quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

"Desestatizar"*

O programa de privatizações surge no memorando da ‘troika' como um dos pontos do capítulo dedicado às medidas orçamentais estruturais, tendo "como objectivo uma antecipação de receitas de cerca de 5,5 mil milhões de euros". Por isso, à pergunta "Concorda com a política de privatizações deste governo?" eu respondo com outra interrogação: "O governo tem uma?". Já Adam Smith fazia notar que a venda de terras da Coroa podia ser útil para a redução da dívida. A ideia é a de que se as empresas públicas têm uma rentabilidade inferior à taxa de juro da dívida pública, mais vale vendê-las e usar a receita para amortizar dívida. É nesta linha de raciocínio que se insere o plano de privatizações. Repito: o plano de privatizações. Chamar-lhe política implicaria que se partisse de princípios ideológicos e se fizesse uma análise casuística baseada em questões estratégicas. 
A questão das privatizações não pode ser dissociada da do papel do Estado na economia. Como liberal que me confesso, sou adepta da propriedade privada dos meios de produção. Como economista que sou, não ignoro a existência de bens públicos e de clube, externalidades e monopólios naturais. Portanto, privatize-se, mas sem cair na tentação de tornar as empresas mais apetecíveis - nomeadamente, desobrigando-as do serviço universal - e definindo claramente como serão financiados esses serviços. Privatize-se e garanta-se a existência de efectivos mecanismos de regulação que impeçam abusos de poder de mercado. Privatize-se escolhendo compradores que se constituam como parceiros estratégicos, proporcionem ganhos de eficiência e se comprometam com o aumento da competitividade do país. Privatize-se sem pressa, porque este estado de necessidade em que nos apresentamos desvaloriza os activos que temos para vender, e use-se as receitas geradas para reduzir o ‘stock' de dívida. E, claro, faça-se tudo isto com rigor, transparência e na máxima prossecução do interesse público.

* Artigo publicado no Diário Económico de 03.01.2013

1 comentário:

Pedro Antunes disse...

V.,

Perfeitamente de acordo, mas a questão da pressa não depende só de nós.