domingo, 8 de abril de 2012

E se fosse possível adiar a austeridade?

Há uma coisa em relação à qual quase todos os economistas estão de acordo: medidas de austeridade durante uma recessão são más para a economia. E quando eu digo quase todos, é mesmo quase todos, incluindo economistas de esquerda e de direita, admiradores de Keynes ou de Lucas. É um dos resultados mais robustos da teoria económica que em recessão os défices públicos devem aumentar e que não se devem aumentar as taxas de imposto. Os governos devem em recessão endividar-se e prometer que pagarão a dívida quando voltar o crescimento. Adiar a austeridade.

Mas então porque é que estes mesmos economistas não gritam em protesto agora que vários governos fazem exatamente o contrário e promovem agressivas medidas de austeridade em plena grande recessão? O motivo é, infelizmente, a falta de credibilidade dos governantes. A promessa de fazer austeridade, mas mais tarde, é uma promessa que os governos não fazem porque ninguém acredita. E por isso os economistas dizem resignados, então façam-na agora porque não há outra solução.

Faz falta, portanto, descobrir um mecanismo credível para adiar a austeridade. E na Europa, que mecanismos existem? Eu proponho um em concreto. Façam um novo tratado, equivalente ao tratado que criou a União Monetária mas desta vez para criar uma União Fiscal. Esta União Fiscal só entraria em vigor, por exemplo, em 2020. E condicionem o acesso a esta nova União ao cumprimento de certos critérios (semelhantes aos critérios de Maastricht) dois anos antes, em 2018.

Por exemplo, imaginem que só poderiam entrar nesta nova União Fiscal, os países cujo défice fosse inferior a 2% do PIB e a dívida inferior a 80% do PIB. Incluam outros critérios, que tenham que ver não apenas com a disciplina fiscal, mas também com a competitividade da economia. Por exemplo, poder-se-ia introduzir como critério adicional um défice da balança corrente inferior a 5% do PIB.

Acredito que estes critérios seriam aplicados pelos vários países membros da UE por causa do prémio que representaria participar na nova União Fiscal. Acho que se poderia criar uma dinâmica virtuosa, semelhante àquela que existiu no final da década de noventa, quando os vários membros da UE procuraram cumprir os critérios de Maastricht. Esta nova meta poderia tornar credível a promessa de adiar as medidas de austeridade até que regresse o crescimento económico sustentado, provavelmente dentro de 2 anos. E talvez assim conseguissemos todos juntos (os países membros da UE), finalmente implementar políticas económicas que permitam aumentar o investimento e o crescimento económico.


Paulo S Monteiro

(comentários bem vindos)


11 comentários:

Jose Lapalice disse...

Eu fiquei sem perceber bem que tipo de dinâmica virtuosa é possivel esperar de um tratado cujos critérios só teriam de ser cumpridos até daqui a 6 anos e cuja implementação só ocorreria daqui a 8 anos.
Assim como também não percebo como, no caso português, seja possível reduzir a dívida pública sem austeridade. Mesmo renegociando todos os contratos usurários, tem de se reduzir despesa.
Ps: Isto já para não falar de, na minha perspectiva, uma União Fiscal traduzir na prática federalismo, o que é algo que face à História dos países membros da UE, não julgo exequível a médio prazo (no mínimo).

Pedro Antunes disse...

Paulo, mas para isso era preciso dar um verdadeiro passo de integração política. E discordo contigo que alguns teriam de ficar de fora. Ou somos uma União solidária ou nem vale a pena estarmos nela…

Nuno Vaz da Silva disse...

Paulo, a proposta que defendes teria seguramente um impacto positivo e bastante relevante conforme sucedeu nos periodos de ajustamento pre-adesão à CEE ou adesão à moeda unica europeia. Concordo! Precisamos de objectivos que projectem a actividade económica para qualquer coisa a médio prazo (facto de reduziria a actividade dos especuladores de curto prazo).
No entanto, concordo com o Lapalice no ponto sobre o federalismo e as diferenças culturais e históricas dos países. Esses factores são criticos para a implementação dessa medida, principalmente com a desconfiança que existe hoje dos países pequenos sobre a Alemanha. Ou seja, ou teriamos várias europas com diversas uniões fiscais ou uma europa de primeira linha e vários países "excomungados", o que provocaria o problema levantado pelo Pedro.
Assim, e porque realmente sou adepto da tua proposta, concordo que precisamos de objectivos de medio/longo prazo na europa, objectivos ambiciosos! Mas temos de ter muito cuidado com esta Europa multicultural que mais parece um saco de gatos, à semelhança de um partido politico saído derrotado de umas quaisquer eleições...

Paulo Santos Monteiro disse...

José Lapalice, a melhor forma de reduzir o rácio divida/PIB é através do crescimento económico.

Por União Fiscal, eu entendo transferências entre os vários membros, semelhantes aos fundos estruturais e de coesão e respeitando o princípio da subsidiariedade ao nivel regional.
Os orçamentos nacionais deveriam satisfazer algo como uma regra de ouro, mas com margem de manobra para os estabilizadores automáticos (fundamental).

Repara que a perda de soberania, que dizes assusta tanto, não impediu o "tratado" para o bloco orçamental, que constrange muito e quase não foi discutido (adoptado por 25 países creio)!

Finalmente, é necessário que a adopção destas regras implique também que o BCE ou outra instituição se comporte como "comprador de último recurso", para impedir assimetrias e spreads...

Finalmente, é importante que algo tão ambicioso, seja aplicado no médio prazo, para que haja tempo para fazer bem as coisas, aumentar a confiança, e fugir à recessão.

Pedro, concordo contigo. Para fazer bem as coisas, é necessário mais integração política. Também é certo que a solidariedade entre os membros requer que todos possam fazer parte desta União. Mas só quando estejam preparados. Por exemplo, acho que foi um erro precipitar a adoção do euro na Grécia. Hoje, a situação seria melhor para todos, se antes de adoptar o euro a Grécia tivesse solucionado os problemas graves que tinha com as contas públicas.

Nuno, obrigado pelo apoio. E concordo contigo, que para fazer bem as coisas é necessário pensar bem e agir com objectivos de médio prazo, sem cair em armadilhas e tentações, e sem fazer uma manta de remendos...

Pedro Antunes disse...

Parece que estamos todos de acordo no fundamental.

Lapalice, a questão é que agora a Grécia já entrou. O que se devia ter feito é irrelevante. E é discutível que, se a UEM tivesse sido completa à cabeça se a Grécia estava nesta situação. Também é MUITO discutível que se não fosse a Alemanha um dos primeiros países a quebrar os limites de défice dos 3% mas um pais pequeno que estivéssemos na mesma situação... O problema da Europa é político, não económico.

Jose Lapalice disse...

Caro Pedro, o Lapalice aqui não disse nada sobre a questão da Grécia. Foi o Paulo :).

Até porque eu não vejo diferenças muito significativas entre Portugal e Grécia.

Sobre a solidariedade entre estados membros, e subsidiaridade regional já não temos idade para acreditar em fadas encantadas. Todos sabemos que há muitos países que têm uma azia (para ser eufemístico) em relação à forma como foram desbaratados os seus impostos em alguns países do Sul da Europa. Aliás, basta pensarmos na Madeira. Ora, num país como Portugal, com reduções do PIB, com cada vez menos investimento e as vendas da Siemens, Mercedes e outras empresas que tais alemãs, não vejo como explicar a um Klaus do meio da Alemanha que deve pagar mais impostos para dar a Portugal se não forem reforçados os meios de controlo sobre Portugal.

Ps: Relembro que actualmente o BCE tem como 2º responsável o Constâncio. Pelo que para o BCE ter algum peso, é necessário mudar muita muita coisa.

Jose Lapalice disse...

Aliás Paulo, pegando numa frase tua, a situação será melhor para todos, se antes de adoptar novas formas de integração, Portugal, Grécia, Espanha, Itália, Bélgica e outros solucionem os problemas graves que têm com as contas públicas.

Porque mandar mais dinheiro para cima do problema não o resolve. Apenas pode ajudar a ocultar um pouco mais.

Paulo Santos Monteiro disse...

Eu concordo com o Pedro. Creio que o problema na Europa é político, no sentido em que faz falta maior integração política e assumir a importância da solidariedade entre os vários membros da UE. Juntos somos mais fortes e não se trata de um jogo de soma zero, em que uns perdem e outros ganham.

Mas o problema é também de política económica, porque faz falta fugir à recessão. E para o conseguir fazer, é necessário estabelecer metas de médio prazo que, dando margem de manobra para hoje adiar a austeridade, sejam credíveis e sustentáveis.

E Lapalice, a maior história de fadas encantadas é aquela que diz que aumentando os impostos e diminuindo a despesa pública, numa conjuntura em que a política monetária não consegue actuar como contrapeso, o crescimento económico regressa.

Jose Lapalice disse...

Se os governos tivessem agido de forma correcta, ou seja, tendo menores défices orçamentais ou mesmo superavits nos períodos de expansão, agora teriam mais instrumentos para agir.

Adiar a austeridade é um desejo muito bonito. Mas não passa disso mesmo, um desejo. Porque a verdade é que Portugal não consegue criar riqueza para os gastos que tem. E quem lhe emprestava guito, deixou de acreditar na capacidade de receber.

E com a resistência à mudança que existe, pouco mudará nas condições para crescer. Continuando a falar-se em adiar austeridade, que virão os camaradas solidários europeus ao nosso auxílio, então é que não se consegue mudar mesmo nada. É um discurso que só prejudica Portugal.

Pedro Antunes disse...

Lapalice, como deves ter percebido enganei-me no nome. Chama-se a isso "gralha".
Sugiro que olhes para o que o "Klaus" ganha com a solidariedade entre países Europeus. Os alemães e afins não são estúpidos ou limitados. Percebem os desequilíbrios criados. A linguagem do "desbaratar" e do "sul preguiçoso" é usada por políticos mais do que pelo povo alemão.

Jose Lapalice disse...

http://uk.reuters.com/article/2012/02/05/uk-eurozone-idUKTRE8130TL20120205

É exactamente o oposto. Os políticos alemães no poder é que percebem que o melhor é tentar manter o barco unido. Não o "Klaus".