Caro Nuno,
O teu resumo da conferência sobre os desafios do ensino superior revela algum desfasamento da realidade universitária, nomeadamente no que concerne à sua forma de financiamento. A afirmação de que o mesmo é feito por cabeça, sem atender à qualidade dessas cabeças é falsa. Aquilo que cada instituição recebe por aluno difere. Em particular, a forma de cálculo tem em conta a média de anos que os alunos levam a concluir a sua licenciatura (vide Portaria 231/2006). Caso contrário, com ou sem agravamento por reprovação, haveria sempre incentivo a impedir a progressão dos alunos, porque ficariam mais anos a pagar propinas.
Um problema com esta fórmula de cálculo é o de, considerando que a qualidade do ensino está positivamente correlacionada com o montante de financiamento, ela promover um ciclo vicioso. Por exemplo, as transferências dependem positivamente do rácio de docentes ETI por aluno; quanto menor for este rácio, menos receberão as universidades, mas, quanto menos financiamento obtiverem, mais baixo tenderá a ser o rácio e assim sucessivamente.
A proposta que fazes de uma maior ligação entre universidades e meio empresarial envolvente é já uma realidade, pelo menos, enquanto intenção. As Universidades do Minho e de Aveiro têm sido um bom exemplo disso. Deves ter em conta, porém, que se essa ligação se apresenta mais ou menos óbvia nos cursos de Engenharia ou de Economia e Gestão, será mais complicada quando falamos das Humanidades e Letras.
A meu ver, a segunda proposta da Prof.ª Fátima Barros tem um problema que, não sendo aquele que tu apontaste, está com ele relacionado: tenho algumas dúvidas que as universidades se substituam assim tão perfeitamente, na medida em que escolher uma instituição longe de casa acarretará custos extra. É o modelo de Hotelling, portanto. Quanto maiores os custos da distância - e serão substanciais neste caso, julgo -, menor a elasticidade-preço e maior o poder de mercado das instituições de ensino superior. Veja-se, aliás, quantos estabelecimentos fixaram propinas inferiores ao limite máximo. Acresce que as melhores licenciaturas estão, geralmente, em Lisboa e Porto, cidades onde o custo de vida é, também, mais elevado.
Em Portugal, o número de licenciados, mestres e doutorados aumentou substancialmente na última década. E, contudo, esse aumento, aparentemente, não se reflectiu no PIB potencial. Julgo que isto nos deveria levar a uma profunda reflexão. Há universidades a mais em Portugal. Contra mim falo. Precisamente por estarem a mais, algumas dessas universidades diversificaram a sua oferta lectiva, criando cursos que não interessam às palhinhas do menino Jesus, mas têm uns nomes diferentes e pode ser que conquistem alunos, seduzidos por cursos com uma designação tão longa que podem ser conhecidos por uma sigla ou um acrónimo (dá sempre um ar chique!). Muitas delas, para não terem tão altas taxas de desemprego entre os seus licenciados, transformaram-nos em seus docentes e agora têm de arranjar alunos para lhes pagarem. Assim um bocadinho como um esquema em pirâmide...
Aquele chavão de quantidade não ser qualidade (e de poder, até, haver uma relação negativa entre as duas) aqui também se aplica. Alguns dos diplomas dos nossos licenciados são equivalentes aos diplomas de "melhor mãe", "melhor pai", "melhor namorado", etc. O facilitismo que grassa no básico e no secundário estendeu-se ao "superior", até porque, como já explicado, reprovar alunos tem implicações negativas nas transferências do Ministério. Sendo politicamente muito incorrecta: uma boa parte dos nossos universitários não devia sê-lo, não está preparada para sê-lo. E alguns deles até não queriam sê-lo, mas foram "empurrados" para as universidades pela falta de alternativas de formação e por uma sociedade que, traumatizada por 50 anos de ditadura e por vícios de mentalidade, valoriza o "Dr.", seja ele qual for, com que qualidade tiver, em vez da competência.
Parece-me, pois, que os problemas do ensino superior não se resolvem sem olharmos para os 12 anos de "estudo" que o precedem. Espero que a existência de um único Ministério seja um primeiro bom passo nesse sentido, mas receio que tenha sido uma decisão presidida somente pela lógica da poupança de recursos.
1 comentário:
Vera, sinto-me muito lisonjeado de ter tido um artigo teu como resposta ao meu artigo!
Apesar de respeitar a tua opinião e a critica sobre a formula de financiamento que aceito parcialmente (sim, porque a quantidade de alunos continua a ser um dos coeficientes...), gostaria que, à semelhança do meu artigo, tivesses optado por contribuir para a solução através de uma sugestão para reforma do sistema! Problema sem solução não é problema!
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