sexta-feira, 9 de novembro de 2012

A liberalizaçao das drogas: Efeitos estáticos, dinamicos, e incertezas



Em relacao ao debate acerca da liberalizaçao das drogas, eu gostaria de adicionar que existem tres perspectivas económicas. Julgo ser impossivel ver a liberalizaçao das drogas como uma estratégia de desenvolvimento, uma vez que a maioria destas tem um impacto negativo na produtividade laboral e ninguém espera que a industria das drogas livres crie muitos empregos. Todavia, pode ser que a liberdade de escolha tenha efeito positivos no bem-estar das pessoas e isso vale a pena analizar.

Eu diria que a perspectiva já discutida é uma visao válida e que foi iniciada há já algumas décadas por Milton Friedman. Actualmente, o professor Jeffrey Miron (de Harvard e Boston University) tem escrito vários estudos e até um livro, donde defende que os EUA poderiam poupar imenso dinheiro com a descriminalizaçao das drogas, poupando em forças policiais, gastos com prisioneiros, e talvez até em gastos de saúde.


Portugal e outros países europeus teriam provavelmente menos beneficios que os sugeridos por Friedman e Miron, uma vez que sao menos duros com os consumidores e existem muito menos prisioneiros associados ao consumo de drogas que nos EUA.

Todavia, a análise de Friedman e Miron ignora externalidades negativas que as drogas tem nos familiares dos utilizadores e na sociedade em geral. Assim, uma segunda perspectiva estudaria o efeito das externalidades negativas das drogas, ademais dos seus efeitos sobre os consumidores e receitas fiscais. A questao é que nós vivemos como famílias e nao só como individuos. O consumo de droga tem um impacto negativo sobre os conjuges, pais, ou filhos dos utilizadores. Outra externalidade negativa é que nao é verdade que os consumidores paguem todos os danos de saúde causados pelas drogas. As sociedades modernas tem todas saúde gratuita ou altamente subsidiada, logo os gastos do estado com a saúde de consumidores de drogas pode ser enorme. Por exemplo, estima-se que nos EUA os sem-abrigo (toxicodependentes ou nao) gastam ao redor de 100,000 dólares por ano do Governo em custos de saúde. Julgo, todavia, que alguns estudos apontam que os efeitos de saúde e de adiçao da maioria das drogas (retirando talvez a heroína e o crack) sao relativamente moderados, logo talvez o custo de saúde das drogas possa ser inferior ao custo dos sem-abrigos.

A liberalizacao mesmo assim poderia ser eficiente se fosse possivel aos familiares prejudicados pagar aos interessados em drogas para nao as consumir. Mas na prática nao existe um contrato que torne isto possivel, dado que os utilizadores de drogas sabem que os familiares sao generosos e dariam-lhe dinheiro outra vez mesmo que violasse o acordo. No caso desta externalidade existir faz sentido restringir o consumo de drogas. Também faz sentido restringir o acesso a drogas caso estas criem vicios e os individuos tenham falta de controle sobre si mesmos (Becker e Murphy, 1991). Mesmo assim, ainda fica a pergunta de qual é a melhor forma de restriçao, uma proibiçao policial ou um imposto muito alto sobre a produçao? Becker e Murphy (2005) concluem que um imposto alto é uma politica mais eficiente e com menos custos que a proibiçao policial, desde que a procura pelo produto seja pouco elástica. Isto porque se a procura é inelástica a proibiçao nao consegue reduzir o consumo, apenas aumentar os gastos policiais.


Agora existe um problema nestes estudos. Nós nao sabemos qual a elasticidade da procura de drogas. Dada a falta de dados é impossivel saber se haveria ou nao muitos consumidores de drogas a aparecerem, caso liberalizássemos as drogas e os preços de compra fossem reduzidos. Por isso, dois professores meus, Charles Manski e John Pepper (2001, 2003), escreveram um relatório dizendo que os dados nos EUA nao permitem dizer se é melhor proibir ou liberalizar as drogas:


É de assinalar que Manski é considerado um dos grandes génios da estatística mundial nos ultimos 100 anos, um gigante entre gigantes, alguém que provou estar 10 anos à frente de todos em pelo menos tres temas diferentes. Manski e Pepper argumentam ademais que além de desconhecermos a elasticidade de preco-procura das drogas, também nao conhecemos a elasticidade social da procura de droga (ou seja, quanto aumentaria o consumo de droga por vermos que os nossos amigos e vizinhos consomem drogas). No caso da elasticidade social ser alta existiria o risco do mundo se tornar uma sociedade de puros toxicodependentes. Dado que o custo de produzir drogas é baixo e o prazer cerebral destas é elevado este é um risco bem real. O relatório de Manski e Pepper conclui assim que o melhor que se pode dizer duma política de liberalizaçao das drogas é que desconhecemos os seus efeitos!

Além disso, falta uma terceira perspectiva sobre o impacto das drogas, os seus efeitos dinamicos, ou seja qual o seu impacto nas geracoes futuras.


O Professor James Heckman (Nobel de Economia) e vários dos seus co-autores estimam que as crianças sao menos apoiadas pelos pais do que seria eficiente. Isto acontece porque os pais das crianças sao muitas vezes preguiçosos e os mercados financeiros nao permitem às crianças pedir dinheiro emprestado e dizer aos pais “Pais, recebam este dinheiro e invistam mais tempo na minha aprendizagem. Eu vou pagar mais tarde quando for adulto e tenha um emprego com salário alto.” Assim, pais negligentes nao apoiam tanto as crianças no seu desenvolvimento. Isto é ainda pior quando temos em conta que uma parte fulcral do desenvolvimento da criança ocorre antes dos tres anos de idade e por isso as falhas dos pais nao podem ser compensadas por melhores infantários e escolas públicas. O custo das crianças nao poderem pedir emprestado para pagar “melhores pais” é elevadissimo. Heckman estima certamente que este problema vale varios pontos percentuais do PIB per capita americano.

Esta terceira perspectiva coloca em relevo outro problema das drogas, os efeitos nas geraçoes futuras. Reparem que mesmo que as drogas tenham pouco impacto na saúde dos consumidores e nos adultos em geral pode muito bem acontecer que a qualidade da aprendizagem das crianças baixe muito por terem pais, educadores de infancia, e professores que consomem drogas. Estes efeitos podem muito bem ser poderosos e nao seriam reversiveis! Se daqui a 10 ou 20 anos vissemos os efeitos negativos das drogas na aprendizagem da próxima geraçao, nenhum programa educativo ou todo o dinheiro do mundo iria corrigir isso.

Dadas estas duas perspectivas adicionais eu diria que sou conservador e nao apoiaria a liberalizaçao das drogas. O impacto da política é demasiado incerto, como apontam Manski e Pepper. E ademais como aponta Heckman a política poderia ter efeitos irreversiveis nas geraçoes futuras! Dada a incerteza, a minha perspectiva subjetiva é que se deveria estudar o caso de cada droga individual e decidir a sua liberalizaçao ou nao com cuidado. Mas claro os estudos económicos sao pouco claros e por isso existe margem para defensores e opositores da liberalizaçao das drogas apresentarem mais dados e melhores estudos.


Carlos Madeira
Economista do Banco Central do Chile
O artigo reflecta meramente a opiniao pessoal do seu autor.

9 comentários:

Joao Madeira disse...

Concordo com a tua perspectiva o melhor seria olhar-se "caso a caso".

No caso da marijuana parece-me que existem bons argumentos para a sua liberalizacao (e talvez com sorte tivesse o efeito de desencorajar consumidores de usarem outros produtos mais nocivos):

http://www.ukcia.org/research/zimmer.php

http://norml.org/marijuana/personal/item/marijuana-decriminalization-its-impact-on-use-2

Paulo Ribeiro disse...

Acho que o sistema português atual é o melhor: descriminalizar o consumo e punir o tráfico.
Chamo também a atenção que há muitas drogas legais com efeitos tão ou mais nocivos em caso de vício (alcool, ansiolíticos, anti-depressivos) só para nomear alguns. e nesses já deverá haver estudos acerca do seu impacto nocivo na sociedade

V. disse...

Mais que uma abordagem económica, eu analiso a questão de um ponto de vista ideológico. E, ideologicamente, sou a favor da liberdade de escolha e não considero o suicídio um crime. Posto isto, acho que quem se quer drogar deve poder fazê-lo. Tem o direito a fazê-lo.
Vivemos como famílias, é certo. Mas isso não se deve sobrepor à liberdade individual, na minha perspectiva. A maioria dos pais preocupa-se quando os filhos saem à noite; muitos deles nem sequer dormem enquanto os seus rebentos não chegam. Deve a diversão nocturna ser proibida?!
Por outro lado, muitos dos problemas sociais tipicamente associados à droga só ocorrem porque as doses têm um preço altíssimo, que baixaria necessariamente com a legalização.

Pedro Antunes disse...

Paulo, não achas hipócrita dizer que podes consumir mas vender é que não? Como é que permites que haja mercado mas proíbes a produção?!

V. totalmente de acordo, apesar de considerar que também existe uma base económica que justificaria a legalização.

José Lapalice disse...

Quem se quiser drogar com o tipo de drogas que entender tem o direito a fazê-lo desde que:
a) o faça num sítio onde não incomode mais ninguém. ou pelo menos não incomode quem não é drogado
b) não me faça a mim pagar despesas com a sua saúde porque anda a consumir todo o tipo de drogas.
c) e o mais importante de todos, que seja adulto e não tenha família a seu cargo. Já chega o vinho para as mulheres e filhos levarem cargas de porrada.

Carlos Madeira disse...

Eu tenho uma visao similar à do Paulo Ribeiro e nao acho que seja hipócrita. Punimos os traficantes porque sao poucos e cometem uma infraçao legal maior. Deixamos os consumidores livres, porque a sua infraçao é menor (podem ser consumidores ocasionais ou de pequenas quantidades) e por isso nao se justifica prender-los todos. Aliás como apontei num artigo anterior, a politica portuguesa parece ter muitos estudos que a apoiam.

http://dinamizarportugal.blogspot.com/2012/11/exemplos-de-boas-politicas-portuguesas.html

Mas admito que os estudos feitos nao sao 100% convincentes. Ou seja, se alguém me desse mais informaçao sobre os efeitos de certas drogas e o seu impacto na educaçao das geraçoes futuras, eu estaria disposto a mudar a minha perspectiva.

Pedro Antunes disse...

Lapalice,

O teu a), de acordo apesar de ser pouco definido.

O teu b), se fores igualmente exigente com o tabaco, álcool, fast-food, obesidade e outras consequências de base comportamental percebo o ponto apesar de não concordar. Senão parece-me um pouco incoerente.
As consequências de custo para os outros de, por exemplo, canabis, é muito limitada (se alguma). O custo para os outros do álcool e da obesidade (não genética) são enormes!

O teu c), adulto, claro, mas o álcool é dado a menores (>16 anos). E como é óbvio repito o comentário em b).

A questão de permitir procura e proibir a oferta não faz sentido. Para além de dar sinais mistos, criminaliza pessoas que simplesmente estão a reagir a um incentivo de mercado que é sancionado pelo Estado.

Há hoje em dia todo um aparato criminoso mundial direccionado para a produção, o tráfico e a distribuição de drogas (sejam leves ou pesadas). O custo social para os Estados produtores decorrentes destas organizações de droga é enorme (México, Colômbia, Afganistão, etc). As rendas que a proibição dá a estas organizações criminosas são gigantescas.

A legalização acabaria, de forma bastante definitiva, com todo este aparato. Claro que nem tudo são rosas. No World Drug Report escrevem que o custo para a saúde rondará os 0,3-0,4% do PIB mundial, mais os efeitos na produtividade de cerca de 0,3-0,9% do PIB [min. 0,6%, máx. 1,3%]. Estes podem ser mitigados com informação e regulação.
No mesmo relatório o custo para a sociedade decorrente de crimes relacionados com droga (burla, roubos - não inclui a luta contra o próprio tráfico) é valorizado em 1,6% do PIB, ao qual se adicionaria os custos relacionados com o controlo fronteiriço e afins. Estes seriam severamente mitigado com a legalização.

José Lapalice disse...

" São um problema de saúde pública. Nunca surgiram tantas drogas novas e lojas para as vender como em 2012. E nem sequer os hospitais sabem ainda como tratar os efeitos secundários que causam.

O número de novas substâncias psicoativas não para de aumentar. Em 2011 foram detetadas 49 (o maior número registado até então). Entre janeiro e esta quinta-feira, já tinham sido descobertas mais 57 - quase uma por semana. Um dos problemas trazidos pelas novas drogas, muitas disponíveis em "smartshops" (lojas de rua), é o tratamento dos efeitos secundários. Nem os hospitais sabem o que fazer aos consumidores que surgem com taquicardia, problemas cardiorrespiratórios, surtos psicóticos ou ataques de pânico. "Temos muito pouco conhecimento científico em relação aos efeitos reais", alertou João Goulão, presidente do Observatório Europeu da Droga e da Toxicodependência (OEDT), durante a apresentação do relatório anual sobre o fenómeno."
http://www.jn.pt/PaginaInicial/Sociedade/Interior.aspx?content_id=2889567

Decerto estas pessoas não são leitores deste blog, pois ainda não perceberam que o caminho a seguir é a legalização das drogas.

Ps: é por ser dificil definir que quem se quiser drogar com o tipo de drogas que entender tem o direito a fazê-lo num sítio onde não incomode mais ninguém, que sou contra a legalização. De uma maneira ou de outra, um drogado de drogas duras causa sempre incómodo (no mínimo).

Pedro Antunes disse...

Lapalice,

1. Quem hoje trabalha nos observatórios de toxicodependência tem, como é normal e compreensível, um enviesamento na sua opinião. Muitos, no entanto, concordam com a solução das salas de "chuto".
2. Vai haver mais e mais drogas desse tipo. E a legislação não vai conseguir acompanhar essa evolução.
3. O facto de um conjunto de pessoas ter uma opinião não é documento. É opinião. Ainda por cima quando dizem ter pouco conhecimento científico em relação aos efeitos reais! :)

Mas vejo um padrão de duplo standard... a definição de drogas duras não é, propriamente, fácil de definir! Uma sala de "chuto" é, como é a privacidade da casa de uma pessoa, ou um café com licença para X.