está escondido,
como sabes que é grande o valor escondido? Vou aqui dar mais exemplos de
afirmaçoes claramente imprecisas ou mesmo equivocadas:
1) É falso dizer que a abstencao
de um accionista tem menos efeitos que a de um eleitor. Repara que os efeitos negativos da abstençao sao menores quando
existem muitas outras pessoas a votar e por isso o teu voto nao tem influencia.
Nas eleicoes de um país tu és um eleitor em milhoes e por isso é muito pouco
provável que o teu voto em especifico seja influente. Neste mundo existem por
definicao menos accionistas que cidadaos, logo a abstençao nas empresas é mais
negativa. É de observar que a abstençao nao existe só em accionistas pequenos,
mas também em grandes. Por exemplo, as seguradoras e fundos de pensoes tendem a
ser accionistas que votam sempre a favor do CEO, porque simplesmente têm muitos
títulos e nao vigiam bem cada empresa.
2) 3) e 4) É totalmente falso o
que dizes de que muito do Estado está escondido e “resume-se a custos operacionais”.
Um só tipo de despesa, as pensoes, justifica 75% do orçamento de Estado, nao
existe mais claro que isto. E os deputados têm claramente influencia em todo o
orçamento. Dizes que na realidade os deputados nao tem influencia em toda a
despesa corrente.Que eu
saiba um administrador nao-executivo é tao impotente para gerir os custos
correntes como um deputado, nao? Aliás, nas empresas esse poder é ainda menor
porque as assembleias gerais sao trimestrais e nao todos os dias como no caso
dos deputados. No Estado também cada centimo tem de ser justificado
formalmente. Ocorrem mais casos de vigarice de contas em
empresas que em Estados democráticos. A Enron, Madoff (o homem tinha uma
empresa que nem activos tinha!!), o Barings, Societé Generale, e UBS tiveram
casos em que apenas um homem ou um grupo pequeno conseguiram criar contas
enormes de gastos e de lucros sem que ninguém se apercebesse. Também nao percebo como afirmas que nas
empresas o “acordo entre Administradores e Accionistas só reforça a ideia de
que tudo é transparente”. O Stalin dizia que só nos cemitérios existia
concordancia absoluta e muitas vezes é isso o que os quadros
nao-administrativos sao. Aliás, existem muitos estudos académicos que mencionam o fraco funcionamentos dos Quadros Nao-executivos em
empresas. Existem gestores nao-executivos que têm 20 ou 30
posiçoes e votam sempre a favor do CEO para se despachar. Sao cada vez mais os
casos em que gestores manifestamente incompetentes e piores que os competidores
recebem bónus altos!
6) Eu nao disse que “assumia que
o Tribunal de Contas era melhor que uma auditora”. Fiz uma analogia entre
auditoras privadas e o Estado, mas aqui nao disse que uma era melhor que a
outra. Uma informacao adicional, o nosso Tribunal de Contas é auditado e avaliado todos os
anos por um dos outros Tribunais da Uniao Europeia. Isso garante que pelo menos
o nosso Tribunal de Contas obedece às normas europeias de qualidade.
7) O cidadao é simultaneamente
accionista (como pensionista) e consumidor de bens públicos (educacao, saúde,
polícia, defesa) do Estado. Nao estou a ver a tua impossibilidade lógica. Aliás, isto pode ocorrer no universo empresarial também (o accionista da Apple tem também um Ipod).
8) + 10) + 12) + 13) Gastos
politicos também existem em empresas. Por exemplo, os administradores terem
duas secretárias, carro, aviao, etc. Existem segredos de Estado tal como em empresas, logo nao se entende a relevancia de mencionar os segredos empresariais. No Estado também podes ser aceite sem custos
partidários para posicoes como Presidente. Além disso, os Partidos sao uma criaçao endógena das pessoas nos principais países do mundo e nao sao necessariamente uma barreira. Aliás, até podem servir para lançar candidatos menos conhecidos ou para fazer um pré-estudo dos candidatos.
9) O teu ponto 9) é o mais
estranho de todos. “A qualquer momento os acionistas podem pedir um balancete
da empresa.” Os balancetes só sao publicados mensalmente.
Referes-te aos balancetes previamente publicados nos meses anterior?
Bem, isto existe no Estado e nas empresas públicas. Nao percebo a relevancia do
ponto.
Carlos Madeira
Economista do Banco Central do Chile
O artigo reflecta meramente a opiniao pessoal do seu autor.
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