quarta-feira, 7 de novembro de 2012

O bom senso e a gestão das expectativas

Embora mais conhecida como a ciência do dinheiro, dos mercados e das previsões, a economia é essencialmente a ciência social que estuda como recursos escassos podem ser utilizados num determinado período de tempo. Da simplicidade da sua designação, a economia tornou-se cada vez mais complexa devido aos inúmeros campos de actuação: das finanças à agricultura, dos comportamentos sociais à neuroeconomia ou mesmo da indústria à gestão pública.
Com o objectivo de compreender a realidade das sociedades contemporâneas e como resposta à complexidade das matérias analisadas, tem havido uma gradual aproximação da economia a outras ciências. Algumas dessas aproximações originaram até Prémios Nobel para economistas que recorreram à psicologia, à filosofia e à neurologia.

Uma das mais interessantes áreas de estudo da economia está relacionada com as expectativas como conceito dinâmico e cada vez mais influente nas decisões de consumo, investimento ou poupança. Por exemplo, se alguém suspeita que os preços subam amanhã, é natural que antecipe a sua decisão de consumo para o dia de hoje. Mas se, por outro lado, essa mesma pessoa prever que no próximo ano a actividade económica tenha um comportamento recessivo, provavelmente vai optar por não investir agora com receios do futuro.
Sendo mais concreto, no que diz respeito às sucessivas medidas de austeridade anunciadas pelo Governo Português, é previsível que as expectativas dos agentes se retraiam porque têm menos rendimento disponível, o que origina diminuição do consumo e menor investimento. Com isso, teremos certamente uma contração da economia.
Mas o maior problema na gestão das expectativas de uma sociedade (ainda maior do que os orçamentos recessivos) são as declarações contraditórias e o discurso político incoerente. Por exemplo, quando um governante afirma que é possível aliviar as medidas de austeridade num dia e passada uma semana apresenta medidas adicionais de contenção orçamental, gera-se uma crise adicional de desconfiança. O mesmo se passa quando são anunciados cortes de subsídios e exactamente no mesmo momento se afirma que essa medida ainda poderá ser alterada!

A retoma económica necessita de políticas internas correctas e de um quadro internacional favorável. Mas não pode haver ambiguidade no discurso nem nas medidas anunciadas sob pena da recuperação ser mais demorada e penosa.
Dizer que estamos falidos hoje e afirmar o contrário amanhã, para além de ser um discurso falacioso, defrauda as expectativas dos agentes e afecta a confiança, factor imprescindível para a recuperação económica. Ou seja, para sermos um país mais eficiente necessitamos de boas políticas aliadas a um discurso coerente, verdadeiro e de bom senso!


Nuno Vaz da Silva
Economista 


Artigo publicado na edição de 07/11/2012 do Jornal "Alto Alentejo"



3 comentários:

Paulo Santos Monteiro disse...

Nuno,

excelente post! E já agora, acrescento que há cada vez mais evidência empírica que o clima de incerteza gerado por estes anúncios contraditórios sobre o rumo das políticas económicas contribui muito para a redução da actividade económica, pelos exactos motivos que descreves.

Nuno Vaz da Silva disse...

Obrigado Paulo.
Com a crescente informação e contra informação, a economia moderna passa cada vez mais pela politica anunciada e não apenas pelas politicas implementadas.
Aliás, boa parte da actual crise está intimamente relacionada com as declarações efectuadas por parte de um conjunto de elites politicas e respectivas interpretações dos agentes económicos avessos a um risco que existe mas que tem sido mal gerido...

Pedro Antunes disse...

Completamente de acordo Nuno. Uma das coisas que era interessante analisar, e nisso o sector empresarial é capaz de ter alguma informação relevante, é a velocidade e democratização da opinião! Hoje todos temos algo a dizer e conseguimos ser ouvidos, sem filtros, sem "review" que não dos comentários mais ou menos infantis!
Há várias empresas que criaram fóruns e blogs especificamente para manterem a discussão e crítica perto e aprenderem como a sua mensagem chega aos consumidores. O mesmo devia fazer um governo!