Resolvi pedir emprestado este gráfico que encontrei hoje no Blog do Paul Krugman no NYT. Achei o gráfico muito interessante porque, na minha opinião, revela pistas sobre quais os motivos pelos quais os GIPSI (acrónimo para Grécia, Irlanda, Portugal , Espanha e Itália muito mais simpático e elegante de que o alternativo PIIGS ) enfrentam uma crise de dívida soberana. O gráfico ilustra a carga fiscal, medida em termos de receita fiscal em percentagem do PIB, em diferentes países da OCDE. E o que me chamou a atenção foi que todos os GIPSI excepto a Itália (e portanto os GIPS) tém cargas fiscais muito inferiores ao dos restantes países da União Europeia. Isto das duas uma, ou implica que nos GIPS o PIB é mais elevado que nos restantes países da UE, ou implica que a receita fiscal é mais reduzida. Acho que é obvio que a resposta correcta é a segunda opção...
E isto então suscita uma questão muito importante! Porque é que os países com uma carga fiscal mais reduzida são justamente os países vítimas desta crise da dívida. A priori, isto parece contraintuitivo dado que uma menor carga fiscal implica que existe mais margem de manobra para aumentar a receita fiscal e portanto suportar a dívida. Porque é que a interpretação dos mercados é a oposta? Por exemplo, penalizando os GIPS mas poupando a Italia e a Bélgica (dois países da UE com uma divida pública superior a 100% do PIB, um com um governo semicriminoso e o outro sem governo há quase um ano...)?
A única solução para este quebra-cabeças é que os GIPS possuem uma carga fiscal baixa não por opção mas porque não conseguem sustentar uma carga fiscal igual à dos outros países da UE. Quais os motivos desta menor capacidade da máquina fiscal? Não sei... mas suspeito que factores como a evasão fiscal, o elevado número de empresas pouco produtivas e portanto com lucros negativos e (no caso da Irlanda) um modelo de crescimento baseado no princípio da “race to the bottom” em termos de carga fiscal, poderão contribuir para uma explicação...
Paulo S. Monteiro
smont.paulo@gmail.com (comentários bem vindos)
17 comentários:
Sobre estes dados, vou colocar so umas quantas questoes numa linguagem simples. Se uma pessoa nos pedir 40000 Eur por um Fiat, julgo consensual que todos achem demasiado. Mas se for 40000 Eur por um Ferrari, entao e' um optimo preco, correcto? Isto tudo para dizer que a relacao impostos pagos vs servico prestado em Portugal e' bem diferente do que acontece na Alemanha ou Paises Baixos, ja para nao falar dos Escandinavos. Falar numa carga fiscal baixa em Portugal so pode ser piada. Uma piada de muito mau gosto, diga-se de passagem. Insinuar que as causas da crise da divida portuguesa estao numa carga fiscal que ate e' superior 'a da Suica e' um argumento que......
José,
Mas se não se trata de comprar um Fiat ou um Ferrari mas sim pagar a hipoteca da casa (que instinto despesista...) Para mais, eu referia-me aos países da UE, nada que ver com os Ferraris dos Suiços... O objectivo do artigo era só apontar a coincidência que os países que estão envolvidos na crise da dívida soberana na UE são exatamente os países onde a carga fiscal é mais reduzida. Isto é à partida contraintuitivo, porque sugere que os GIPS teriam mais margem de manobra. O próximo passo numa análise séria, seria tentar perceber quais os motivos que explicam a incapacidade dos GIPS aumentarem a receita fiscal? É possível que os GIPS sejam economias frágeis que não conseguem aguentar um aumento da carga fiscal até aos 45% do PIB (valores comparáveis aos da Bélgica e Itália); mas esta explicação é parcial e parece-me muito incompleta.
Bem, a minha metafora (do preco do automovel) nao foi compreendida da forma que queria. O meu ponto e' que para a qualidade de servico que o Estado presta aos cidadaos portugueses, a tributacao e' elevadissima. Pela carga fiscal que suporto, era expectavel que tivesse um Estado tao bomo como o Suico. Mas ao inves tenho algo semelhante 'a Romenia.
Por isso, dizer que Portugal tem uma carga fiscal baixa (quando a mesma e' superior 'a do Canada ou Suica) para mim e' desonestidade intelectual, justificada por um desejo de acrescentar dados a uma teoria absurda de que a melhor maneira para suportar uma divida e' aumentar impostos.
Lembrei-me agora de uma metafora que tu percebes Paulo. Imagina que te pedem 50 eur por 10 jogos numa lateral do estadio da luz para veres o Benfas. Ou os mesmos 50 eur para um bilhete de epoca na bancada central do estadio de Sobral de Monte Agraco. Qual dos dois escolherias? E qual deles tem o preco mais barato?
Já repararam no nivel de carga fiscal dos EUA?
Ok, os Estados Unidos não têm o mesmo tipo de "protecção social" dos países europeus mas, se o dinheiro não nos chega para tudo, talvez devamos começar a pensar tanto na possibilidade de aumento de receitas como na potencialidade de redução de custos. Afinal de contas, o equilibrio consegue-se tanto de uma como de outra forma.
Para além disso, será preferível ter muitos serviços públicos e de pouca qualidade ou poucos e de alta reputação?
ps: Mas não esqueçamos que a redução de serviços não implica uma melhoria da eficiência, pelo que estamos a falar de assuntos delicados e com um alto grau de incerteza na "evolução"
se googlarem "general government receipts share of gdp" deve surgir como primeira pagina uma do eurostat. na figura 4 vemos os valores para receita e despesa dos paises da EU-27 para 2009. Assim e' mais facil a analise.
Olá Nuno!
Concordo inteiramente que é necessário considerar ajustamentos de ambos os lados: despesa e receita. Mas o objectivo principal do meu post é outro. Eu pretendia debater o motivo pelo qual os GIPS tem menor margem de manobra, apesar da carga fiscal ser inferior ao dos restantes países da zona euro. Isto implica que há problemas graves com a capacidade de execução fiscal nos GIPS...
José: desculpa ter usado dados empíricos para suportar a minha teoria absurda. Isto é claramente uma desonestidade intelectual. É muito mais honesto não usar dados para suportar a teoria...
Caro Paulo, tu consegues suportar toda essa teoria com base nos dados para um ano da arrecadacao de impostos em funcao do PIB. Nem e' preciso tomar em linha de conta o nivel de desenvolvimento de cada pais, o tipo de "Estado Social" que existe em cada pais, a qualidade dos servicos prestados por cada Estado, os defices orcamentais, etc.
Eu nao consigo essa proeza. Talvez por pensar que la pelos varios paises terem uma moeda unica, nao tenham de ter necessariamente a mesma carga fiscal porque.......sao paises diferentes e com caracteristicas diferentes. Do pouco que me lembro de economia, nao se deve comparar situacoes que nao sao comparaveis. Mas pode ser que se comece a falar mais ai pelo circulo da analise economica que o problema da divida Grega, Portuguesa e Irlandesa foi causado por graves problemas de execucao fiscal.
A historia do almocreve e o seu burro:
http://www.sedes.pt/blog/?p=3425
Paulo,
Em primeiro lugar convém separar os PIIGS (que é mesmo o que são...) entre si. A Irlanda é um país com o IRS mais baixo da UE (tem dado alguma polémica), o que explica o lugar que ocupa na tabela.
Em Portugal o caso é outro. Não me parece possível subir muito mais os impostos no nosso país. Ainda hoje fiz o IRS e levo em cima com uma taxa de 33,5% mais o que desconto para a Segurança Social. Tudo junto, aprox. 45% do que ganho voa para o estado. Até dia 13/14 de cada mês trabalho para sustentar serviços públicos que muitas vezes não utilizo.
Portugal tem tantos sitios por onde agarrar que bem pode deixar o aumento da carga fiscal para outras calendas:
- Tal como disseste, elevada evasão fiscais e baixa prdutividade. Mais, baixa eficiência na utilização das receitas (3 auto-estradas para o Porto?, aeroporto de Beja? etc etc etc);
- Estado Social gigante (temos de partir para de vez paro principio do utilizador pagador com maior carga nos que mais ganham. Queres andar de transportes e ganhas bem? Paga. Queres hospitais públicos de qualidade e ganhas bem? Paga)
-Travagem a fundo nos custos do Estado (reduções salarial e possibilidade de despedimentos na função pública pois claro. Como sabem contra mim falo);
-reforma TOTAL na justiça (um dos nossos grandes problemas...a justiça não funciona! Ninguém investe num país onde a justiça não funciona)
- etc etc etc....já nem sei por onde continuar.
Aumente-se a eficiência da máquina do Estado, e pouparemos a já esmagada classe média de maiores cargas fiscais. Sejamos sérios de uma vez por todas...
Quando falei do IRS da Irlanda, queria obviamente dizer IRC
Olá João,
concordo contigo, no sentido em que penso que o problema está relacionado sobretudo com a fraca execução fiscal. No entanto, é útil ter uma perspectiva mais global do perfil fiscal de diferentes países, e este post num blog de economistas canadienses oferece uma comparação dos perfis fiscais de diferentes países da OCDE:
http://worthwhile.typepad.com/worthwhile_canadian_initi/2011/04/compass.html#more
A impressão que tenho é que se considerarmos as duas principais componentes fiscais, o IVA e o imposto sobre o rendimento do trabalho, Portugal é um país onde o perfil fiscal não é nem ligeiro nem pesado. Ao seja, parece que temos o perfil fiscal médio. Se em vez considerarmos só os países da zona euro, temos um perfil fiscal relativamente ligeiro.
Em relação ao esforço de consolidação fiscal, que inevitávelmente terá que ocorrer, penso que é claro que serão necessários ajustamentos tanto do lado da despesa como do lado da receita.
E repara, que o principio do utilizador/pagador, que tu referes, é um ajustamento do lado da receita... talvez necessitaremos portagens mais elevadas nas autoestradas... É claro que sim!
O link do artigo canadiano tem dados muito desactualizados.
Se observarmos os dados desse link relativamente ao IVA, observa-se que Dinamarca, Suecia e Noruega tem taxas de iva de aproximadamente 25%, a Finlandia 22%, ao passo que Portugal esta nos 20%.
E' uma seca, mas a economia e' dinamica, pelo que na realidade, actualmente Portugal tem uma taxa de iva de 23% (e com expectativa para aumentar), mantendo a Dinamarca, Suecia e Noruega os 25% e a Finlandia esta nos 23%.
Posto isto, aquele grafico so tem interesse na perspectiva de analise historica da economia, porque o mesmo nao corresponde 'a realidade.
A taxa de IVA de Espanha e' de 18%. Faltou referir este dado nao despiciendo para a analise.
José,
Lamento, mas acho que ainda não percebes-te o significado do meu post. Referes que a Espanha tém um taxa de IVA baixa (no entanto, repara que também na Espanha o IVA aumentou dado que antes de Julho de 2010 a taxa principal era de 16%). Mas a Espanha é um dos GIPS (ao seja é um dos países cuja dívida soberana é considerada de risco). Isto para mim é um "puzzle", porque seria de esperar que países em que a carga fiscal é mais baixa, deveriam merecer mais confiança por parte do mercados. Em vez, parece que não. Eu gostaria de decutir quais são os motivos para esta aparente falta de margem de manobra para aumentar a receita fiscal.
Cumprimentos cordiais,
Paulo
Eu acho que percebo muito bem o significado do teu post. Não percebo são os dados que usas para o defender.
Eu não disse que Espanha tem uma taxa de IVA baixa. Apenas quis apontar a diferença de 5% que existe em países vizinhos e onde existe livre circulação de bens e serviços.
Conseguir determinar o "tax tipping point", para cada país, no que se refere ao IVA é algo bem complexo.
O argumento de que seria de esperar que "países em que a carga fiscal é mais baixa, deveriam merecer mais confiança por parte do mercados", leva-me a pensar o que levará países como Montenegro ou a Bosnia Herzegovina a terem taxas de IVA inferiores a 18%. Com taxas assim, seria de esperar uma grande confiança dos mercados em países como estes não era??
Atentamente, José
Pondo a questão em termos leigos, imagina dois agricultores. Um vende 200kg de laranjas e tem de pagar o equivalente a 50kg em imposto (ou seja, 25%). Ao passo que o outro vende 100kg de laranjas e tem de pagar o equivalente a 23kg em imposto (ou seja 23%). Será que é o que paga "só" 23% de imposto que fica melhor???
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