Em
Portugal todos os Governos prometem sempre privilegiar a reforma da educaçao.
Eu sou um leigo em relacao ao conteúdo destas reformas educacionais, logo posso
nao avaliar a sua importancia correctamente, mas a mim parece-me que muitas das
mudanças educacionais anunciadas pelos sucessivos Ministérios sao propostas
cosméticas e sem substancia. Na disciplina de Matemática discutem-se coisas do
tipo de se a geometria deve fazer parte do currículo de matemática no 6º ano ou
só começar no 7º ano, se a tabuada deve-se aprender pelos dedos ou de cabeça,
se os alunos do 12º ano devem decorar as fórmulas das elipses ou aprender a
derivar-las, se o cálculo matricial deve fazer ou nao parte do liceu... Em
relaçao ao Portugues discute-se se no liceu devemos aprender os poemas do
Fernando Pessoa do inicio ao fim ou se basta ler a primeira e última quadra,
deveremos ler os Maias antes de discutir Eça ou basta ler a introduçao dos Maias
e um resumo de 3 páginas... Para História discute-se se devemos aprender os
nomes de todos os Reis ou se basta o rei Dom Manuel I e os Descobrimentos... Depois
discute-se ainda se é importante que as turmas tenham em média 26 alunos ou
apenas 24 alunos, um assunto dominado pelas discussoes sindicais como um
instrumento para aumentar o número de empregos em vez do seu impacto pedagógico...
Todavia,
pergunto-me se todas estas discussoes curriculares tem alguma importancia
verdadeira. Nunca se veem resultados de estudos estatísticos para as mudanças
propostas na Educaçao, o que indica que o Ministério nao está interessado em
saber o impacto das suas políticas. Por exemplo, as novas propostas poderiam
ser facilmente avaliadas pelo seu impacto em 50 escolas piloto versus um grupo
similar.
O único
padrao comum que consigo ver nestas discussoes é que o Ministério da Educaçao
reduz sucessivamente a exigencia do ensino e o número de matérias a leccionar,
talvez como uma reacçao à universalizaçao do ensino na sociedade. Como a origem
social dos alunos em cada patamar do ensino é hoje mais diversa existe alguma
pressao pedagógica para facilitar a integraçao e aprendizagem dos alunos com
maiores dificuldades. Nao digo que as mudanças curriculares sejam inúteis, mas nao estou a ver em Portugal nenhuma
estratégia em relaçao a que competencias queremos instruir nas futuras geraçoes.
O debate educacional deveria estar dominado pelo ideal que temos para a nossa
sociedade e nao por diferenças curriculares menores ou pelo número de empregos
e salários a dar aos professores. Claro, na prática a sociedade portuguesa é
diversa e por isso temos de privilegiar muitas competencias ao mesmo tempo, mas
isso nao impede que pensemos em que aspectos temos as maiores lacunas e como os
solucionar.
Uma das principais
desvantagens de Portugal é sermos um país de seguidores tecnológicos e nao de líderes.
Por exemplo, Portugal adopta a industria textil e de calcado nos anos 60,
quando era uma indústria já abandonada nos países mais desenvolvidos. Ainda nos
anos 90 Portugal favorecia o ensino politécnico de industrias em declínio e
encomendava ao académico Michael Porter um relatório sobre como promover os
nossos clusters de indústria textil! Isto revela pior visao estratégica que
países mais atrasados que nós, como a Europa de Leste, Chile, ou Argentina. Esta
é uma estratégia de convergencia com Marrocos e nao com EUA, Alemanha ou Japao.
A
educaçao portuguesa deve favorecer as capacidades úteis às tecnologias e
indústrias do futuro. A Matemática e o Ingles sao elementos curriculares
actuais que irao ser sempre úteis às geracoes futuras, pelo que o ensino deve
dedicar-lhes mais horas de estudo. Uma componente ausente do nosso sistema
educacional actual é a programaçao informática. Um exemplo que Portugal poderia
emular é o da Estónia, que está a criar um currículo de programaçao para jovens
desde os 6 anos de idade:
Dado o custo descrescente do poder computacional faz pleno sentido incluir
a tecnologia informática no nosso sistema educativo. A linguagem informática
encoraja por natureza o trabalho de grupo e é suficientemente transversal para
ser útil em todas as ciencias e profissoes. Por outro lado, parece claro que as
principais linguagens informáticas (como o C, Java, e C++) irao ser utilizadas
por várias décadas em adiante, da mesma forma que o cálculo de Newton permanece
actual.
O projecto estónio é bem mais ambicioso e útil que simplesmente distribuir
computadores. O Magalhaes em Portugal é aplicado para ensinar matérias
curriculares que os jovens já aprendiam antes! Ou seja, o Magalhaes realmente
nao ensina nada aos jovens. Talvez haja algum beneficio visual de ver as
matérias no computador em vez de no quadro com giz, mas na verdade é outra
dessas mudanças cosméticas no ensino. Mas o currículo da Estónia nao se trata
de dar computadores e sim de ensinar capacidades novas. Temos assim de passar a
educar os Portugueses para serem criadores e usuários inteligentes das novas
tecnologias, nao apenas consumidores.
Carlos
Madeira
Economista do Banco Central do
Chile
O artigo reflecta meramente a
opiniao pessoal do seu autor.
4 comentários:
Carlos,
As metas curriculares são apenas uma parcela do que é discutido ao nível do sistema da educação. São importantes para percebermos aquilo que os alunos têm de aprender, mas também são importantes para avaliar as escolas e os professores.
É verdade que tem havido, não só em Portugal, uma redução na exigência dos currículos (com a qual discordo) e dos alunos (passar com 9,5 ou com negativas sucessivas é inaceitável seja em que ano for), mas também é verdade que este Ministro parece querer inverter essa questão.
Concordo contigo que temos de ter a educação mais virada para as indústrias de futuro... apesar de não ser futurologista para saber dizer quais são.
Mas não concordo que o problema seja ao nível do ensino obrigatório, que devia ser mais exigente e focar-se nas matérias mais basilares: matemática, línguas, ciência e desporto - tudo o resto são matérias interessantes, que devem ter presença no currículo, mas deviam ter menos presença (horas). Ninguém pode discutir filosofia se nem português sabe falar ou escrever em condições.
Já me parece que a solução da Estónia, na sua essência, pouco mais é do que a discussão de se a tabuada deve ser dada na primeira ou segunda classe... mas como é sobre programação é muito mais sexy! Pode até ser interessante e tornar-se numa parte essencial do currículo, não discuto isso. Mas sem matemática... ou línguas...
Duas observacoes:
1) Considerar-se a disciplina de programacao como secundaria relativamente a matemática e linguas é um erro de perspectiva. Na realidade a disciplina de programacao nao é uma tecnologia e sim uma linguagem. Tem sintaxe, lógica, estructura, argumentos, e um alfabeto proprio. Se verificares como os criadores de códigos se referem ao C e Java, vais ver que eles usam os termos de "language" e "writing", o que é bastante claro. Nao sao tecnologias descartaveis a cada ano como cameras de filmar ou computadores, mas sim linguagens vivas e em mutacao permanente. Como as linguas, a estructura base desta linguagem muda pouco de década para década. Mas claro os textos mudam! Da mesma forma que os jornais de hoje tem artigos diferentes de há uma década atrás.
Isto torna que o C e Java nao sejam habilidades que se deterioram rapidamente como tecnologias especificas, logo é uma vantagem aprender-las. Na realidade o mundo inteiro ao teu redor fala C e Java, sem que tu te apercebas. Qual é a língua mais comum em Wall Street? O ingles? Nao, é o C. Em todas as apresentacoes que vi de bancos como Morgan Stanley e Goldman Sachs eles destacavam uma coisa. Entre eles podia-se falar chines, alemao, russo, ingles, mongol... mas havia uma lingua comum a todos, o C! Sem o C é impossivel gerir um banco ou instituicao financeira com uma arquitectura complexa e cujos investimentos mudam de minuto a minuto.
O problema da disciplina de programacao em Portugal é justamente ver a disciplina como uma tecnologia. Por isso, o tipico informático portugues é alguém que simplesmente instala antivirus, programas, e outras coisas que foram criadas por outros e nao por ele. É uma perspectiva de educaçao informatica para consumidores de tecnologias e nao para criadores!
Que permitiu à IBM, Bill Gates, Steve Jobs, Yahoo, Amazon e Google, criarem todos os seus productos, compativeis, mas autónomos entre si? É simples, foi a linguagem comum do C, Fortran e Java.
Porque é tao importante aprender o C o mais cedo possivel? Pelos mesmos motivos que é importante aprender linguas e matemática de jovem. Estas linguagens de programacao tem uma lógica e sintaxe propria. Quem as aprende aos 23 anos tem muito mais dificuldade que quem aprende aos 12 e nunca vai ser uma pessoa que "respira" a linguagem, o que impede as pessoas de serem autenticos criadores.
Em todas as ciencias quantitativas os melhores investigadores utilizam C. Porque? A maioria das pessoas nao sabe aproveitar o verdadeiro potencial da programacao. Nos escritorios de Portugal muitas vezes existem dezenas de pessoas a trabalhar um mes inteiro a fazer tarefas repetitivas. Isto é um obvio desperdicio de produtividade, porque saber escrever um loop em C faria em 1 dia o trabalho de todos estes funcionarios dum mes inteiro.
2)Em relacao ao Nuno Crato no Ministerio da Educacao, julgo que ele teve já algumas boas iniciativas como incluir demonstracoes básicas e simples de matemática no ensino obrigatório.
Mas eu acredito que ainda existem poucas evidencias da eficacia das suas iniciativas. Aliás, até se lhe podem apontar alguns erros estratégicos. Ao inicio do seu mandato falou que a Parque Escolar tinha derrapagens de mais de 300% do orçamento e que estava a considerar um processo legal contra os responsáveis, mas uns dias mais tarde teve de admitir que errou nas contas e a derrapagem era só de uns 17%, algo relativamente normal em projectos públicos!
A ministra do Governo anterior, a Maria Lurdes Rodrigues, por acaso até tem 2 provas bastante boas do valor das suas iniciativas. Portugal no PISA 2006 fez um pouco melhor que em 2003 e 2000. No final do mandato de Lurdes Rodrigues o PISA 2009 mostrou ganhos enormes no ensino de Matemática e Portugues, colocando Portugal quase ao nivel da média europeia! Estes sao estudos neutros e que favorecem bem o trabalho da ministra anterior.
Em relaçao ao Nuno Crato mantenho o espirito aberto. Falta analisar ainda o PISA 2012 e depois esperar pelo PISA 2015. Esperemos que esses estudos mostrem bons resultados!
Ah, um outro ponto. Concordo contigo que um nao deve ser "futurologista" em relacao às industrias do futuro. Mas eu também nao faço futurologia no meu artigo, nem tento dizer se as proximas industrias de ponta vao ser biotecnologia, quimica, nano-robótica, etc.
Mas uma coisa posso dizer. Nao sei quais vao ser as tecnologias e industrias do futuro, mas estou razoavelmente certo que irao ter estas caracteristicas:
1) vao usar cálculo de Newton (século 18) e possivelmente a mecanica quantica (século 20)
2) vao usar programacao C e Java (uma vez que todas as ciencias actuais utilizam estas linguas e é dificil pensar que vao ser substituidas rapidamente)
3) os artigos e manuais académicos-cientificos vao estar escritos em ingles, a lingua franca dos cientistas de hoje.
Nao é necessário ser Futurologista para chegar a estas conclusoes. Uma boa parte das habilidades essenciais do mundo de hoje poderiam ter sido previstas por Newton ou por Edison. Por exemplo, a gramática e escrita com pontuacao e regras apropriadas foi algo que só se desenvolveu entre o século 13 e 16. A escrita antes do século 13 era muito mais complicada e só escribas altamente treinados poderiam aprender-la. Mas aposto que os inovadores gramaticais do século 16 viram imediatamente que era uma inovacao a perdurar séculos.
A Coreia do Sul e o Japao tem industrias de alta tecnologia hoje, porque se focaram em aprender bem os principios de matemática e da ciencia aplicada (como a eletricidade e a radiacao). Apesar do mundo evoluir muito rápido em tecnologia, as habilidades e conhecimentos base disso tudo tem uma persistencia muito grande.
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