terça-feira, 27 de março de 2012

Uma Carta Aberta a Arménio Carlos

Caro Arménio Carlos...

Sei que acredita fortemente na luta do trabalhador contra o capital e mais um conjunto enorme de chavões anacrónicos. Tem todo o direito de acreditar no que quiser. E até se percebe, a intenção é boa, apesar de não concordar com os seus fundamentos. O tom é um pouco exagerado, mas é a isso que os media obrigam hoje em dia. E no fim até trás um benefício para a sociedade destas greves servirem como válvula de escape.
A razão pela qual lhe escrevo tem pouco a ver comigo. Uma greve geral nos transportes afecta-me de forma muito marginal. Obriga-me a sair meia-hora mais cedo de casa e um pouco mais tarde do trabalho. Durante o dia até enfrento menos trânsito. Os esforços da CGTP em criar uma disrupção na vida de quem tem carro próprio e um horário minimamente flexível, sai frustrada. No fim do dia, pessoas com algum poder económico evitam quase totalmente as consequências da greve.
O que me leva a escrever esta carta é o facto da maioria dos Portugueses não ter poder económico suficiente para evitar os efeitos da greve. Ou não têm transporte próprio ou se o tiverem sentem fortemente na carteira os custos que lhes impõe ao bloquear os transportes públicos.
O que a CGTP está a fazer não é impedir ninguém de ir trabalhar, é impor um custo que mal podem pagar. Muitos vão pagar do próprio bolso a gasolina que vão gastar numa ou duas horas de trânsito para chegarem ao trabalho. Outras vão apanhar um táxi porque não têm carro nem um patrão que seja flexível. Poucas são as que se atrevem, num período de crise, a dar-se ao luxo de perder um dia de trabalho. O que a CGTP está a fazer é roubar a estes trabalhadores tempo com a sua família. São horas que a empregada doméstica deixa de ter para dar apoio aos seus filhos nos trabalhos de casa. São horas de stress adicional que levam para casa e que transmitem aos filhos ou cônjuges. São horas adicionais de infelicidade. Em anos de crise roubar um minuto que seja da felicidade de uma família já em dificuldades é condenável.
Mas a razão pela qual escrevo este texto direcionado a si é para lhe fazer passar uma sugestão que me foi partilhada por uma empregada doméstica que no dia da greve geral de transportes esteve quase seis horas adicionais fora de casa e longe da sua família e com custos financeiros adicionais. Felizmente o seu patrão até era compreensivo e para além de a compensar pelos custos que teve ainda lhe propôs um dia de folga compensatório.
Vou-lhe oferecer o racional dessa doméstica: A CGTP, quando faz uma greve de transportes fá-lo contra uma empresa e não contra a população em geral. Pior do que bloquear os serviços da empresa é mostrar à população que há formas de deixarem de os usar e com menos custos. Por isso esta doméstica propunha que os piquetes de greve organizassem um serviço gratuito ou a preço reduzido de transporte da população – partilha de carros dos grevista e/ou aluguer de autocarros.

Pense nisso. Pode ser que a CGTP ganhe um pouco do apoio que perdeu da população em geral e deixe de roubar momentos de felicidade aos Portugueses.

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