domingo, 4 de março de 2012

Combate ao Desemprego

Estava, como costumo fazer com alguma regularidade, a fazer a leitura diagonal pelos jornais on-line e encontrei um debate interessante, iniciado em 27 de Fevereiro, acerca do combate ao desemprego por parte do Governo. Link aqui

O debate é apresentado de uma forma aparentemente neutra, com números do desemprego. Primeiro o habitual percentual, depois números absolutos. 771 mil desempregados (o mesmo que os 14% descritos 13 caracteres antes). Depois uma consideração velada: não se deixe enganar porque se fizer bem as contas verá que são mais de um milhão - insinuando que os 14% são de facto muito superiores.
Claro que tudo isto é apenas brincar com números. Se na Alemanha incluirmos inactivos, disponíveis e desencorajados, os valores de desemprego também subirão se a base se mantiver a mesma. Claro que depois ainda podemos brincar mais com os números e adicionar as mulheres que ficam a fazer trabalho doméstico em casa (o desemprego descerá um pouco), podemos também começar a contar os part-timers de uma outra forma qualquer e fazer subir ou descer o percentual.
Mas isto é apenas um detalhe. Qualquer pessoa com dois dedos de testa deve poder perceber o potencial de manipulação dos números.

O problema está na proposição: "Acha que o Governo está a fazer tudo o que pode para combater o desemprego?" A resposta só pode ser "NÃO! Claro que não!" Todo e qualquer Governo pode sempre fazer mais… o problema é o trade-off dessa acção. O Estado, sempre que interfere na economia, cria ineficiências. Mas atenção, estas ineficiências não são más por si mesmo… são escolhas políticas e o Governo pode sempre tornar-se mais interventivo e estatizante. Nas últimas eleições o povo português escolheu uma via mais liberal e de redução do papel do Estado na economia, independentemente de ser forçado ou não. Mas os comentários são quase todos iguais. Como português sinto-me um bocado insultado quando dão a entender só conseguimos ficar empregados se o Estado agir.

Será que não tínhamos mais sucesso na criação de emprego que o Estado nem estivesse presente nos primeiros anos de existência de uma empresa, por exemplo? Ideia avulso neste link :)

6 comentários:

Jose Lapalice disse...

" Vamos imaginar um cenário em que uma empresa recentemente criada tem um estado de graça de cinco anos (o número de anos não é o importante, o importante é a ideia por detrás). Esse estado de graça implica a empresa não ter qualquer tipo de custos com o Estado e ter pouca ou nenhuma interferência do mesmo em tudo (por exemplo se estamos a falar de uma empresa com um medicamento novo claro que teria de passar pelo Infarmed). A única exigência é que ao fim desse período passaria a pagar impostos como todos os outros."
Eu não estou seguro se percebo bem o alcance desta ideia. O que exactamente se quer dizer com não ter custos com o Estado? Não pagar impostos, não fazer descontos para segurança social, não pagar taxas, licenças e afins? E de que modo isto se enquadra com um tratamento justo para com as outras empresas que já estão no mercado e não se traduz em concorrência desleal.

Nuno Vaz da Silva disse...

Percebo a lógica do argumento mas penso que é inaplicável do ponto de vista prático. Estariamos a dar incenticos perversos para que as empresas tivessem vida útil inferior ou igual ao numero de anos da isenção. Por outro lado, teriamos incentivos (também eles perversos, penso eu) à criação de empresas sem qualquer barreira fiscal. O que pretendo dizer é que teríamos tendencia a ter um universo empresarial de start-ups e o numero de empresas com mais do que 5 anos (conforme o número de anos sugerido) tenderia para zero.
Sou mais adepto de se facilitarem os códigos de imposto, criando um imposto único pelas vendas (mais baixo do que o actual pelo resultado liquido) e obrigando os empresários a emitirem facturas sempre (com um natural controlo por visitas e compras surpresa). Desta forma eliminariamos desigualdades, problemas concorrenciais e facilitávamos o empreendedorismo

Pedro Antunes disse...

A ideia em si era exactamente não ter interferência do Estado. Teria, obviamente, de ter licenças mas estas não deveriam ser pagas. Também seria possível limitar esta situação a sectores de interesse para o País. Esta decisão seria claramente política e sempre falível.
Em relação ao factor "justo": Se todos conhecemos as regras e se são aplicadas a todos as regras, por definição, são justas. Por outro lado temos sectores em que o domínio de umas poucas empresas impedem a entrada de novos concorrentes. Será isto justo? É eficiente e justo ter um sistema de renovação de empresas nos diferentes sectores. Como não somos uma economia grande (porque a questão da Europa como economia integrada ainda está longe de ser eficiente em muitos sectores) seria desejável ter um sistema de permanente ataque aos estabelecidos. Obrigaria à inovação por parte dos que estão e dava real hipótese aos que querem entrar.
Em relação ao factor aplicabilidade: Há formas de controlar o processo e evitar a tendência de não existirem empresas com mais do que X anos. Do ponto de vista comercial isso seria controlável em empresas que quisessem crescer realmente, sem qualquer intervenção Estatal. Eu consumidor não estou disposto a comprar um dado produto ou serviço se estiver convencido que a empresa vai deixar de existir passados 1 ou dois anos.

Concordo com sistemas fiscais mais simples. Aliás, de base eu sou favorável a inexistência de impostos não pessoais. Tudo o que é produzido vai ter, de uma forma ou outra a um consumidor final, que é uma pessoa real (em oposição às pessoas colectivas). O Estado por, então, ter apenas um ponto de controlo efectivo de rendimento e interferir menos na economia real. Também poupava imenso ao deixar de precisar de pesados sistemas de fiscalização às empresas… para não falar da simplificação dos códigos.
Sim, isso significava ter impostos mais elevados. De acordo… e então? Já os pagamos na mesma na forma de preços mais elevados nos produtos.

Jose Lapalice disse...

"Se todos conhecemos as regras e se são aplicadas a todos as regras, por definição, são justas.". Concordo, faz todo sentido. Agora se estes incentivos são apenas para empresas recém-criadas isso por definição exclui as que já estão no mercado.

Uma coisa é tornar mais fácil e rápido a entrada de empresas num determinado sector através de processos de licenciamento mais céleres. Outra bem diferente é dar condições sustentadas de concorrência desleal a novos entrantes. Por melhor que sejam muitos negócios, por mais inovação que haja, se abrir ao meu lado uma empresa que vende basicamente o mesmo que eu mas que não paga impostos, o resultado é previsivel. é um efeito-eucalipto: essa empresa seca tudo à volta e fica com o negócio todo.

Sobre os incentivos dos consumidores a comprarem um produto ou serviço que não sabem se vai existir daqui a um ano ou dois, no meu entender, em 99% dos casos os consumidores não se interessam por isso. Ainda para mais em tempos de crise, onde o preço é o principal driver. Um serviço, sendo "consumido" na altura, desde que haja qualidade na sua prestação é quase sempre irrelevante se daqui a 6 meses quem o prestou ainda trabalha. Um bem, passado o período de garantia, também se perde muito deste efeito de fidelização.

Pedro Antunes disse...

Se o incentivo for, por exemplo, isenção de impostos para todas as empresas em fase start-up e seed – tipicamente os primeiros 5 anos – para criar a possibilidade de melhor e mais concorrência não me faz confusão. É injusto deixar um mercado ser dominado pelos mesmos se estes mesmos só lá ficam por impossibilitarem o surgimento de novos. Nota que na minha resposta faço uma distinção entre o uso desta medida em países como Portugal ou os EUA. E nota que também é justo eliminar o domínio, muitas vezes resultante de abuso de posição dominante ou cartelização.

Os consumidores finais, quando falando de produto de consumo imediato (normalmente bens alimentares e vestuário), gosta de estabilidade dos produtos. A marca é um sinal dessa estabilidade. Um óptimo exemplo disso é que na distribuição a marca branca praticamente morreu para ser substituída pela marca da distribuição. Só quando esta alteração se deu é que a quota de mercado desses produtos aumentou substancialmente – o que aconteceu a partir de 2005 e apenas se intensificou com esta crise.
Em produtos mais duradouros essa preocupação é ainda maior. É capital gasto que não vai ser recuperado de forma alguma. Só assim se explica alguém comprar um VW (seja qual a marca) em vez de um Kia. É a confiança na marca e a garantia de que se vai comprar algo com qualidade. Por isso, também, é que empresas novas de electrónica têm dificuldades em entrar num mercado livre. Quem é que compraria um televisor sem conhecer minimamente a empresa que o produz? Por isso é que os produtores sempre deram garantias aos seus produtos.
Nos serviços a ideia de continuidade é ainda mais importante, especialmente nos de maior valor incremental. O capital de conhecimento das consultoras depende de um contexto histórico decorrente dos imensos projetos que fez. A experiência de uma empresa de canalização também é fulcral em conseguir prestar um bom serviço.
Em crise procura-se preço, mas quem ganha quota de mercado e confiança dos consumidores são os que dão continuidade, qualidade e estabilidade no serviço e/ou produto.

Pedro Antunes disse...

Já agora: Boa discussão! :)