Ontem o programa "Prós e Contras" foi dedicado ao assunto da Geração Parva. Como o sono tem prioridade, só hoje vi em podcast o mesmo. Bem espremido, aquilo não deu muito, aliás como é apanágio do programa. Por defeito, foquei-me nas palavras de um dos convidados, o director da Nova School of Business and Economics (Nova SBE, não confundir com nova BSE).
Quase no fim do programa enunciou três factores (de facto foram 4, mas o último considero que seja menor) que levam a esta precaridade dos jovens. Nada de novo ele disse, mas ao menos teve a grande vantagem de ter sido feito de forma clara, pausada e em sequência. Ideias para a resolução de cada um deles dá para fazer uns 100 Prós e Contras. Citando, foi mais ou menos isto:
"Eu acho que a situação que a juventude vive (....) não é um produto de falta de intervenção do Estado, mas é um produto de excesso de intervenção do Estado. Cito quatro aspectos do excesso de intervenção do Estado. Um é um mercado de trabalho extremamente anquilosado. (....) Segundo é um mercado de habitação para arrendamento que não existe, que dificulta a mobilidade regional dos jovens e que dificulta a saida dos jovens da casa dos pais. Não é razoável que a primeira casa tenha de ser comprada. Em todo o mundo a primeira casa é uma casa alugada. (....) Devem exigir a redução dos custos laborais que não são salariais, devem exigir a redução das contribuições das entidades patronais para a segurança social"
Mas, praticamente no início, houve ali uma linha de raciocínio que sinceramente me escapou. Primeiro a citação, e depois algumas dúvidas:
"Não devemos entender que qualquer formação em qualquer escola nos deve dar direito ao exercício de uma profissão para a qual aparentemente estamos qualificados. Eu acho que os jovens têm de se habituar a desempenhar funções que não correspondem necessariamente à sua licenciatura. A licenciatura tem de ser encarada como uma formação genérica, como uma formação que nos dá aptidões para fazer várias coisas. (....) Eu vivi uns anos nos EUA e os vendedores de carros tinham sempre um curso superior. Isto não é mau, a sociedade é melhor assim. Pessoas mais educadas tornam-nos todos mais produtivos, tornam uma sociedade mais agradável de se viver. O que não devemos é associar o facto de eu ter o curso A, na escola Z, a algum direito de exercer necessariamente alguma profissão nessa área. Porque ao fim e ao cabo, as pessoas escolhem os cursos com total liberdade, o Estado paga os cursos que as pessoas escolhem com a mesma generosidade. Não se pode é forçar as pessoas a empregarem as pessoas que de facto não têm as aptidões que o mercado requere."
Portanto, se eu percebo bem, o que ele advoga é que se ande a estudar 15 anos, para no fim se ter uma formação "genérica"?? E eu que pensava que alguém ao escolher medicina se estava a especializar numa área. E quem diz medicina, diz física, literatura inglesa, engenheiro agrónomo, etc. Qual a racionalidade económica de um Estado investir dinheiro em universidades, de modo a dar formação especializada aos estudantes, se depois eles (ou pelo menos a maioria) não forem trabalhar para essa área. Imagine-se por exemplo o desperdício que não seria se dos 180 ou 200 alunos que todos os anos entram para Economia na faculdade deste reitor (que aparentemente não tem problemas de empregabilidade, se bem que me dava jeito saber qual a mediana salarial), só uns 20 ou 30 acabem por de facto vir a trabalhar em funções relacionadas com Economia. Tendo os restantes de desempenhar funções em auditoras, na parte comercial de bancos, enfim, num contexto onde as curvas da procura e da oferta, assim como pontos de equilíbrio não são propriamente usadas no dia a dia. A mim palpita-me a um grande desperdício de recursos escassos, se no final de uma licenciatura ou mestrado, a pessoa não tenha oportunidade de trabalhar na área para a qual estudou. Se essa situação é persistente e recorrente, então que se acabe ou reduza drasticamente as vagas nesses cursos. Agora defender "formação genérica" ao nível do ensino superior soa-me ao eduquês da formação com base em competências....
Ps: Para vos poupar uma ida ao dicionário, anquilosado significa atrofiado.
2 comentários:
Há uns anos atrás, estive envolvida no debate sobre a transição para Bolonha. Na minha Universidade, queria adoptar-se um modelo de "educação geral" que consistia, resumidamente, em permitir que os alunos, no primeiro ano, fizessem as cadeiras que lhe aprouvessem. Eu defendi ferozmente (e com custos profissionais) a posição contrária. Não por qualquer querela pessoal, mas porque tenho a firme convicção de que, à medida que o conhecimento aumenta, a necessidade de especialização é maior. No mundo de hoje, parece-me virtualmente impossível termos Leonardos da Vinci. E comparo os cursos de "banda larga" aos patos, que andam, nadam e voam, mas fazem tudo sem graciosidade e desajeitamente. Por isso, custa-me que o senhor Director da FEUNL (ainda não me habituei à BSE, perdão, SBE) leve o modelo de signalling tão à letra.
P.S. - Não devias poupar a ida ao dicionário, que é um bom exercício (não a ida em si, mas a consulta); infelizmente, a geração que agora se diz parva foi-o quando não percebeu que quanto mais lhe simplificassem a vida na escola, mais difícil ela iria ser no mundo do trabalho.
Bom tema de discussão, que me é muito caro por algumas posições que tomei no passado enquanto dirigente associativo (claramente desalinhado)...
Obrigado por me poupares a ida ao diccionário.
Devo fazer uma correcção. O Dr. Ferreira Machado é Director da Faculdade e não reitor da Universidade.
Não vi mais do que 5 minutos do programa. Para já o modelo do mesmo enerva-me e o estilo da apresentadora não me atrai.
Concordo contigo e com a V.. Se a faculdade é uma escola genérica para "patos bravos", porque não há apenas um curso para todos? Acabava-se com a palhaçada de cursos que existem por aí e todos tinham a mesma formação.... (um disparate, embora muitos cursos também o sejam)
Penso que o Dr. Ferreira Machado quereria dizer que os jovens que saem de um curso e não encontram logo colocação nas suas àreas de estudo, deverão ter a humildade de serem activos socialmente e abraçarem àreas similares. (coisa que a maioria dos licenciados em Economia já faz, há muitos anos)
Concordo que a Faculdade tem como objectivo principal moldar a forma de pensar, de formular problemas e encontrar soluções. Mas tem de ser mais do que isso. Nas inúmeras discussões que tive enquanto membro da Associação e do Conselho Pedagógico, defendi que a Faculdade deve preparar mais os jovens para o mercado de trabalho, deve dar formação em empreendedorismo, deve leccionar módulos de comunicação oral, escrita e negociação.
A barreira entre o conhecimento teórico e a prática deve ser encurtada e sou partidário de uma maior interferência das Universidades nas empresas (e nas instituições) e destas nas Universidades.
O nosso modelo de ensino tem lacunas e com Bolonha, essas falhas ainda aumentaram.
Temos um Estado que não é regulador e Universidades que adoram ter muitas vagas para ganharem muito dinheiro das propinas e empregarem muitos professores. Só assim se explica que existam tantos licenciados em Direito todos os anos!
Este modelo não é sustentável. Primeiro tivemos Institutos Politécnicos a preparar técnicos qualificados, e agora até dão Mestrados(!!!?!?!?)
Há qualquer coisa de errado na estratégia de ensino superior em Portugal que é preciso discutir e melhorar. Cada vez temos mais licenciados (com Bolonha, não admira), mais Mestres e mais Doutores. Mas depois ficam a fazer trabalhos técnicos, o que é inglório.
Não me parece sustentável termos canalizadores Doutores ou varredores de ruas Mestres...
ps: também gostava de saber qual a mediana de salários. Haverá algum estudo sobre isso?
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