quinta-feira, 29 de novembro de 2012

Algo fora de tópico...


Em alegre debate com um grupo de amigos sobre “atos eleitorais” surgiu-me uma dúvida: Porque é que as eleições têm de ser feitas em apenas um dia?

Hoje em dia muitas pessoas queixam-se, logo no dia a seguir às eleições, das mesmas não serem representativas da população por causa da abstenção. Outras queixam-se que foram feitas num domingo, ou num momento de férias... tudo serve, aos "perdedores" crónicos, para subverter ou descredibilizar o ato.

Uma das questões que nos pareceu interessante perceber era qual seria o impacto das eleições não serem feitas em apenas um dia, mas durante um período mais alargado de tempo, preferencialmente por via electrónica para conter custos.

Vamos imaginar que um ato eleitoral acontecia durante X dias. Por exemplo começava numa Segunda-feira e terminada na Sexta-feira seguinte. Ao fim de cada dia seriam publicados os resultados (especialmente se votação electrónica). O eleitor que ainda não tivesse votado analisaria o estado da eleição e decidiria se valia a pena ir votar ou não, independentemente da razão invocada! Uma verdadeira análise custo-benefício.

No decorrer do alegre debate, mesmo quem não concordava com este modelo, não conseguimos construir um argumentário contra este modelo. A grande vantagem seria um voto mais informado das suas consequências.

Porque não?

terça-feira, 27 de novembro de 2012

O Fundo*


Se todas as ocasiões são más para desperdiçar dinheiro, a actual desaconselha-o com especial veemência. Estando a política orçamental unicamente preocupada com a redução do défice, o quadro comunitário de apoio assume particular importância, já que será, a curto prazo, o principal recurso votado ao investimento público. Embora a discussão dos valores não seja despicienda, parece-me mais relevante pensar sobre a sua aplicação.
Alcatrão e betão não carecem de mais dinheiro. A inovação merece-o. É preciso aumentar o valor acrescentado daquilo que o país produz, o que se faz inovando. Sendo docente do ensino superior, é suspeito sugerir os centros de investigação universitários. Mas estou genuinamente convencida de que se tem de apoiá-los e ligá-los às empresas, multiplicando exemplos como os de Aveiro e Minho.
Estratégico é também o turismo. Apesar de investigar o sector, creio não ser enviesado ver condições ideais – o clima ameno, a óptima e variada gastronomia, o património histórico-cultural, o povo afável, a vasta costa, a diversidade da paisagem – para tornar Portugal um conjunto de destinos de excelência.
Com a maior zona económica exclusiva da União Europeia, temos de seguir o conselho que a minha mãe me dava na praia: não virar as costas ao mar. E não estou a pensar só na pesca, embora seja inconcebível que importemos metade do peixe que consumimos. Estou a apontar para a pesquisa de terras raras. Ou para a energia eólica em offshore e das marés.
Falando em energia, planos que visem melhorar a eficiência da sua utilização também devem ser contemplados. Aliás, a área do ambiente oferece grandes oportunidades. A crise tirou tempo de antena à questão da sustentabilidade, mas um tornado em Silves devia lembrar-nos que a sua pertinência se mantém.
Finalmente, citaria a agricultura, sector em que há margem para diminuir importações e aumentar exportações. Mas, sobretudo, apostar nela é uma via para o desenvolvimento do interior e redução das assimetrias regionais.

* Artigo publicado no Diário Económico de 26.11.2012

quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Duas hipóteses radicais para desenvolvimento de Portugal

Há cerca de um ano atrás dizia-me um amigo que o problema de Portugal só poderia ser resolvido com uma de hipóteses: Uma catástrofe natural ou uma revolução a sério (ele considerava que o 25 de Abril tinha sido uma revolução oligarca que não partiu do povo mas sim de grupos de interesse que dela beneficiaram económico-socialmente).


Não partilhando totalmente dessa posição, devo dizer que compreendo essa conclusão lógica pelo emaranhado jurídico-económico em que o país está envolto. São muitas leis cirurgicamente mal construídas, muitos lobys em acção, cidadãos pouco participativos na construção pública do país e um conjunto de politicas implementadas com a força das marés (ora num sentido, ora no seu revés).

O recente fenómeno meteorológico registado nos concelhos de Silves e de Lagoa foi demonstrativo de uma mutação do comportamento social mediano. Num ápice e após um apelo das edilidades, centenas de pessoas apareceram voluntariamente nas ruas com vontade de ajudar num esforço colectivo para minimização ou limpeza dos estragos. Esta motivação social pública e organizada em prol de um objectivo comum não existe em regra mas surge em ocasiões muito específicas como por exemplo nos incêndios em períodos de Verão, nas inundações da Madeira, nas manifestações pela libertação de Timor…

Não é fácil explicar porque é que os cidadãos não têm semelhante comportamento de grupo no seu quotidiano ou no que toca à resolução dos problemas do país mas talvez suceda porque ainda nenhum líder conseguiu obter dos cidadãos o que melhor têm de si.
Mas ainda sobre esse fenómeno, devo dizer que não compreendi as declarações do primeiro ministro que colocou em causa o Ministro da Administração Interna por este não ter indicado qual o valor dos apoios governamentais.
Mesmo que haja problemas no seio do Governo (e certamente haverá), não foi a ocasião nem a forma correcta de reagir face a uma intempérie cujos custos não estavam identificados nem avaliados. Mas o pior foi ter veiculado uma falta de lealdade institucional quando o valor social mais nobre seria a união de esforços para resolver o problema e recuperar os prejuízos! O populismo de anunciar mundos e fundos para a comunicação social e depois não cumprir o prometido não fez nenhuma falta e pareceu-me até uma excelente posição politica do ministro em causa!

Mesmo quando as pessoas se unem e não atiram culpas ao Governo pelos seus problemas, os políticos parecem não compreender os sinais e aproveitam para colocar na praça pública divisões e conflitos que apenas prejudicam a própria sociedade que têm missão de governar com eficiência.

Ou seja, o meu amigo cometeu um erro de análise quando me deu duas soluções de progressão para o país. É que, se existisse uma lamentável catástrofe natural (esperemos sinceramente que não suceda) e se mantivéssemos a classe politica, provavelmente teríamos a mesma força de bloqueio no desenvolvimento do país!

Precisamos de uma terceira via, obviamente democrática, que apresente uma nova ordem económica e que garanta um país mais desenvolvido e coeso!

segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Do "L'État c'est moi" ao Estado que não é de ninguém!


A agenda política nacional tem afastado para um segundo plano a discussão sobre o papel do Estado na sociedade. A discussão política limita-se cada vez mais à troca de argumentos sobre a constitucionalidade ou anti-constitucionalidade das medidas implementadas e até já pouco se fala em diferentes opções de abordagem aos problemas. Como a Constituição não é um documento dinâmico e também não indica quem é que paga as despesas do Estado, importa avaliar qual o Estado que queremos e qual o Estado que somos!


O conceito de Estado evoluiu muito desde a antiguidade clássica:

Nos tempos de Platão, o Estado tinha como função principal a garantia da segurança dos cidadãos e a governação era entendida como uma actividade nobre que devia ser desempenhada por quem tivesse elevadas capacidades filosóficas  resumidas em três valores: sabedoria, coragem e temperança.

Na França de 1700, Luís IV ficou célebre (para além das medidas tomadas e das inúmeras amantes que teve) pela frase "L'État c'est moi", bem demonstrativa do absolutismo do rei sol que geria e controlava o país.

Os anarquistas defendem o Estado sem Estado. Ou seja, a eliminação de todas as formas de autoridade em prol da liberdade do individuo, valor máximo da cidadania.

Em Portugal não temos nenhuma destes conceitos de Estado. Desenvolvemos uma cidadania assente num Estado que sobrevive, que muito provavelmente é maior do que devia mas que é um Estado frágil, em ruptura social. O Estado que impõe impostos elevados, é o mesmo Estado que não é de ninguém. É um Estado assente em partidos com características de oligarquia e um Estado monopolista em funções que não deveriam ser só da sua competência! É ainda um Estado com um equilíbrio de poderes desajustado e que não favorece os necessários checks and balances nem os incentivos à eficiência!

No caso português, poder-se-ia dizer, ao contrário de Luis IV de França, que o Estado somos nós todos. Mas, não querendo estar a tapar o sol com a peneira, a definição mais aproximada da realidade é que o Estado é de alguns para as coisas boas mas não é de ninguém quando é necessário apurar responsabilidades!

Por exemplo, como vimos pela recente noticia da indemnização do Estado aos comerciantes do Porto, houve um rejubilo geral quanto à decisão do tribunal. Se a palavra “Estado” fosse substituída por “todos nós”, será os jornalistas dariam a noticia da mesma forma ou que os comentários de café sobre o mesmo tema seriam idênticos?

Não sei se será necessário refundar, renovar, reestruturar ou refutar o Estado que temos! Mas tenho a certeza que este Estado não é sustentável, não é eficiente, não se conhece e não serve (a)os cidadãos que o suportam!

domingo, 18 de novembro de 2012

Um desafio...

Caros colegas dinamizadores e/ou leitores,

Parece-me que por aqui temos um conjunto de pessoas bastante representativa do que é preciso para por o País no caminho certo. 

Temos liberais, conservadores, centristas, pessoas mais viradas para a economia, outras para os impactos sociais, uns mais pragmáticos, outros mais teóricos. Académicos, economistas, gestores... Como grupo não somos monolíticos na ideologia, somos capazes de discussão agressiva e até pessoal, mas no fim todos queremos simplesmente partilhar as nossas angústias e soluções para o país!

Das discussões que aqui temos tido parece-me que há umas quantas ideias de base que todos partilhamos:

1) Não nos resignamos a pensar que Portugal está em declínio;
2) Não nos resignamos a pensar que Portugal não tem solução;
3) Não nos resignamos a aceitar a qualidade dos nosso políticos;
4) Já todos percebemos que muito mais tem de ser feito pela nossa geração para que a próxima tenha mais do que nós tivemos;
5) Não aceitamos o fatalismo do aumento da pobreza no nosso país;
6) Estamos disponíveis a fazer a nossa parte para termos um verdadeiro "Jardim à beira-mar plantado;
7) Queremos o nosso paraíso Luso-Europeu!

Tudo isto me parece uma receita à "Jamie Oliver" para uma fantástica refeição.

Que acham de construir uma equipa para desenvolver uma visão a 10 anos para Portugal? Não é fazer mais um diagnóstico do país... que já há muitos. É fazer um verdadeiro manual, com realismo, com objectivos claros, sobre como fazer Portugal ser, em 2020s, um país rico, relevante e forte pilar de uma Europa democrática e relevante no Mundo!

Quem quer participar neste esforço?

quinta-feira, 15 de novembro de 2012

BÁRBAROS

Ia escrever sobre a quantidade de bárbaros que ontem nos colocou no radar da CNN (felizmente só de passagem), mas encontrei um texto de Henrique Monteiro que descrevia claramente o que pensava!


Já agora deixo aqui os mui importantes artigos da nossa constituição, que com todos os problemas que tem, a questão da greve, direito ao trabalho e afins não é um deles e é clara:


Artigo 57.º
Direito à greve e proibição do lock-out
1. É garantido o direito à greve.
2. Compete aos trabalhadores definir o âmbito de interesses a defender através da greve, não podendo a lei limitar esse âmbito.
3. A lei define as condições de prestação, durante a greve, de serviços necessários à segurança e manutenção de equipamentos e instalações, bem como de serviços mínimos indispensáveis para ocorrer à satisfação de necessidades sociais impreteríveis.
4. É proibido o lock-out.

--
Artigo 58.º
Direito ao trabalho 
1. Todos têm direito ao trabalho.
2. Para assegurar o direito ao trabalho, incumbe ao Estado promover:

a) A execução de políticas de pleno emprego; 

b) A igualdade de oportunidades na escolha da profissão ou género de trabalho e condições para que não seja vedado ou limitado, em função do sexo, o acesso a quaisquer cargos, trabalho ou categorias profissionais; 
c) A formação cultural e técnica e a valorização profissional dos trabalhadores.
-- 
Artigo 25.º
Direito à integridade pessoal
 1. A integridade moral e física das pessoas é inviolável.
2. Ninguém pode ser submetido a tortura, nem a tratos ou penas cruéis, degradantes ou desumanos.
--

É de notar que os polícias são pessoas.

terça-feira, 13 de novembro de 2012

OE 2013 à vontade do freguês... ou, E se a Crowd tiver melhor OE para 2013?



Na minha simulação o meu objectivo principal foi atingir um défice zero, assumindo a redução máxima permitida no IRC (uma política de criação de emprego e investimento), independentemente do realismo da implementação política da solução. 

Ponto de partida do simulador: 8.277M€ de cortes para chegar ao défice zero ou superavit!

Tendo essa base iniciei o meu lado da despesa:
Segurança social
-       Pensões
o   A vida está demasiado difícil para reduzir os rendimentos deste segmento da população. Se o modelo permitisse limitaria, no entanto, mais as pensões mais elevadas e aumentaria, no que fosse possível e sustentável, as mais baixas por forma a ter a mesma despesa.
-       Subsídio de Desemprego assumi a redução máxima
o   O racional aqui foi que devíamos pagar mais por mês mas dar menos tempo e reduzir o incentivo a ficar desempregado. Claro que pode-se não concordar, mas foi uma escolha minha.
Finanças
-       Caixa Geral das Aposentações
o   Se nas pensões não quis mexer por dar uma pensão média mensal de 348 euros, não podia deixar a pensão média dos Funcionários públicos ficar nos 1111 euros. Cortei o máximo, corte médio 211 euros, com a mesma lógica da progressividade das pensões.
Defesa Nacional e Administração Interna
-       Penso que faz sentido Portugal ter umas Forças Armadas minimalistas, bem como uma simplificação das Forças de Segurança Públicas. Menos tropas, melhor pagos, menos desperdício na segurança pública.
Outros Orgãos Gerais de Soberania
-       Notei que o meu corte possível era equivalente à estrutura de negócios da RTP e do funcionamento da AR. O da RTP pareceu-me óbvio. Claro que não se pode acabar com a AR, mas os restantes custos associados a estas rúbricas certamente podem compensar uma parte substancial dos 100 milhões de euros que aqui se assume ser o custo da AR.
Educação e Ciência
-       Li recentemente que temos menos alunos no ensino pré-universitário (de um máximo em 2009). Isto devia refletir-se nalguma redução dos custos desta rúbrica. Temos hoje os mesmos alunos que em 1999 (ca. 1,9M) e o número de professores é igual (ca. 170k). Dá 11 alunos por professor. A despesa subiu 2kM euros. Tendo isso em conta decidi baixar a despesa 2kM (a repartição é-me pouco relevante e a aplicação só deixou reduzir 1,5kM). Mesmo assim é uma subida de quase 500 euros por aluno face a 1999, ou uma subida de mais de 1% ao ano (taxa anual de crescimento, média de 1999 a 2011: 0,98%).
Já só me faltavam 3,5kM para o objectivo. Comecei a olhar para os mais óbvios de cortar:
Economia e Emprego
-       PPP: cortei tudo. Assumi que era possível renegociar uma redução de outros 140M euros.
-       Transportes rodoviários e ferroviários: Cortei 335 milhões. Há muito desperdício nestas áreas. É uma convicção minha, mas não tenho dados específicos para a suportar.
Municípios e Regiões Autónomas
-       Uma infografia do Jornal de Negócios de 17 de Agosto 2011 colocava o número médio de funcionários nas autarquias nos 19,6 por mil habitantes (2010). O Porto consegue funcionar com 11 (versus os 18 de Lisboa). Há melhorias a fazer aqui. Houve mais 10 mil contratações do que reduções no período analisado nesta infografia. Claro que há zonas de exceção (o Alentejo nunca pode ter valores idênticos ao Porto – 11,5 – mas Lisboa pode – 18,3). Feitas as contas, um esforço de redução equivalente a 30 mil funcionários, em período de crise, num universo de quase 200 mil funcionários, não me choca. Reduzi tudo em despesas com pessoal.
Saúde
-       Em 2000 o Estado gastava 566 euros por pessoa por ano. Em 2011 foi de 869 euros por pessoa. Passámos de 6088 diplomados em saúde em 2000 para 14505 em 2011. Curiosamente o número de camas, consultas e outros indicadores da oferta, têm-se mantido mais ou menos estável. Já a despesa total por habitante aumentou 300 euros. A despesa com pessoal explodiu dos 2600M para os 4000M euros. Entre 2000 e 2011 parece-vos que o serviços melhorou em qualidade para o dobro? A despesa total já foi cortada de 10kM para ~8kM (2011 para 2012). Parece-me ser possível ter ainda mais ganhos. Em 2000 a despesa total era cerca de 6kM, ou 566 euros por pessoa. Com um corte de 19% na saúde passamos a gastar 704 euros por pessoa, um crescimento de quase 2% ao ano (a média de crescimento do PIB em período idêntico é <1%).
Com cerca de mil milhões para acertar decidi olhar novamente para a receita.
-       Aumentei o imposto sobre produtos petrolíferos e energéticos. A ideia seria desincentivar o uso de transporte próprio (importado desde o carro ao combustível), ganhar uma receita fiscal de quase 500 milhões e, se os organizarmos melhor, aumentar a utilização de transportes públicos tornando-os mais rentáveis. Se possível evitando aumento da carga fiscal de fontes de energia renovável.
-       O aumento do Imposto Sobre o Tabaco também me pareceu ser o menor dos males. Receita de 332 milhões.
Com 131 milhões para cortar decidi olhar novamente para a Agricultura, Mar, Ambiente e Ordenamento do Território. Não deverá ser difícil, com um orçamento de 1,7kM de euros cortar 131M.

Assim consegui o OE2013 sem défice. Claro que, do ponto de vista ideológico podemos discutir detalhes do como e aceito qualquer alternativa que com menos impostos consiga défice nulo. 
Infelizmente enquanto não tivermos superavit ou taxas de crescimento que financiem défices, a dívida cresce! 

Como povo é esse o legado que queremos deixar aos nossos filhos?


Duas pequenas notas:
1. As limitações do simulador não me deram a liberdade de fazer o OE como o queria, daí as condicionantes iniciais por mim impostas.
2. Mas claro que este simulador tem limitações... é um simulador. No entanto há limitações que foram autoimpostas pelos autores, a consultora Deloitte, e que fazem pouco sentido num exercício como este.
Por exemplo, o simulador apenas permite alterar 77% das receitas gerais do Estado. Percebe-se esta limitação para o simplificar e tornar utilizável por leigos. Já se percebe menos a limitação a uma variação máxima de 24% (receitas) e 19%(despesas) face ao OE proposto pelo governo.
Uma outra limitação decorre do limiar virtual do défice decorrente do valor do OE 2013 proposto pelo Governo. O objectivo é ficar abaixo do Governo – ou um défice inferior a 7.185M€. A coluna objectivo fica mesmo verde para qualquer valor inferior a esse. Os autores do simulador consideram, por hipótese, que qualquer défice inferior ao do Governo é bom. Nisso discordamos. Teria sido mais interessante um código mais gradual de cores – redução de 50% laranja; 75% amarelo, acima dos 100% (superavite) verde e efetivo ataque à dívida.

Nenhuma destas limitações, na minha opinião, desvaloriza o esforço ou o próprio simulador. São apenas críticas construtivas.

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Caríssimo Rodrigo Moita de Deus,

Mesmo correndo o risco de me tornar na nova Ulrich ou Jonet (apesar do meu apelido ser absolutamente luso), não posso deixar de comentar o vídeo que pretensamente iríamos mostrar aos alemães.
1) É verdade que reduzimos significativamente o analfabetismo. Mas substituimo-lo, em grande parte, pela iliteracia. Pessoalmente, não vejo o grande ganho de balbuciar palavras sem lhes apreender o sentido, mas isso sou eu.
2) Erradicámos os bairros de lata?! Erradicar, sinónimo de desarraigar, significa arrancar pela raiz, destruir radicalmente, extinguir. Aconselho-o a ir ler o dicionário e/ou dar uma voltinha ali pelas bandas da Cova da Moura (a menos que não a considere um bairro de lata dada a presença de tijolos).
3) Aos alemães pouco interessa quanto das nossas importações provêm do país deles; o que lhes é relevante é o peso de Portugal nas suas exportações. Eu não tenho dados numéricos, mas suponho que, no comércio externo deles, seremos... [ai, como é que se diz?...] insignificantes!
4) Quanto ao facto de trabalharmos muito ou pouco, permita-me que sugira que o relevante não é a duração da semana de trabalho, o número de feriados, a idade de reforma ou os dias de férias. O importante é o modo como se trabalha. E nós trabalhamos mal. Alguns por preguiça e laxismo. Porque acham que os empregos servem para ter um telefone de onde se podem fazer chamadas que não se terão de pagar ou que o expediente são horas para estar no Facebook e na internet em geral. Outros por incompetência e falta de sofisticação mental. O carteiro que anda a ziguezaguear, distribuindo a correspondência nos números pares e ímpares alternadamente, não é preguiçoso, simplesmente ainda não descortinou a forma mais eficiente de executar o seu trabalho. O mesmo se aplica ao operário da construção civil que varre contra o vento.
5) A Alemanha foi a primeira a violar as regras de disciplina orçamental concernentes ao défice, é certo. Mas o défice orçamental alemão não era estrutural, antes decorria de um processo de reunificação que obrigou a fazer transferências para a ex-RDA num montante de cerca do PIB português. Contrariamente, os países da Europa do Sul são tradicionalmente indisciplinados. O que está na origem do PEC, imposição dos próprios alemães, que, abdicando de uma moeda forte e traumatizados pelo período hiperinflacionista do pós-Primeira Guerra Mundial, não estavam dispostos a partilhar a mesma unidade monetária com quem tinha grande probabilidade de exercer pressões no sentido da monetarização dos défices orçamentais sem uma garantia (?) de razoável comportamento. Além disso, parece-me muito mal, por princípio, desculpar erros próprios com os alheios.
6) O muro de Berlim caiu em 1989, é uma verdade histórica. Mas, para lá do muro, estava uma economia devastada, onde a iniciativa privada era inexistente. Uma economia que havia sido dirigida pelo mesmo tipo de pensamento que agora nos diz que é possível evitar a austeridade. Obviamente, há sempre alternativas (aparentemente, para a morte é que ainda não encontraram e, mesmo assim, uns estão mais mortos que outros). Na Europa de Leste, existia uma alternativa à economia de mercado, de facto. Tudo depende daquilo que se está disposto a aceitar em troca.

sexta-feira, 9 de novembro de 2012

A liberalizaçao das drogas: Efeitos estáticos, dinamicos, e incertezas



Em relacao ao debate acerca da liberalizaçao das drogas, eu gostaria de adicionar que existem tres perspectivas económicas. Julgo ser impossivel ver a liberalizaçao das drogas como uma estratégia de desenvolvimento, uma vez que a maioria destas tem um impacto negativo na produtividade laboral e ninguém espera que a industria das drogas livres crie muitos empregos. Todavia, pode ser que a liberdade de escolha tenha efeito positivos no bem-estar das pessoas e isso vale a pena analizar.

Eu diria que a perspectiva já discutida é uma visao válida e que foi iniciada há já algumas décadas por Milton Friedman. Actualmente, o professor Jeffrey Miron (de Harvard e Boston University) tem escrito vários estudos e até um livro, donde defende que os EUA poderiam poupar imenso dinheiro com a descriminalizaçao das drogas, poupando em forças policiais, gastos com prisioneiros, e talvez até em gastos de saúde.


Portugal e outros países europeus teriam provavelmente menos beneficios que os sugeridos por Friedman e Miron, uma vez que sao menos duros com os consumidores e existem muito menos prisioneiros associados ao consumo de drogas que nos EUA.

Todavia, a análise de Friedman e Miron ignora externalidades negativas que as drogas tem nos familiares dos utilizadores e na sociedade em geral. Assim, uma segunda perspectiva estudaria o efeito das externalidades negativas das drogas, ademais dos seus efeitos sobre os consumidores e receitas fiscais. A questao é que nós vivemos como famílias e nao só como individuos. O consumo de droga tem um impacto negativo sobre os conjuges, pais, ou filhos dos utilizadores. Outra externalidade negativa é que nao é verdade que os consumidores paguem todos os danos de saúde causados pelas drogas. As sociedades modernas tem todas saúde gratuita ou altamente subsidiada, logo os gastos do estado com a saúde de consumidores de drogas pode ser enorme. Por exemplo, estima-se que nos EUA os sem-abrigo (toxicodependentes ou nao) gastam ao redor de 100,000 dólares por ano do Governo em custos de saúde. Julgo, todavia, que alguns estudos apontam que os efeitos de saúde e de adiçao da maioria das drogas (retirando talvez a heroína e o crack) sao relativamente moderados, logo talvez o custo de saúde das drogas possa ser inferior ao custo dos sem-abrigos.

A liberalizacao mesmo assim poderia ser eficiente se fosse possivel aos familiares prejudicados pagar aos interessados em drogas para nao as consumir. Mas na prática nao existe um contrato que torne isto possivel, dado que os utilizadores de drogas sabem que os familiares sao generosos e dariam-lhe dinheiro outra vez mesmo que violasse o acordo. No caso desta externalidade existir faz sentido restringir o consumo de drogas. Também faz sentido restringir o acesso a drogas caso estas criem vicios e os individuos tenham falta de controle sobre si mesmos (Becker e Murphy, 1991). Mesmo assim, ainda fica a pergunta de qual é a melhor forma de restriçao, uma proibiçao policial ou um imposto muito alto sobre a produçao? Becker e Murphy (2005) concluem que um imposto alto é uma politica mais eficiente e com menos custos que a proibiçao policial, desde que a procura pelo produto seja pouco elástica. Isto porque se a procura é inelástica a proibiçao nao consegue reduzir o consumo, apenas aumentar os gastos policiais.


Agora existe um problema nestes estudos. Nós nao sabemos qual a elasticidade da procura de drogas. Dada a falta de dados é impossivel saber se haveria ou nao muitos consumidores de drogas a aparecerem, caso liberalizássemos as drogas e os preços de compra fossem reduzidos. Por isso, dois professores meus, Charles Manski e John Pepper (2001, 2003), escreveram um relatório dizendo que os dados nos EUA nao permitem dizer se é melhor proibir ou liberalizar as drogas:


É de assinalar que Manski é considerado um dos grandes génios da estatística mundial nos ultimos 100 anos, um gigante entre gigantes, alguém que provou estar 10 anos à frente de todos em pelo menos tres temas diferentes. Manski e Pepper argumentam ademais que além de desconhecermos a elasticidade de preco-procura das drogas, também nao conhecemos a elasticidade social da procura de droga (ou seja, quanto aumentaria o consumo de droga por vermos que os nossos amigos e vizinhos consomem drogas). No caso da elasticidade social ser alta existiria o risco do mundo se tornar uma sociedade de puros toxicodependentes. Dado que o custo de produzir drogas é baixo e o prazer cerebral destas é elevado este é um risco bem real. O relatório de Manski e Pepper conclui assim que o melhor que se pode dizer duma política de liberalizaçao das drogas é que desconhecemos os seus efeitos!

Além disso, falta uma terceira perspectiva sobre o impacto das drogas, os seus efeitos dinamicos, ou seja qual o seu impacto nas geracoes futuras.


O Professor James Heckman (Nobel de Economia) e vários dos seus co-autores estimam que as crianças sao menos apoiadas pelos pais do que seria eficiente. Isto acontece porque os pais das crianças sao muitas vezes preguiçosos e os mercados financeiros nao permitem às crianças pedir dinheiro emprestado e dizer aos pais “Pais, recebam este dinheiro e invistam mais tempo na minha aprendizagem. Eu vou pagar mais tarde quando for adulto e tenha um emprego com salário alto.” Assim, pais negligentes nao apoiam tanto as crianças no seu desenvolvimento. Isto é ainda pior quando temos em conta que uma parte fulcral do desenvolvimento da criança ocorre antes dos tres anos de idade e por isso as falhas dos pais nao podem ser compensadas por melhores infantários e escolas públicas. O custo das crianças nao poderem pedir emprestado para pagar “melhores pais” é elevadissimo. Heckman estima certamente que este problema vale varios pontos percentuais do PIB per capita americano.

Esta terceira perspectiva coloca em relevo outro problema das drogas, os efeitos nas geraçoes futuras. Reparem que mesmo que as drogas tenham pouco impacto na saúde dos consumidores e nos adultos em geral pode muito bem acontecer que a qualidade da aprendizagem das crianças baixe muito por terem pais, educadores de infancia, e professores que consomem drogas. Estes efeitos podem muito bem ser poderosos e nao seriam reversiveis! Se daqui a 10 ou 20 anos vissemos os efeitos negativos das drogas na aprendizagem da próxima geraçao, nenhum programa educativo ou todo o dinheiro do mundo iria corrigir isso.

Dadas estas duas perspectivas adicionais eu diria que sou conservador e nao apoiaria a liberalizaçao das drogas. O impacto da política é demasiado incerto, como apontam Manski e Pepper. E ademais como aponta Heckman a política poderia ter efeitos irreversiveis nas geraçoes futuras! Dada a incerteza, a minha perspectiva subjetiva é que se deveria estudar o caso de cada droga individual e decidir a sua liberalizaçao ou nao com cuidado. Mas claro os estudos económicos sao pouco claros e por isso existe margem para defensores e opositores da liberalizaçao das drogas apresentarem mais dados e melhores estudos.


Carlos Madeira
Economista do Banco Central do Chile
O artigo reflecta meramente a opiniao pessoal do seu autor.