quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Não há luz ao fundo do túnel?

O Jornal de Negócios de hoje transcreve, aqui, uma afirmação de Jerónimo de Sousa em que se diz que “É hoje muito evidente que não há luz ao fundo do túnel, nem sequer túnel”. Permitam-me que discorde (aliás, é fundamental que se continue a acreditar que existe uma luz ao fundo do túnel, por mais ténue que ela seja).

Não sendo um macroeconomista, parece-me consensual que a economia Portuguesa sofria de dois desequilíbrios: o desequilíbrio externo e o desequilíbrio das contas públicas. Ora, a evolução muito favorável do primeiro problema, no sentido da correção do desequilíbrio externo (Fernando Ulrich refere o mesmo aqui), é uma “luz ao fundo do túnel”; a redução significativa da despesa pública primária (alguns números podem ser vistos aqui), é uma “luz ao fundo do túnel”; a operação de conversão de dívida que venceria em 2013 por dívida que vencerá em 2015 (numa altura em que já não estaremos sob o plano de assistência da Troika), realizada ontem e referida aqui, e a redução da respectiva taxa de cupão de 5,45% para 3,35%, é uma “luz ao fundo do túnel”.
Face a todos estes sinais, sou da opinião que se deverá relativizar o menor sucesso na resolução do problema do desequilíbrio das contas públicas, uma vez que o nosso principal problema era, salvo melhor opinião, o desequilíbrio das contas externas e o financiamento da economia e, a esse nível, os sinais que referi parecem-me francamente encorajadores (aliás, no seio da própria Troika haverá diferentes visões entre o FMI e a Comissão Europeia/BCE, com o FMI mais focado no objectivo das contas externas e a Comissão Europeia/BCE demasiado focados no objetivo das contas públicas). Os riscos existem, e são significativos, mas os sinais são encorajadores.
Perante estes factos, questiono-me se não se deveria flexibilizar as metas do défice (em parte, tal foi conseguido na última avaliação da Troika), tal como é defendido aqui e aqui e, nessa medida, se se justificará, na integra, o tão grande aumento de impostos anunciado ontem. Notem que tal não significa um alargamento temporal do plano de assistência da Troika, que eu não defendo (face aos sinais de ontem na operação de conversão de dívida, é possível que se consiga voltar aos mercados em 2013 e, como tal, o alargamento do plano de assistência seria desnecessário), mas apenas uma flexibilização das metas para o défice.
Com isto, não pretendo defender um menor esforço no combate à despesa pública, mas tão somente um possível menor aumento da carga fiscal. Aliás, sobre a despesa pública, concordo com o artigo da Vera no Dinamizar Portugal (pode ser visto aqui) e a referência à investigação do Alberto Alesina e Silvia Ardagna referida pelo Paulo Santos Monteiro (em comentário ao artigo da Vera), e que pode ser encontrada aqui. A investigação de Alesina e Ardagna ajuda a reforçar a importância de se olhar seriamente para a despesa (pelas razões que são apontadas na referida investigação, de que a austeridade do lado da despesa é muito menos nefasta para o crescimento do que a austeridade pela carga fiscal, mas também, acrescento eu, como forma de manter a coesão social: os portugueses tenderão a aceitar os sacrifícios que lhe são impostos se entenderem que, do lado da despesa – em termos de redução dos consumos intermédios e gorduras do Estado, redução das rendas na energia, PPPs, fundações, etc – se está a fazer alguma coisa). Mas, a este nível da despesa, parece-me que se está a fazer pouco, uma vez que parte significativa da redução da despesa pública primária tem sido conseguida nas despesas com o pessoal, sendo que estas apenas representam pouco mais de 20% da despesa pública primária total. Ou seja, a restante parcela da despesa pública, que representa mais de ¾ de toda a despesa pública, tem dado um contributo muito limitado para o controlo da despesa (mais uma vez, as PPPs, Fundações, Rendas excessivas, etc).
Mas voltando ao tema inicial, compreendo que os dois objetivos de política (contas externas e contas públicas) não são, necessariamente, independentes. E, nesse caso, importa perceber como se comportariam as nossas contas externas (e a nossa capacidade de voltar aos mercados) perante um menor aumento da carga fiscal e da consequente menor travagem da procura interna. Fica a pergunta?

7 comentários:

Pedro Antunes disse...

Plenamente de acordo... mas visto que a afirmação transcrita e posta em causa era do Jerónimo de Sousa não é de estranhar

Joao Madeira disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Joao Madeira disse...

Bom artigo Paulo, mas acho que nalguns aspectos e enganador. Nao e verdade que 75% da despesa do Estado seja com PPPs e/ou Fundacoes.

As grandes despesas do Estado portugues sao com seguranca social, saude e educacao que representam 75% da despesa do estado.

http://portugalcontemporaneo.blogspot.pt/2012/09/20.html

Ve tb o artigo do Carlos:
http://dinamizarportugal.blogspot.co.uk/2012/09/o-custo-de-um-estado-social-moderno.html

O teu artigo tambem da a entender que Portugal gasta pouco com remuneracoes a funcionarios publicos (ve a pag 9 do artigo em baixo):

http://pt.scribd.com/doc/66860865/Divida-publica-%E2%80%93-Os-principais-tipos-de-gasto-publico-2%C2%AA-parte-

Sim, o estado portugues gasta apenas 24% da sua despesa com remuneracoes. Mas como se pode ver, apesar de o Estado ter reduzido muito a proporcao que as remuneracoes representam na sua despesa total (em 2005 era de 30%) continua a ser um dos numeros mais elevados da Europa (dos paises desta tabela em 2010 so a Espanha gastou mais em remuneracoes de funcionarios publicos)!

Joao Madeira disse...

Ah gostaria tambem de dizer que nao existe consenso entre os economistas sobre qual a melhor politica fiscal em tempos de recessao. Ha economistas que acham que a politica fiscal simplesmente nao e eficaz, outros acham que sim.

Existe de facto evidencia (como o paper do Alesina e co-autores) sobre os efeitos positivos de reducoes de impostos mas outros apresentam evidencia de que aumentos de despesa publica sao mais eficazes:

http://wallstreetpit.com/9139-not-clear-that-tax-cuts-are-better-than-government-spending-at-shortening-recessions/

http://www.bleedingheartland.com/diary/2454/

Unknown disse...

João,

agradeço-te as sugestões e correcções.

Sei que as PPPs e Fundações não representam 3/4 da despesa pública (3/4 será, grosso modo, toda a despesa exceptuando salários), nem me parece que o Estado gaste assim tão pouco com salários (que continua a ser uma das principais parcelas da despesa). Mas, relendo o texto, admito que possa dar essa ideia, e não era essa a minha intenção.

O que pretendia chamar a atenção é que: (i) mesmo que se flexibilizem as metas do défice, é essencial que se faça um esforço sério na redução da despesa, até para que o atual aumento brutal de impostos possa ser contrariado num futuro próximo; (ii) o que se tem feito do lado da despesa vem, essencialmente, do lado da despesa com salários (corte de subsídios + redução de funcionários). É essencial que se estenda esse esforço a outras áreas e que, passado mais de 1 ano da actual legislatura, é tempo de haver uma atuação mais "vibrante" a esse nível (por exemplo nas áreas que referi, mas a lista não terminaria ali). Ainda que perceba que há determinadas áreas da despesa pública que apresentam uma grande rigidez, tendendo a aumentar em períodos de recessão.

Vou ler com atenção os links que me sugeres.

Abraços.

Joao Madeira disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Joao Madeira disse...

Ola Paulo, sim, quando li o artigo eu reparei que nao afirmavas que 75% das depesas eram PPPs ou que os salarios no estado eram baixos mas achei que algumas pessoas pudessem (erradamente) ler precisamente isso.

Quando a tua sugestao de apertar o cinto mais pela via de reducao da despesa do que do aumento dos impostos, concordo completamente contigo (so achei que era bom reconhecer que ha opinioes diferentes nesta area, acho que e a area mais contenciosa em economia).

Uma das razoes pq concordo contigo e a seguinte. Nos EUA o Estado financia-se neste momento a taxas de juro zero, o que nao e o caso do estado portugues (logo os multiplicadores potencialmente observados nos EUA na despesa mto provavelmente nao se aplicam a Portugal).

Mas ha outras razoes. Existe alguma evidencia de que para estados mto endividados (como o portugues) os multiplicadores do lado da despesa sao aproximadamente zero ou ate negativos:

http://ideas.repec.org/p/nbr/nberwo/16479.html

Finalmente, eu acho que de facto o Estado tem um papel importante a cumprir na economia (seguranca, justica, educacao, saude, etc...) e tb dou valor a redistribuicao de riqueza. Mas nao teremos ido longe demais na Europa? Sera correcto termos pessoas a receberem dinheiro dos contribuintes (rendimento minimo) anos a fio? Sera correcto pagarem-se subsidios de desemprego por varios anos? Nao estou convencido que mta da intervencao do estado seja correcta (desencoraja-se o esforco/trabalho e criam-se habitos pouco saudaveis de dependencia).