terça-feira, 28 de agosto de 2012

RTP - o case study das movimentações politicas



O “caso” RTP é um excelente case study de análise politica às movimentações dos diversos actores envolvidos no caso.
O Governo, consciente do mediatismo do tema e da situação enfraquecida do Ministro que tutela a área, permite que um reconhecido consultor apresente a solução para o canal público, lançando a discussão sobre o tema! Esta solução foi apresentada num canal da concorrência em período de férias, antes dos discursos de reentré das Universidades de Verão e num período de ausência do Ministro da tutela, em véspera de viagem transatlântica a Timor.

A oposição apressou-se a radicalizar o tema: O líder do PS afirmou que, se o actual Governo concessionasse o canal público, voltaria a colocar tudo como agora  assim que fosse eleito líder do executivo. O PCP e Bloco de Esquerda vieram a público denunciar uma suposta “negociata” que delapidaria os bens públicos.
Os sindicatos, mostraram-se contra a concessão, assim como a Administração da RTP e até o ex-presidente da república Mário Soares manifestou a sua oposição.
Estas movimentações dão nota de um Governo que decidiu “apalpar” o terreno sem grandes efeitos negativos para a sua própria imagem. O mais criticado neste pré-anuncio foi o consultor António Borges mas não o Primeiro Ministro nem o ministro da tutela. Já a oposição fez o que lhe competia mas com alguma demagogia, senão teria sido mais prudente ao pedir contas, avaliar alternativas e apresentar propostas. Dizer que voltará a colocar tudo como estava sem saber quanto isso custaria pode inclusive ser uma prova de indiferença e má gestão quanto aos custos, benefícios ou estratégia da medida. Quanto aos sindicatos, não há muita coisa a dizer…cumpriram o seu papel histórico!

A posição mais estranha foi da Administração da RTP. Claro que se o canal público for concessionado ou mesmo privatizado, os actuais cargos de administração estarão em risco. Mas se os gestores executivos são nomeados pelo Governo segundo critérios de meritocracia e de confiança politica, como justificar a oposição a esta eventual concessão?

A meu ver podem existir duas justificações:

  1. A Administração da RTP já sabe que este não será o caminho seguido pelo Governo, o que lhe dá carta branca para a critica
  2. A Administração da RTP já pouco tem a ganhar ou a perder porque o seu mandato está prestes a terminar


A RTP deve ser repensada em função de uma estratégia de gestão equilibrada dos activos do Estado. Pode haver motivos para ser privatizada, concessionada, encerrada ou reestruturada mas as decisões têm de ser reflexo de análises custo-beneficio isentas e sem a influencia de lobys ou interesses alheios. Se for importante ter um meio de comunicação do próprio Estado, então que esse seja um coeficiente que pese na análise a efectuar. Mas não sejamos dogmáticos quanto a uma decisão de cariz empresarial num país que já privatizou a energia, concessionou hospitais e redes viárias e continua a necessitar de dinheiro para pagar as dividas.
Afirmar que não se concessiona ou que não se privatiza só para ser do contra, é uma irresponsabilidade moral para os portugueses que durante tantos anos suportaram salários milionários e a gestão deficitária nos canais públicos!


31 comentários:

José Lapalice disse...

A minha opinião sobre todo este "caso" RTP é bastante simples. No mesmo dia a terem saído a público os resultados da execução fiscal do 1º semestre, com um buraco nas "previsões" de 3000ME, vem a público um consultor lançar a bomba da concessão da RTP1 e extinção da RTP2.
Nisto da política não há coincidências e a realidade é que se fala mais nesta ideia (que nem se sabe bem o que querem fazer mesmo) estapafúrdia para a TV pública, do que sobre a enorme queda das receitas fiscais. Logo, parabéns ao consultor por ter feito tão bem o seu papel nesta pantomima da RTP pois atingiu os objectivos propostos. Distrair o povo do essencial.

Nuno Vaz da Silva disse...

Concordo, optimo timming do executivo, a oposição apanhou a corda e embalou numa critica disparatada. Como escrevi, o que mais estranhei foi a reacção da Administração da RTP.
Mas esta discussão sobre a concessão do serviço público é interessante! Hoje publicarei novo artigo sobre o tema e vamos descobrir quem é que realmente concessionou a RTP, em que termos e se estes estão ou não a ser cumpridos. Mas prometo não falar nas questões financeira e fiscal porque essas dariam pano para mangas!!

Pedro Antunes disse...

Qualquer decisão vai ter influência de lobbys e interesses. Isto é um facto e nem deve ser visto como positivo ou negativo. O problema é continuarmos a olhar para a RTP como um activo do Estado, quando realmente é um passivo! O verdadeiro activo é a frequência de emissão.

A RTP devia ser privatizada, ponto final. O serviço público devia ser leiloado com base numa definição clara do que é serviço público. Vencedor via preço mais baixo.

Se o Borges estava ou não combinado com o Governo nem me interessa. Nada disso altera qual a melhor solução para a RTP...

Três notas:
- A queda das receitas fiscais são um problema, mas o que é facto é que o Governo anda a conseguir fazer o que dele depende. Podia fazer melhor? Sim.
- A energia foi bem privatizada, bem como muitos outros serviços anteriormente considerados estratégicos (telecoms por exemplo). As concessões na saúde são, antes de tudo, um óptimo negócio para o Estado. Se todo o SNS fosse concessionado o Estado já teria reduzido largamente a sua despesa pública na saúde. O mesmo se passaria com as escolas, bombeiros, etc.
- Se a administração da RTP fosse cordata tinha apresentado a demissão após aquela declaração.

Jose Lapalice disse...

Dizer que o Governo anda a conseguir fazer o que dele depende é um over-statement. E as receitas fiscais cairam porque o governo não fez o que devia ter feito e fez algumas coisas que não devia ter feito.
Por exemplo, praticamente nada foi feito nas rendas excessivas dos bens não transaccionáveis (onde a energia está incluída). A reforma laboral, pouco impacto irá ter. A reforma do arrendamento urbano, bom, nisso praticamente fica tudo igual. Mudanças no sistema de justiça: ZERO. Ora, isto são tudo barreiras ao crescimento. E barreiras ao crescimento são inimigas de aumento de receitas fiscais. Por isso, as receitas fiscais dependem e muito do Governo.

Pedro Antunes disse...

Lapalice,

Como disse e já aqui escrevi: não acho que outro governo conseguisse fazer melhor. É nesse sentido que digo que "o Governo anda a conseguir fazer o que dele depende".
A energia pode ser exportada, e é em alguns momentos e alguns leilões. O que falta na Energia é uma total liberalização ao nível Ibérico e Europeu do mercado. Não faz sentido ir mais longe se na Europa não se vai mais longe. Também não consegues fazer muito mais sem mais interligações PT-SP e SP-FR para reduzir as tais rendas, que no fundo são o pagamento para que as produtoras de electricidade tenham um conjunto de equipamento parado para produzir em picos.
A reforma laboral vai ter algum impacto. Podia ter mais? Sim, mas não é no meio de uma crise que se deve fazer alterações dramáticas que no curto prazo irão aumentar o desemprego - apesar dos benefícios de longo-prazo.
A reforma do arrendamento urbano vai ter efeitos a 3-5 anos, mas quanto a isso teremos de esperar esse tempo para o confirmar.
A Justiça precisa de muito ainda, sim.
Tudo isto são barreiras ao crescimento, mas não se pode fazer tudo em apenas 1 ano. Mas sim, também concordo que um governo forte já poderia ter feito mais… Mas a própria existência de impostos são uma barreira ao crescimento que aceitamos… a discussão que existe entre liberais e estatistas é o peso desses impostos na economia.

Mas nada disto tem a ver com a privatização da RTP.

Jose Lapalice disse...

Não tem a ver directamente com a RTP é verdade.
Mas o exemplo da energia eléctrica é claro quanto ao que correu mal com a privatização. Portugal pode fazer muito mais e melhor. Como por exemplo se pode ler aqui sobre a opção de construir mais barragens ao invés de apostar em reforço de potência nas barragens existentes: http://gaia.org.pt/node/16109.

E com as atuardas que se ouviram sobre a RTP, o que é sugerido é basicamente dar lucros garantidos a privados. Algo corriqueiro nos processos de privatização que Portugal já fez. É que não ouvi o consultor Borges a falar em redução da taxa de audiovisual. Ou seja, os portugueses vão ter menos, continuando a pagar o mesmo.

Jose Lapalice disse...

Aliás, esta ideia de reduzir ainda mais a oferta de canais de acesso livre está ligada ao problema da TDT. Portugal deve ser dos poucos países do mundo onde passou a haver tv digital, mas o número de canais de acesso livre não aumentou.
Na prática, a escolha da tutela traduz uma protecção aos operadores privados de subscrição de tv. Nomeadamente a Zon e a MEO. MEO que é propriedade da PT, empresa privada que ficou responsável pela implementação da TDT, num claro conflito de interesses. Os nossos vizinhos espanhois fizeram isso de maneira bem diferente de nós. http://www.tdt1.com/canales-badajoz/ . é que é bem diferente falar de uma rtp concessionada quando só existem mais 2 canais de acesso livre, de uma rtp concessionada quando existem mais 30 canais de acesso livre.

Mas pronto, em Portugal não há nenhum governo que consiga fazer melhor.

Nuno Vaz da Silva disse...

A ser verdade o que o Primeiro Ministro disse hoje sobre o tema "o Estado gasta 80 milhões de euros na cultura, museus e preservação do património e 300 milhões de euros na RTP" que se arranje rapidamente uma solução para esta distribuição ineficiente de recursos!!

Pedro Antunes disse...

Lapalice,

GAIA - Tudo o que vem de movimentos fundamentalistas faz-me alguma espécie desde a discussão acerca da ponte Vasco da Gama. Hoje não vês nenhuma organização ambiental aceitar o quão errados estavam nem o grau de irracionalidade com que se opuseram, certo? Nem me parece que ambientalistas sejam o grupo mais indicado para dar uma opinião objectiva sobre produção energética.. ou questões ambientais… ou económicas.
O plano de barragens nacional inclui as duas opções de reforço de potência e novas barragens. No fim o potencial nacional aproveitado rondará os 75% (se a memória não me falha). Aproveitamentos do potencial hídrico acima destes 75% e estamos a falar de deitar dinheiro para a rua. Na Europa o aproveitamento de potencial hídrico ronda os 70 a 80% pelas mesmas razões.
Já agora, estes reforços nas barragens existentes também permitem a redução da utilização de produção anciliar, que é tipicamente baseada em queima de fuel e gás… um pouco mais poluente.

Na RTP ainda está tudo em aberto. TUDO. Nada está, pelo que tenho visto nas notícias, definido. Mesmo que a decisão da concessão esteja feita, isso não implica nada face a taxas de audiovisual, pelo que assumir por um lado ou outro é simples preconceito. Não podes dizer que vão continuar a pagar o mesmo.
Ter 3 ou 4 canais de livre acesso é uma ficção. A RTP2 tem uma taxa média de audiência média abaixo dos 1%, share abaixo dos 5% (ERC 2011). Até no segmento de Cultura tem um RSH inferior aos restantes canais… Telejornal, que andam todos com a mania que na RTP2 é que é bom, tem 1,7% contra mais de 10% nos outros (rat%) e menos de 5% (shr%). A RTP2 é um não canal pelo que a sua eliminação (que ainda não está decidida) não tem consequências de maior.
A TDT vai tornar mais barato ter um canal de televisão aberto. Mas como é óbvio não acontece, especialmente em tempos de crise, de um dia para o outro. Vamos ver o que acontece. Já agora a qualidade da televisão espanhola não é exemplo para ninguém, parece-me!

Jose Lapalice disse...

Claro, cabeça a minha. Não se pode esperar que de um dia para o outro, só por haver TDT fosse possível ter a RTP Informação, a RTP Memória, a RTP África, a AR TV, a SIC Notícias, a TVI Informação, a SIC Mulher, o Porto Canal. Mas também, provavelmente estes também são não canais como a RTP2, por isso também não fazem falta.

Paulo Ribeiro disse...

Eu acho que este episódio da "Concessão da RTP" deveria fazer parte do manual de todos os políticos (eventualmente estudo nessas tão propaladas "universidades de Verão"). Isto foi uma jogada de mestre do governo. Senão vejamos:
a) manda um consultor (repito, consultor) atirar uma ideia completamente impossível para o ar.
b)A oposição entra na ratoeira com declarações demagógicas e extremadas. O que o líder da oposição deveria ter dito era:"não reconheço ao Dr. Borges nenhum poder para decidir o futuro da RTP, nem sequer é membro do governo. Quando o primeiro ministro vier a público com a sua proposta para a RTP, então darei a minha opinião";
c) O conselho de administração dá um verdadeiro tiro no pé ao entrar na refrega. Agora o governo já tem uma razão para demitir (ou fazer demitir)o CA e colocar lá uma administração mais dócil;
d) O governo sai deste episódio praticamente incólume e o ministro da tutela protegido.

O que eu acho que vai acontecer:
-O CA da RTP vai-se demitir (ou ser demitido);
-O governo vai deixar cair esta proposta e avançar com a proposta que realmente quer: extinção da RTP2 e de algumas estações da RDP, fim da publicidade na RTP
-A oposição vai ter que engolir porque senão é acusada de nunca aceitar nada (porque já falou mais do que devia em relação a esta "ideia" da concessão)

"Um principe sábio nunca deve, em tempo de paz, ficar ocioso"
Maquiavel, "O Príncipe"

Pedro Antunes disse...

Lapalice,
Nada impede a RTP informação, memória, África… de irem para sinal aberto…
A SIC notícias, TVI informação e outros exemplos privados que deste até podem ser não canais… desde que sejam os seus investidores a pagá-los. Como contribuinte tenho todo o direito de exigir o fim do buraco que é a RTP. Se ainda por cima for possível faze-lo via concessão a privados melhor!
O verdadeiramente importante é definir o que é serviço público, quanto é que vale e leiloar aos diferentes canais abertos.

José Lapalice disse...

Há pelo menos uma coisa que impede de irem para sinal aberto: o Governo. Foi a tutela que decidiu que não fossem.
E sobre o que é verdadeiramente importante, falta pelo menos saber quem vai regular a prestação de serviço público. Porque não se pode liberalizar e deixar a regulação entregue a esta ERC. Ter esta ERC ou não ter nada é rigorosamente o mesmo. Foi sempre sem pensar em regulação que ocorreram as privatizações em Portugal. E por isso temos reguladores tão fortes e com tão bons resultados como uma ERSE, uma Anacom, uma Aut. Concorrência, já para não falar do pior regulador de todos, o Banco de Portugal.

Pedro Antunes disse...

Lapalice, e próximo governo pode decidir o contrário. É uma questão política e não (pelo menos pela informação que tenho) jurídica, pelo que tudo está sempre em aberto.

A ERC (e outros reguladores) faz pouco ou nada… estamos de acordo. A solução não é criar outra agência que vai fazer o mesmo. Se calhar os reguladores deviam ser privados também… associações da sociedade civil não dependentes do Estado!

Paulo Ribeiro disse...

Bem, o CA da RTP já se demitiu.
Vamos ver quais os próximos episódios desta novela...
Pedro:

Eu não conheço todo o dossier em detalhe, mas a serem verdade os números vindos a público, a RTP não me parece um grande buraco como afirmas. Na factura da electricidade cada utente paga 2.25 euros/mês+IVA para ter dois canais de televisão e mais uns quantos canais de rádio (fonte: http://www.ionline.pt/outros/oe-2012-contribuicao-audiovisual-mantem-se-nos-225-euros". Tendo em conta o que se paga pela TV Cabo, ZON, etc. não me parece um valor nada descabido.
Agora vamos pôr a hipótese que um privado passaria a fazer este serviço. Logicamente teria que ser pago. Quanto? Imaginemos que seria 50% do valor atual. Isto quer dizer que cada um de nós pouparia 13.5+IVA Euros por ano. Achas este valor relevante? Pessoalemnte prefiro pagar este valor e continuar a ter a RTP na esfera pública.

José Lapalice disse...

Esse argumento é curioso. Quer dizer então que uma decisão política não é um impedimento?

Agora, pode-se brincar com as palavras como se quiser, mas objectivamente existe actualmente um impedimento a que a RTP informação, memória, África passem para sinal aberto.
E é também um impedimento jurídico. Como é óbvio, a maioria das decisões políticas dos governos têm efeitos legislativos. Se não fosse uma questão jurídica não se tinha andado a discutir a ARTV no parlamento para criação desta lei: http://www.publico.pt/Pol%C3%ADtica/artv-ja-pode-ser-transmitida-em-sinal-aberto--1560575

Reguladores privados. Serviços públicos concessionados. Então afinal uma pessoa pagaria impostos para quê? É para ficar tudo nas mãos de privados. A participação da sociedade civil é importante, mas quem deve ser responsável pela regulação é o Estado.

Nuno Vaz da Silva disse...

O problema da tipologia de gestão da RTP não é muito distinta de muitas outras entidades públicas.
Será que cabe ao Estado ter um conjunto de activos relevantes em áreas onde deveria actuar o menos possível? Será que o Estado deverá gastar recursos em sectores não fundamentais quando não consegue ser eficiente nas suas actividades core como a defesa, a segurança dos cidadãos, a justiça e a administração pública?
Esta é uma discussão interessante e que está relacionada com o conceito de serviço público.
Se vivêssemos em mercados perfeitos, eu diria que o Estado se deveria centrar apenas nas suas funções e deixar a economia funcionar livremente. Como isso não acontece, o Estado deveria igualmente não ter tanto peso na Economia e preocupar-se em regular e legislar com qualidade, conta, peso e medida.
Mas preocupa-me que tenhamos tantos políticos a perder tempo com uma estação de televisão e a fazerem disso o seu cavalo de batalha, quando deveriam arregaçar as mangas para definirem politicas de combate ao desemprego, de melhoria da eficiência na justiça, de aumento da segurança dos cidadãos e na promoção do desenvolvimento económico-social do país!

Pedro Antunes disse...

Paulo,

Eu não pago nada para ter a SIC e a TVI, logo pagar 2,25 + IVA euros pela RTP e RDP parece-me excessivo. Pior exemplo é o cabo. Canais por cabo pago se quiser, pelo serviço que escolho e tenho pleno poder de mudar de fornecedor ou deixar de pagar (findo o contrato).
A RTP teve um resultado líquido de 19M€, mas recebeu 240M€ de fundos públicos, dos quais 151M€ da taxa audiovisual. É um buraco de 220M€.
Eu não posso deixar de pagar a Taxa de Audiovisual, mesmo que não tenha TV ou Rádio. Tu podes não te importar de pagar 13.5+IVA, e até pode ser um valor baixo, mas a escolha não é dada a ninguém! A TVI e a SIC fazem tanto serviço público como a RTP e não me vão ao bolso.
Qual é a vantagem de teres um canal controlado pelo estado? Os únicos regimes que vêm isso com bons olhos são regimes autoritários que acham que os cidadãos não sabem escolher o que ver.

Lapalice,

Como eu disse, tanto quanto eu tinha conhecimento. E como é óbvio "a maioria" não é todas. Não conheço o diploma em específico, mas também me parece que ninguém no CA da RTP alguma vez tentou a sério colocar esses canais em sinal aberto…

Reguladores privados, concessões dos serviços públicos: pagarias menos impostos para teres o mesmo. Parece-te mal? A regulação, nas mãos de concessões, é da esfera do Estado na mesma, da mesma forma que um hospital PPP é do SNS…

Nuno Vaz da Silva disse...

E não nos esqueçamos dos portugueses que não têm TV mas que por terem electricidade em caso, têm de suportar a taxa de audiovisual.
E se eu tiver várias contas de Electricidade e apenas tiver uma TV porque tenho de pagar várias taxas de audiovisual?
"Grande" principio de utilizador-pagador!!!

Jose Lapalice disse...

É verdade o que diz o ditado. Aprender até morrer. Supõe-se então que a Dinamarca, a França, a Alemanha, o Reino Unido, etc etc só para me focar na Europa têm serviço público de televisão e/ou rádio, mas não encaram isso com bons olhos. Porque os únicos regimes que encontram vantagens nisso são os regimes autoritários.

Ps: Não é o CA da RTP que tem de tomar essa decisão. É a tutela.

Ps2: Então no caso de termos só TVs privadas, e um regulador privado, como seria feito o controlo dessa regulação? E esquecendo todos os conflitos de interesses e maior propensão ao suborno, de que forma é que isso não seria duplicar tarefas? Ou ia-se confiar cegamente na regulação privada?

Pedro Antunes disse...

Lapalice,

Não compares o serviço público do RU e Dinamarquês com Portugal. Há uma muito maior independência entre o Estado e os canais. Mesmo assim nem a BBC se safa de críticas de parcialidade perante o governo e de críticas à cobrança da Television Fees (que, já agora podes estar isento mesmo que tenhas aparelho de TV e não está ligada à outro serviço não relacionado… como a electricidade).

RPS: O CA da RTP é que devia fazer pressão para o conseguir se considera relevante… isto se é que gere alguma coisa, senão mais vale ser a tutela a gerir directamente. A tutela é accionista não é gestão.

RPS2: Eu coloquei a hipótese de reguladores privados. O controlo é a legislação. Os conflitos de interesse podem ser mitigados independentemente de ter tutela pública ou privada… mas existem sempre. Dizer que privados são mais propensos ao suborno (ou tráfico de influências) é que me parece um bocado abusivo. Com base em que é que dizes isso?

Obviamente não se deve confiar cegamente em nada ou ninguém. Mas terminar um contrato de uma concessão por incumprimento de objectivos é mais fácil do que despedir um Administrador de um instituto público incompetente.

José Lapalice disse...

Eu não comparei a qualidade do serviço público do RU ou da Dinamarca. Apenas me limitei a minha opinião sobre o facto de talvez existir alguma vantagem de haver canais de media controlados pelo Estado. Não fui eu que disse taxativamente que só regimes autoritários têm interesse nisso.
Sobre discutir qualidade, aí há que ter em linha de conta quais os orçamentos envolvidos, meios de financiamento, especificidades dos públicos, nível cultural, educacional, etc...

Eu não sei a pressão que o CA da RTP fez ou não fez. O que sei é que a tutela é contra. E em última análise, por mais que alguém tente, é à tutela que cabe a decisão.

A legislação não é controlo de coisa nenhuma. A legislação é uma base para controlar. É uma ferramenta. Tem de haver pessoas envolvidas. De que forma isto não é duplicação de trabalho não sei.

Uma das razões porque um privado é mais propenso ao suborno já foi referida: é mais fácil acabar com uma concessão do que despedir um administrador público. Assim, há tendencialmente um incentivo maior a que a pessoa da concessão tente tirar maiores dividendos no período em que lá está.

Pedro Antunes disse...

Uma nota preliminar: Eu escrevo sempre partindo da minha opinião e interpretação de dados. Outros podem, claro, ter outras. A minha base é liberal, laica e republicana.

O facto de regimes não autoritários terem e gostarem de ter canais de Televisão e Rádio não significa que não seja por alguns laivos de autoritarismo envergonhado que até os estados democráticos têm (os telejornais nos canais púbicos e a programação da BBC nos anos 70/80 são reflexo, em parte, disso mesmo).
Tendo isso em conta, controlo dos media por parte do estado só é bem visto por interesses de controlo de opinião pública. Isto está, tipicamente, ligado a regimes autoritários ou um ideal estatizante da sociedade contrário aos ideais liberais.
O Estado sabe pouco do que é cultura, do que é programação de qualidade, do que é que as pessoas querem ver, e nem devia ser da sua esfera de competências.

É óbvio que o CA não fez qualquer pressão. É aliás um dos grandes problemas das empresas públicas e empresas ligadas a grandes grupos (universo PT)… o CA está presente, muitas vezes, por favores, e como tal não tem qualquer ganho em pensar no interesse da empresa (ou serviço público que a mesma produz). Cabe ao CA, de qualquer empresa, fazer decisões e delinear a estratégia da sua empresa e aguentar-se à bronca se os acionistas não gostarem. Se dependem dos acionistas para apresentar essas estratégias, então não tem qualquer utilidade. Conhece-se algum documento deste CA nesse sentido? Não.

Estás a jogar com palavras: a legislação é a base para regular (e não controlar), a entidade (pública ou privada) reguladora são as pessoas. Isso é independente da discussão que aqui estávamos a ter face à ERC.

Não conheço muitos casos de privados subornarem privados, mas gestores de organismos públicos envolvidos nesse tipo de escândalos são aos magotes (e sim, são os privados a subornar, de acordo).
Na esfera privada, como há liberdade de contractualizar um sem número de coisas, a questão do suborno é pouco colocada. Há casos, mas não são de todo tão comuns como na esfera pública.
No privado há imenso controlo acerca de práticas menos corretas de gestão. Esse controlo falha, mas é muito mais eficiente do que no estado, onde falhas de ética, ingerência e negligência têm consequências mínimas, quando têm.

José Lapalice disse...

Pronto, assim já percebi. Entendes que o Estado não tem capacidade para fazer programação de qualidade. Sugiro uma comparação entre a grelha de programas da RTP2 e da SIC, p. ex.. Basta reparar no número de horas de telenovelas.

Sobre o CA, é mesmo isso, não se conhece o que eles fizeram ou deixaram de fazer.

Eu não joguei com as palavras. Perguntei quem ia controlar a acção de um eventual regulador privado e como o faria.

Se não conheces muitos casos de privados a subornar privados é porque tal como os que envolvem organismos públicos, as condenações são escassas. O exemplo mais fácil de corrupção entre privados que é recorrente é por parte de quem faz as compras para uma empresa e um determinado fornecedor que retribui de alguma forma esse responsável de compras. Por alguma razão, algumas das maiores empresas de FMCG estão sempre a mudar as pessoas nestes cargos.

Pedro Antunes disse...

Como é que avalias programação de qualidade? Quais os teus critérios? E quem és tu para achares que uma telenovela não é programação de qualidade? Um bom exemplo disso é a novela "Norte e Sul" que educou milhões de americanos acerca da guerra civil. Outro exemplo disso foi a série "Conta-me como foi" que explicava a vida dos portugueses nos anos 60/70. "Vila Faia" que nos dá um retrato da sociedade nos anos 80. Mais umas telenovelas de conteúdo "histórico" romanceado. Por vezes estas telenovelas fizeram mais do que muitos documentários da RTP2 ou programas sobre arte abstrata. Ou as 9 horas de desenhos animados (7-14, 17-18 e 1945-2045), com 30 minutos de superstição pelo meio (TODOS OS DIAS DA SEMANA)… ou os 30 minutos de superstição aos domingos… Programas de arte e ciência só lá para as 0100 da manhã.
Eu acho que o mercado e as audiências é que fazem bem essa avaliação. Pelo menos muito melhor do que qualquer comité Estatal, mesmo quando escolhem coisas que eu considero idióticas… mas quem sou eu para os julgar!
Mas já agora: acreditas mesmo que é através da Televisão que se cultiva um povo? Se calhar devia haver uma disciplina de civismo na escola em vez… ou promover mais a leitura eliminando o IVA no preço dos livros, jornais e revistas e promovendo uma lógica de "book reports" à escolha do aluno em vez de ensinar quantos cantos têm os Lusíadas e ficar chocado quando o PM não sabe! Ou ter uma disciplina de Arte e música no currículo!
Outra forma de promover cultura (histórica) era dar mais acesso ao arquivo da RTP, que não é tão fácil como se julga. Se calhar nem devia pertencer a um canal televisivo em particular e devia ser considerado um bem público.

Eu não disse que não se conhece o que o CA fez… pelo contrário, disse que o CA não fez qualquer pressão. Foi uma declaração e não uma hipótese. Não há documento conhecido do CA da RTP para a passagem a sinal aberto dos outros canais da RTP e o relatório e contas é dos mais insípidos de que se pode ler, com frases fantásticas como aquelas em que se congratulam por terem pelo segundo ano consecutivo resultados positivos… não fosse a taxa de 150M…

Jogaste, e o controlo é óbvio: o próprio contrato de concessão, os tribunais, o parlamento. A quem é que responde a AdC? A quem é que responde a ERC?… A questão do controlo é independente de serem públicas ou privadas, mais uma vez.

Comprovas o que disse:
1. No privado há mais controlo acerca de práticas menos correctas (e indicaste um método, apesar de uma das razões pelas quais as FMCG mudam as pessoas em ciclos de 2-3 anos é por políticas mais alargadas de RH).
2. Aceitei até que esse controlo falha, mas que é muito mais eficiente do que no Estado, quanto mais não seja porque têm de prestar contas e há gente a olhar com muita atenção!
3. O teu exemplo, ainda por cima, é mau. Só uma empresa privada a caminho da falência é que hoje em dia não controla muito bem as compras com processos claros e transparentes.
4. Se poucos casos se conhecem é porque a maioria das coisas podem ser contratadas e todas as acções são responsabilizáveis. Isto limita imenso a âmbito sobre o qual podem acontecer situações de subornos.

Pedro Antunes disse...

BTW: grande discussão! :)

Jose Lapalice disse...

é verdade, a discussão é grande e vai grande.

sobre o primeiro ponto, não acho que mercado e audiências façam bem a avaliação ao nível da qualidade e sobretudo da diversidade da programação. Claro que há telenovelas boas, o meu ponto é que são horas a mais de telenovelas em prime time.
e concordo, o acesso ao acervo da RTP devia ser muito mais livre do que é.

sobre o CA da RTP, acho que ambos concordamos que são uns fantoches.

acerca do controlo de um regulador privado, noto a ausência do estado nas hipóteses que elencas. esperar que os tribunais controlem alguma coisa é um acto de fé de todo o tamanho. Contar com o parlamento, sinceramente, duvido que no parlamento haja pessoas capacitadas em número suficiente para discutir questões de regulação. Lembro-me que aquando das audições de inquérito por causa do BPN da parte do CDS quem lá estava era um licenciado em direito (Nuno Melo). Do Bloco de Esquerda um licenciado em Medicina (o Semedo). Óbvio que por mais boa vontade e honestidade que tenham, andam a apanhar papeis quando vigaristas contam as patranhas.

sobre corrupção entre privados, mantenho a minha perspectiva. Ela é bastante elevada. Mas concordo contigo. Hoje em dia, os processos estão muito mais apertados e há mais controlo. Outro exemplo de corrupção entre privados é o jogo entre empresa auditada e auditor. Quantas vezes o auditor não fecha os olhos??

Jose Lapalice disse...

a ERC é um orgão nomeado pelo Governo que responde ao Parlamento. mas é um orgão do Governo. Para mim é diferente de ser privado.

Pedro Antunes disse...

1. Eu pessoalmente até me parece que temos a mesma opinião sobre a programação televisiva. A nossa diferença de opinião é que eu não me sinto capaz de ultrapassar a opinião dos milhões de portugueses e não só que vêm todas essas horas de novelas... Quem sou eu... E quem é o estado para fazer esse julgamento?

2. Por serem fantoches é que agora deviam estar calados sobre qualquer medida que envolvesse a RTP!

3. Mas aqui até me das razão... A esfera publica não está equipada para isto...

4. E concordas que o sector publico é mais propenso/ potenciador de corrupção?

Jose Lapalice disse...

Eu acho que temos opiniões distintas. Porque eu não vejo como sem uma televisão pública (com 2 canais pelo menos) será possivel ter espaço para programas de índole religiosa, sobre as minorias, sobre a ciência, com programas de animação para as crianças sem estarem inundados de publicidade, para transmitir desporto que não só o futebol, etc, etc. Em alternativa, podia-se abrir o espaço para mais canais em sinal aberto. Mas num modelo de 4 canais em sinal aberto e nenhum deles ser público, há muitos grupos minoritários de espectadores que ficariam a perder.

2 - são fantoches. de fantoches não se pode esperar muito.

3 - Não está equipada, mas devia estar. Para mim, a regulação compete ao Governo. E até existem bons técnicos. Os políticos à frente daquilo é que são uns capachos dos interesses dos regulados.

4 - O sector público é mais propenso, porque tem maiores poderes em diversos factores chave: p.ex. licenças, sem as quais muitas coisas não se fazem. E porque existe menos controlo. Mas se se concessionar a emissão de uma dada licença a um privado, acredito que exista tanta ou mais corrupção do que se for um público.

Pedro Antunes disse...

1. Porquê 2 canais e não 3? Ou porque não 1 canal? E que tal todos os canais serem obrigados a ceder 1 hora por dia para programação Estatal? A imaginação dá para tantas soluções!!!
Portugal é um estado laico, pelo que um canal público não devia ter qualquer programa de índole religiosa. Já não basta em período de crise eles continuarem sem pagar impostos.
Se eliminares a programação da RTP e olhares só para a TVI e SIC em canal aberto verás que: têm programação religiosa, de minorias, ciência, animação, desporto que não futebol. Publicidade têm, é verdade. E então?
Se a programação dos privados é idêntica, estamos a pagar um canal público só para não termos publicidade??? Algo que ainda por cima só vê quem quer!!!
Alargar a mais canais o sinal aberto: por mim o limite está no espectro e não num número artificial ou dependente do mercado da publicidade. Porque não havia este blog de criar um canal de televisão em sinal aberto com estas nossas discussões desde que pagasse pela licença da frequência?

2. Mas são fantoches politizados e com noção que se saírem da RTP não têm lugar em lado nenhum.

3. A regulação compete ao parlamento que é quem faz as leis. Se os funcionários de nomeação política são capachos é culpa própria e de um sistema que não lhes dá a devida independência.

4. Com base em que é que dizes uma coisa dessas? Há Empresas públicas comparáveis a privadas e nessas a corrupção impera. No lado do privado os controlos vão sendo exercidos.