Nos países Anglo-Saxónicos o Euro parece-me ser visto de
forma bastante negativa. Muitos veêm o Euro como uma instituição que limita o
dinamismo das economias que o adoptaram. À tabela 1 em baixo desmente essa
ideia. Sim, é verdade que até à Grande Recessão a Islândia, o Reino Unido e os
EUA cresceram mais do que a maioria dos países da zona do Euro, mas também era
esse o caso antes da adopção do Euro.
Tabela 1: Taxas médias de crescimento anuais do produto
em percentagem
Também é verdade que o país que mais cresceu nesse
período foi a Irlanda, um dos membros do Euro. A Holanda, outro membro do Euro
tambem teve um bom desempenho. O que explica então a falta de dinamismo das
economias que pertencem ao Euro? Eu penso que a explicação está sobretudo em
regulação escessiva que resulta num obstáculo ao crescimento económico. Um caso
paradigmático é o do mercado laboral. A tabela 2 mostra uma medida de protecção
laboral para os países da OCDE e parece confirmar a hipótese de um efeito
negativo no crescimento económico de regulação laboral excessiva. As únicas
economias que conseguiram ter taxas de crescimento robustas de forma sustentada
(a Grécia e Espanha conseguiram-o mas apenas durante um período relativamente
curto) são justamente aquelas que têm menor regulação do mercado laboral
(Islândia, Irlanda, Reino Unido, EUA e Holanda).
Será coincidência? Penso que não. Excessiva protecção
laboral limita o crescimento da produtividade (limitando por exemplo a
deslocação de trabalhadores para actividades onde sejam mais úteis) e desencoraja
o investimento (a criação de uma empresa tem sempre um risco significativo, se
o investidor sabe que mais tarde não pode voltar atrás então pode muito bem
decidir não o fazer).
Para além da excessiva regulação laboral ser um obstáculo
sério ao potencial económico de longo prazo de muitos dos países do Euro eu
penso que (ao contrário do Euro) também desempenhou um papel muito importante
por detrás da situação verdadeiramente trágica que vários dos países da
periferia do Euro se encontram hoje. A figura 1 mostra-nos como as taxas de
desemprego dos países da periferia aumentaram de forma dramática após a Grande Recessão.
Como vimos na tabela 1, a Islândia e Irlanda sofreram tanto como a Grécia em
termos de redução do produto. Em termos de perda do produto o Reino Unido foi
afectado de forma semelhante a Espanha, Itália e Portugal. Mas podemos ver na
figura 1 que em termos de aumento do desemprego as economias destes países
responderam de forma bastanta diferente. Em 2011 a taxa de desemprego da
Islândia foi de 7%, a da Irlanda foi de 14% e a da Grécia 18%. No mesmo ano,
Reino Unido, Espanha, Itália e Portugal tiveram taxas de desemprego de 8%, 22%,
8% e 13% respectivamente. Será coincidência que os dois países (Espanha e
Grécia) que têm mercados laborais mais rigídos são precisamente os mesmos que
sofrem de maior desemprego? Por outro lado, dos países com mercados laborais
menos regulados apenas a Irlanda enfrenta uma das taxas de desemprego mais
elevadas (dos países mais regulados apenas a Itália não teve um aumento
dramático). Apesar do desemprego na Islândia e Reino Unido ter aumentado, não
atingiu os níveis dos países que sofreram de forma similar em termos de redução
do produto.
O que poderá explicar isto? Um estudo recente de Robert
Shimer (2012) indica que o aumento dos números de desemprego é explicado
sobretudo pela diminuição de contratações de trabalhadores e não pelo aumento
dos despedimentos. Ou seja, a excessiva legislação laboral pode contribuir para
o aumento do desemprego numa recessão pois os efeitos negativos em termos de
redução de novas contratações superam os efeitos positivos em termos de redução
de despedimentos.
A excessiva regulação contribuiu também de outra forma
para a amplificação dos efeitos da recessão nos países da periferia (para
aqueles interessados em evidência “anedótica” sugiro a leitura do blog do John
Cochrane que descreve as situações difíceis que empresas enfrentam em países da
periferia). Olhemos para a tabela 3 que nos mostra a proporção de empresas por
dimensão (medida em termos de número de trabalhadores) em várias economias
europeias.
Podemos ver, que exceptuando a Irlanda (e também, até um
certo ponto, Portugal), os países da periferia do Euro têm uma proporção muito
inferior de médias e grandes empresas em relação aos outros países europeus (o
que provavelmente indica, que regulações excessivas, dificultão a expansão das
empresas a partir de uma certa dimensão, e/ou a regulação protege as actuais
grandes empresas de novos competidores). Como pode isto explicar que a
periferia do Euro tenha sido afectada de forma mais intensa pela Grande
Recessão? A contração da disponibilidade de crédito tem sido a característica
determinante da Grande Recessão. Ora, são justamente as pequenas empresas que
mais necessitam do acesso ao crédito e mais afectadas são pelos ciclos
económicos (veja-se, por exemplo, o estudo de Gertler e Gilchrist, 1994). Economias
que têm uma maior proporção de pequenas empresas são portanto mais vulneráveis
a contracções de crédito. As empresas de menor dimensão também exportam menos
(na UE apenas 8% das pequenas e médias empresas exportam enquanto 28% das
grandes empresas exportam) e por isso reduzir os obstáculos que impedem as
empresas de expandir o seu negócio também ajudaria estes países a exportar
mais.
João Madeira
Universidade de Exeter
Referências:
Os dados para as tabelas 1, 2 e figuras 1 podem ser
obtidos no website da OCDE: http://stats.oecd.org/
Os dados da tabela 3 podem ser obtidos do website da CE:
Gertler,
Mark & Gilchrist, Simon (1994). "Monetary Policy, Business Cycles, and
the Behavior of Small Manufacturing Firms," The Quarterly Journal of
Economics, vol. 109(2), pages 309-40, May.
Shimer,
Robert (2012). "Reassessing the Ins and Outs of Unemployment," Review
of Economic Dynamics, vol. 15(2), pages 127-148, April.
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