É sempre arriscado dar nomes a fenómenos sociais. As denominações podem não ser do agrado de todos e podem pecar por falta ou exagero. Ainda assim, assumo o risco de denominar a crise que desde 2008 tem vindo a evoluir no mundo ocidental, como a crise do excesso.
Desde a falência do Lehman Brothers em Setembro de 2008, vivemos em período de slow-crash. Primeiro vivemos a crise dos activos tóxicos e dos produtos financeiros complexos. Foram os excessos da intermediação financeira e a ambição excessiva dos gestores financeiros por obterem retornos acima da média que provocaram esta crise. Com a falência de bancos, começou a crise das expectativas. Os investidores ficaram com receio de perder os seus activos, o que criou ainda mais sobressalto nos mercados financeiros.
Estas duas crises iniciais (a não ser que incluamos também neste grupo a crise das empresas tecnológicas de 2002) foram agravadas pelo excesso de endividamento de alguns Estados. Para além da divida contraída por privados, que aumentou consideravelmente em diversos países, as dividas soberanas também atingiram níveis insustentáveis. Este crescimento galopante das dívidas públicas foi motivado pelos excessos de gastos em sectores não produtivos ou em sectores com retorno do investimento incerto e a muito longo prazo.
Não há volta a dar. Quando se gasta acima das possibilidades, em algum momento não será possível gastar mais. Isso acontece com as famílias, com as empresas e com os Estados. Ninguém sabe bem qual o limite ao endividamento e por isso, nunca foram definidos montantes máximos. Mas a dívida não pode continuar a ser um saco sem fundo.
Nestes anos foram cometidos muitos excessos e não acredito que possa ficar tudo na mesma. Temos de adaptar o nosso modelo de consumo e de rendimento às reais disponibilidades da economia e, essa adaptação deve começar pelos próprios Governos.
Os excessos têm sempre um retorno negativo, seja na saúde, na vida ou no orçamento. Mas nesta sucessão de excessos, ninguém sabe o que irá acontecer, até porque, parece que o castelo de cartas ainda não terá desabado totalmente…
6 comentários:
Nuno, não falta aí referir (com todas as letras) o excesso que houve e continua a haver nos gastos com o chamado "Estado Social"?
Nomeadamente e mormente, aquilo que durante muito tempo se chamou em Portugal de "direitos adquiridos" e que agora quando se fala em mudar isso, os seus defensores acenam com o chavão de não quererem "retrocessos civilizacionais".
Refiro-me concretamente a reformas altas com cálculos que desafiam a matemática, abusos no subsídio de desemprego ou RSI, p.ex.. E infelizmente, pela Europa, com mais ou menos semelhanças, há muitos países com "estados sociais" completamente insustentáveis e excessivos.
Concordo totalmente. Confesso que considerei esses gastos no despesismo excessivo dos governos. De qualquer forma, é pertinente chamares a atenção para esse aspecto que justifica a necessidade de haver um novo modelo de desenvolvimento para os países com tais níveis de "protecção social". Eu também gosto que haja muita protecção social quando dela necessito mas alguém tem de a pagar e, tal como existe, não é sustentável! Não é fácil resolver esse problema mas a ralidade dos factos vai obrigar a que isso aconteça mais ano, menos ano... Veremos o que acontece nos próximos 2 ou 3 meses! Com a crise das dividas soberanas excessivas, os Estados têm de se adaptar às suas reais capacidades económicas e cada vez terão menos margem para gastar o que não têm (e alguns de gastar até o que sabem não conseguir pagar)!
Olá Nuno,
Um post muito interessante! Concordo absolutamente que os excessos da intermediação financeira e o excessivo endividamento dos consumidore norte americanos são dois elementos essenciais para comprender a crise actual. Não concordo no entanto com a conclusão de que os estado social não serve. Acho ao contrário, que terá sido a ausencia de social safety nets a excessiva desigualdade de rendimentos no EUA que terá criado condições propícias ao sobreendividamento das famílias americanas. Nos EUA os 10% das familias com rendimento mais elevado recebem 50% do rendimento nacional total! Esta hipótese é defendidada por Raghuram G. Rajan (professor na escola de Chicago e portanto insuspeito de ser um anti-liberal). Aqui segue uma breve synopsis do seu muito recomendado livro “Fault Lines” (este é o link do livro http://press.princeton.edu/titles/9111.html):
“In Fault Lines, Rajan demonstrates how unequal access to education and health care in the United States puts us all in deeper financial peril, even as the economic choices of countries like Germany, Japan, and China place an undue burden on America to get its policies right. He outlines the hard choices we need to make to ensure a more stable world economy and restore lasting prosperity.”
“He traces the deepening fault lines in a world overly dependent on the indebted American consumer to power global economic growth and stave off global downturns. He exposes a system where America's growing inequality and thin social safety net create tremendous political pressure to encourage easy credit and keep job creation robust, no matter what the consequences to the economy's long-term health; and where the U.S. financial sector, with its skewed incentives, is the critical but unstable link between an overstimulated America and an underconsuming world.”
Abraço,
Paulo
Quando refiro excessos no Estado Social, como exemplifiquei, penso em reformas exageradamente altas ou os subsídios à preguiça.
Excluo portanto da análise a questão de reduzir o acesso à educação ou saúde.
Se bem que, e tomando de novo o caso português no caso da saúde há uma gritante situação de desigualdade. Temos dois SNS paralelos: o SNS para o povo e o SNS para os beneficiários da ADSE. Escusado será dizer, que pouco tem sido feito para minorar o peso do SNS-ADSE na despesa do Estado.
Quer eu quer o Nuno (julgo eu) não condenamos a existência de um Estado Social. Senão, porque carga de água pago tantos impostos. Agora, está matematicamente evidenciado, que o "Estado Social" que existe em Portugal bem como noutros países desenvolvidos está falido. Não tem sustentabilidade nenhuma. E a não ser que venha aí uma fabulosa descoberta que aumente em muito a produtividade dos países e/ou que as populações desatem a procriar que nem coelhos, são necessários cortes profundos na despesa do Estado Social.
E nada como acrescentar alguns exemplos de excessos na Grécia, p.ex.:
- Nos transportes ferroviários, vários colaboradores recebiam um subsídio para lavarem as mãos.
- Na companhia de electricidade, o pessoal da manutenção auferia mais por ter carta de condução.
- Cerca de sete mil funcionários públicos recebiam um prémio por carregarem envelopes.
http://economico.sapo.pt/noticias/as-regalias-da-grecia_124529.html
Sim, sou adepto de um determinado nivel de estado social com incentivos à eficiência na utilização dos recursos públicos. E sou também adepto de um Estado que promova os bens públicos na sociedade, o que não deve ser confundido como a desresponsabilização dos cidadãos face à utilização dos bens comuns!
Como adenda ao artigo e aos comentários, deixo aqui um link para um artigo publicado na Vanity Fair por Joseph Stiglitz que, não sendo politicamente correcto (o conteudo do artigo), me parece bastante pertinente ao criticar um excessivo liberalismo que tem prevalecido e prosperado nas sociedades ocidentais. Mais uma vez, a solução óptima não está nos outliers da politica (incluindo o liberalismo) mas sim no bom senso e na eficiência quanto à utilização dos recursos escassos (afinal, a Economia não é mais do que isso mesmo): http://www.vanityfair.com/society/features/2011/05/top-one-percent-201105
Enviar um comentário