As greves gerais são fenómenos ricos em peripécias e em factores de destaque. Podemos pegar nas greves e falar nos números, nos objectivos, nos resultados. Mas também podemos ter uma visão menos centrada, olhar em redor, e fazer uma análise da própria sociedade. Esta greve não foi diferente a tantas outras e aqui ficam 3 exemplos:
1- Logo de manhã cedo o fenómeno da greve começou a ser explorado pelos meios de comunicação social. Numa reportagem em directo à porta da “Vimeca”, uma jornalista de TV mostrava-se ansiosa pela carga policial (que não ocorreu) para permitir a saída de autocarros em cumprimento dos serviços mínimos decretados pelo tribunal arbitral. Neste episódio, constatamos dois assuntos dignos de registo: 1- o jornalismo nem sempre é isento e procura acima de tudo as polémicas, colocando-se ao lado dos cidadãos, ainda que não tenham razão nos seus motivos (não dando espaço para o exercício do contraditório); 2- os piquetes de greve não perceberam que o direito à greve é tão legítimo como o direito a trabalhar e, para além disso, os serviços mínimos decretados por tribunal têm de ser cumpridos e sobretudo respeitados!
2- À hora de almoço, passou na Av. 5 de Outubro uma comitiva do Bloco de Esquerda, encabeçada pelo seu líder. Eram não mais de 20 elementos que se faziam ouvir através de um tambor, alguns apitos e muitos gritos ou cânticos no limiar do insulto a quem decidiu exercer o direito a trabalhar. Entraram em supermercados, traziam bandeiras e coletes e mostravam-se bastante sorridentes. Para controlar ou para proteger esta comitiva, estavam patrulhados por cerca de 10 elementos da PSP, incluindo agentes de moto e de automóvel, num incrível rácio de protecção policia/cidadão de ½. (Assim compreende-se que o BE se queixe repetidamente de policias a mais ou de excesso de autoridade!)
3- À noite, as reportagens de TV davam grandes planos da “carga policial na Assembleia da República”. Poucos jornalistas falaram no derrube de barreiras e na prevaricação de sujeitos que colocaram em causa a ordem pública e desobedeceram a ordens das forças de segurança. Dizia-se que era uma manifestação dos indignados. Mas indignados contra o quê? Se é contra o estado de direito e contra o respeito pelas instituições, eu reservo o direito de estar indignado contra os indignados!
Não sou um economista purista contra as greves nem contra a oportunidade das mesmas. O país está mal mas há vários policy mix que podiam ser utilizados em detrimento deste (e eventualmente até mais justos). Também não sou um ortodoxo das greves como único caminho à mudança de mentalidades e à alteração de procedimentos políticos. As greves devem existir mas os direitos de quem não quer fazer greve devem também ser respeitados!
Temos uma longa aprendizagem pela frente em matéria de conhecimento dos direitos mas também dos deveres de todos! O Governo deve dar o benefício da dúvida a quem protesta e quem faz greve tem de compreender a conjuntura, deve apresentar propostas, sugerir alternativas, ao fim de contas, ser proactivo.
Conhecer a vida real nunca fez mal a ninguém, assim como tentar perceber os mecanismos que estão por detrás das decisões políticas. Não há muitas pessoas no país em tentar compreender os dois lados e a fazer pontes. O bom senso não abunda na sociedade. Ouvimos falar em direitos adquiridos de um lado e na força dos mercados do outro. Mas poucos se lembram que no centro poderá estar a perspectiva correcta de um país mais equilibrado e de uma sociedade mais desenvolvida. Ninguém quer abdicar dos direitos mas a verdade é que desde o 25 de Abril já passaram 37 anos e o Mundo evoluiu. Por outro lado, o capitalismo selvagem também já demonstrou ser insustentável e os mercados não são o Eldorado!
Necessitamos de uma nova ordem económica que seja equilibrada entre os direitos e os deveres das pessoas, e que, ao mesmo tempo, consiga ser razoável para a sustentabilidade económica da sociedade. Um acordo desses é difícil de alcançar mas mais difícil parece ser a consciencialização dos agentes políticos, empresariais e sindicais para a necessidade de cedências, entendimentos e compromissos que mudem o cenário a que estamos infelizmente habituados em Portugal.
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