Mesmo correndo o risco de me tornar na nova Ulrich ou Jonet (apesar do meu apelido ser absolutamente luso), não posso deixar de comentar o vídeo que pretensamente iríamos mostrar aos alemães.
1) É verdade que reduzimos significativamente o analfabetismo. Mas substituimo-lo, em grande parte, pela iliteracia. Pessoalmente, não vejo o grande ganho de balbuciar palavras sem lhes apreender o sentido, mas isso sou eu.
2) Erradicámos os bairros de lata?! Erradicar, sinónimo de desarraigar, significa arrancar pela raiz, destruir radicalmente, extinguir. Aconselho-o a ir ler o dicionário e/ou dar uma voltinha ali pelas bandas da Cova da Moura (a menos que não a considere um bairro de lata dada a presença de tijolos).
3) Aos alemães pouco interessa quanto das nossas importações provêm do país deles; o que lhes é relevante é o peso de Portugal nas suas exportações. Eu não tenho dados numéricos, mas suponho que, no comércio externo deles, seremos... [ai, como é que se diz?...] insignificantes!
4) Quanto ao facto de trabalharmos muito ou pouco, permita-me que sugira que o relevante não é a duração da semana de trabalho, o número de feriados, a idade de reforma ou os dias de férias. O importante é o modo como se trabalha. E nós trabalhamos mal. Alguns por preguiça e laxismo. Porque acham que os empregos servem para ter um telefone de onde se podem fazer chamadas que não se terão de pagar ou que o expediente são horas para estar no Facebook e na internet em geral. Outros por incompetência e falta de sofisticação mental. O carteiro que anda a ziguezaguear, distribuindo a correspondência nos números pares e ímpares alternadamente, não é preguiçoso, simplesmente ainda não descortinou a forma mais eficiente de executar o seu trabalho. O mesmo se aplica ao operário da construção civil que varre contra o vento.
5) A Alemanha foi a primeira a violar as regras de disciplina orçamental concernentes ao défice, é certo. Mas o défice orçamental alemão não era estrutural, antes decorria de um processo de reunificação que obrigou a fazer transferências para a ex-RDA num montante de cerca do PIB português. Contrariamente, os países da Europa do Sul são tradicionalmente indisciplinados. O que está na origem do PEC, imposição dos próprios alemães, que, abdicando de uma moeda forte e traumatizados pelo período hiperinflacionista do pós-Primeira Guerra Mundial, não estavam dispostos a partilhar a mesma unidade monetária com quem tinha grande probabilidade de exercer pressões no sentido da monetarização dos défices orçamentais sem uma garantia (?) de razoável comportamento. Além disso, parece-me muito mal, por princípio, desculpar erros próprios com os alheios.
6) O muro de Berlim caiu em 1989, é uma verdade histórica. Mas, para lá do muro, estava uma economia devastada, onde a iniciativa privada era inexistente. Uma economia que havia sido dirigida pelo mesmo tipo de pensamento que agora nos diz que é possível evitar a austeridade. Obviamente, há sempre alternativas (aparentemente, para a morte é que ainda não encontraram e, mesmo assim, uns estão mais mortos que outros). Na Europa de Leste, existia uma alternativa à economia de mercado, de facto. Tudo depende daquilo que se está disposto a aceitar em troca.
3 comentários:
V.
Eu diria que concordo com o geral do teu artigo. Penso é que também temos de perceber que atingimos muito desde o PREC, apesar de um Estado que se intromete em tudo, apesar de uma constituição pouco adequada à realidade do mundo de hoje, apesar de alguns governantes menos [como bem disseste... ai com é que se diz?...] interessantes! :)
Já agora uma forma engraçada de ver pesos relativos das exportações. Somos maiores do que julgava. Pequenos mas não insignificantes (o que não muda em nada o geral da tua mensagem, claro! :) ). Não verifiquei fontes.
http://www.viewsoftheworld.net/wp-content/uploads/2012/03/GermanyExports1991and2011.jpg
Vera, tomo a liberdade de assumir a difícil mas estimulante tarefa de advogado do diabo para contrapor alguns dos pontos que mencionas (independentemente do que me preocupar no video em causa seja a má qualidade da realização que faz lembrar um vídeo de baixo orçamento dos anos 70 ... esta minha opinião nada tem a ver com a grande valia da iniciativa que muito me apraz).
Indo por pontos:
4) será que o problema é dos trabalhadores ou dos gestores empresariais? Serão os trabalhadores da auto-europa tão diferentes dos restantes?
5) Se não devemos apontar os erros dos outros para desculpar os nossos, também me parece que é um erro fingirmos que nunca ninguém errou ou que ninguém na Europa com competências e inúmeros indicadores estatísticos ignorava que a bolha dos deficits públicos (e principalmente da divida acumulada) estava a aumentar insustentavelmente!
6) É verdade que há sempre alternativas e muitas delas fogem da ética que deveria prevalecer sobre os interesses económicos. Por exemplo, não sei se te recordas mas no mesmo local onde a Chanceler Alemã almoçou recentemente em Portugal (ao que dizem, principescamente, o que acho muito bem), esteve instalada em tempos a tenda de um conhecido e já falecido ditador líbio acompanhado das suas amazonas.
Preferia que neste ponto tivesses feito a comparação com o território nacional com fortes assimetrias regionais e com múltiplos problemas de coesão (é verdade que por culpa dos politicos nacionais mas também regionais)! Mas admito que o meu bairrismo regional possa ter aqui um peso significativo
Nuno,
Respondendo aos teus comentários.
Uma coisa é o facto. Outra coisa é a causa do facto. Eu limitei-me a referir o primeiro - os trabalhadores portugueses são pouco produtivos - sem versar sobre os factores explicativos do mesmo. O que daria para todo um outro post. Mas, já que afloraste o assunto, permite-me mencionar - de modo algum como explicação única ou principal, mas porque sou suspeita - o sistema (des)educativo.
Não ignoro os erros dos outros. Mas mantenho que eles não minimizam nem desculpam os nossos. E é com os nossos que nos devemos preocupar.
Não sei se percebeste qual era a minha ideia do ponto 6. Provavelmente, terei sido muito subtil, mas as minhas palavras dirigiam-se aos pensadores de esquerda que defendem a não austeridade e o rompimento com a troika. Acho que nesse seu discurso deviam explicar que esse é um caminho possível, claro, mas que tem como contrapartida a saída do euro (e, já agora, reflictam sobre as implicações que isso teria). Tal como eu posso ter uma economia estatizada, onde decido centralmente quanto produzir, que preços praticar, que remunerações pagar e tudo mais que houver para determinar. Tenho é de ter noção que isso só funciona num mundo em autarcia, onde acabas a comer enlatados.
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