quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Não há prendas grátis

Almoços grátis, ou neste caso, prendas grátis é algo que não existe. Mas nestes últimos dias tem-se assistido a um desfilar de opiniões em sentido contrário. Altos intervenientes políticos portugueses têm dito que receber prendas é algo normal e que não minora em nada a honestidade de quem recebe por causa disso. Nada disto constitui surpresa relativamente à maneira de pensar e de agir de quem emitiu estas opiniões. Todos nós sabemos qual a sua perspectiva de ética.

Surpreendente é assumir publicamente a posição, em frente a um tribunal, de que é normal e aceitável que se recebam prendas de clientes ou fornecedores. Quer sejam robalos, galinhas, garrafas de vinhos raros ou relógios suíços. Mas é notória a preocupação que todos revelam em aceitar as prendas de modo a não serem percebidos como rudes. Maior mesmo do que a preocupação de poderem ser apercebidos como pessoas passíveis de serem influenciadas (leia-se compradas). A questão que eu coloco é a seguinte: quem aceita um relógio suíço ou um vinho raro como prenda, onde traça a linha sobre o que não aceita? Porque todos nós sabemos que prendas deste valor não se oferecem….trocam-se. Uma empresa tem por objectivo o lucro, logo para uma empresa dar prendas a pessoas influentes não pode ser uma oferta, mas antes um investimento.

Lembro-me perfeitamente de no meu primeiro trabalho, numa multinacional de serviços financeiros, terem enfatizado inúmeras vezes a impossibilidade de nós como funcionários aceitarmos prendas da parte de clientes. No máximo, poder-se-iam aceitar brindes como canetas baratas, um porta-chaves, enfim, merchandising de muito baixo valor (no máximo dos máximos no valor de 50 Eur). Todavia acredito que para muitos seja extremamente complicado dizer a alguém: “agradeço o gesto, mas não posso aceitar a sua oferta”. Mas é compreensível…..para um grego, ou um italiano, ou um sul americano. Povos mais cautelosos como os do Centro e Norte da Europa não acreditam que haja quem ofereça algo a alguém no valor de digamos 500Eur sem esperar nada em troca. O que é normal é “dar e receber”, não “receber por cortesia”.

Ps: Para quem viva no mundo da lua e não saiba do que se está a falar, pode ver estas "palestras" sobre o acto socialmente aceite de receber prendas de parceiros de negócios aqui, ou aqui.

2 comentários:

Zé das Couves disse...

Sabes, o problema é cultural e histórico, e demora muito tempo a mudar. Experimenta dizer a um autarca que não pode receber as caixas de vinho e os bacalhaus que lhe oferecem? Vai-te chamar maluco! Até porque o autarca vizinho aceita e até escolhe as marcas das ofertas...
A liberdade é inimiga do rigor e da ética.
Mas nunca imaginei que algumas pessoas conseguissem vir a publico e perante a justiça tais barbaridades. A não ser que tenham telhados de vidro, o que seria altamente provavel dado estarmos em Portugal!

José La Palice disse...

Até há não muito tempo, a infidelidade matrimonial por parte do homem também era perfeitamente aceite no nosso contexto histórico e cultural. Se isso mudou, acho que a questão das prendas é bem mais fácil de mudar.
Se eu oferecer uma prenda a um polícia que me quer multar ou um juíz que me quer condenar posso estar metido num grande molho de bróculos. Mas p.ex. um presidente de uma empresa pública aceitar prendas de um cliente e/ou fornecedor já está tudo bem?? Ah, vão apanhar morangos. Aceitar uma prenda valiosa é apenas um apalpar de terreno para que quem oferece já sabe qual a "ética" daquele indivíduo.
A expressão em público por estes indivíduos de algo que todos sabemos que é prática corrente, é apenas mais um degrau percorrido no sentido descendente quanto ao combate à corrupção.