segunda-feira, 3 de setembro de 2012

Vêm aí os bárbaros

Vêm aí os bárbaros (A troika)


“ – Porque motivo não estão os nossos deputados a discutir novas leis e projectos?
– Porque vêm aí os bárbaros. Agora vão ser eles a governar e legislar.
– E que fazem os nossos governantes bem vestidos, esperando às portas da cidade?
– Vem aí os bárbaros e eles gostam de boas recepções.
– E agora porque estão os políticos a abandonar a praca?
– Afinal os bárbaros não chegaram. Que pena. Infelizmente, eles eram uma solução para os nossos problemas.”  Adaptado de um poema de Cavafy


Faz pouco mais de um ano que Portugal recebeu uma equipa de técnicos estrangeiros, representando a Comissao Europeia, FMI, e BCE. Esta “troika” propôs a Portugal um pacote de ajuda financeiro a câmbio de diversas reformas económicas e cortes orçamentais. Um pedido de ajuda a instituições estrangeiras não é o ponto alto duma comunidade com séculos de história, logo este é um momento que oferece reflexão. Talvez o ponto principal é que, tal como outras civilizações do passado, Portugal não tem a sua imortalidade assegurada. Os mil anos de Império nao garantiram a Roma uma vitória sobre invasores bem menos avançados. O Império Romano Ocidental teria uma população estimada de 22 milhões de habitantes e estes terminaram ocupados por cerca de meio milhão de bárbaros de origem germânica.

Eu não cesso de pensar que o caso português actual tem algumas similaridades com o Declínio do Império Romano, que tanto fascina os apaixonados da história clássica. Não sofremos o risco duma invasão militar, mas bem pode ocorrer que caiamos ao nível de uma mera colónia de férias. Há um risco de declínio económico e todas as consequências disso. Urge repensar Portugal a varios níveis – a nível das empresas e mercado de trabalho, da educação, do papel do Estado como prestador de servicos básicos, a nível da tributação fiscal e justiça social, e talvez até mesmo da nossa imagem internacional e doméstica como um país de novos desafios. Fazer o contrario é aceitar o declínio de Portugal.

Recordemos que menos de um século antes do ultimo imperador romano ninguém acreditava plausivelmente que esta fosse uma civilização perto do fim. Para os romanos em 370 imaginar que haveria godos a invadir Roma seria como pensar nos dias de hoje que a Costa Rica iria invadir os Estados Unidos e tomar Washington, um absurdo completo. Esta incredulidade está bem patente na obra mestre de Santo Agostinho, “A cidade de Deus”, escrita numa altura em que alguns romanos já conseguiam efectivamente vislumbrar o fim. Santo Agostinho propôs nessa obra que Roma, o cristianismo e a Igreja Católica iriam sobreviver ao fim do Império. Roma na realidade não caiu frente a um grupo de guerreiros estrangeiros, mas sim porque as suas instituições estavam falhadas. No final do Império em 460, os supostos invasores godos tinham adoptado os costumes romanos e a religião crista, e serviam como soldados no exército Imperial, mas decidiram revoltar-se e dividir o Império entre si devido a salários em atraso! O Imperio Ocidental tinha desde há muito tempo estrondosos défices orçamentais, hiper-inflação, e défices comerciais com o Oriente mais desenvolvido. O Império Oriental salvou as províncias lucrativas na Grécia e Egipto, mas abandonou a Roma deficitária à sua sorte. Lembra algumas das propostas actuais para dividir a zona euro, não?

Tal como Portugal, os romanos tiveram bastante sucesso com jurisprudência legal, obras públicas, e redes de transporte. O sumo pontífice romano, antepassado do actual Papa, era um inaugurador de pontes! Os fracassos romanos eram os défices orçamentais destinados a agradar aos funcionários públicos, soldados imperiais, e ao povo que gostava de pão e circo. Para solucionar um problema orçamental persistente tomaram-se duas medidas: uma, desvalorizar a moeda, e a segunda, limitar as liberdades laborais. A segunda medida abria o inicío do feudalismo muito antes das invasões bárbaras, impondo que cada trabalhador deveria seguir a profissão dos pais e criando todo o tipo de regulações de preços e salários. A Roma em queda já não era a vibrante economia de mercado dos tempos de Augusto, mas sim uma ditadura soviética.

Portugal tem todavia várias vantagens que os Romanos nao possuíam. A primeira é sermos uma democracia representativa. Isto implica que a comunidade pode mudar políticas falhadas. Ao contrário de muitos, nao me parece que os portugueses tenham políticos pouco capacitados. As nossas políticas de desperdício só existem por apoio popular, nao por imposição totalitária. A segunda é sermos um país aberto à Europa e ao Mundo, e assim devemos continuar a ser. Seria um erro rejeitar as ofertas de ajuda dos nossos parceiros, representadas pela troika, por um grito mítico de “orgulhosamente sós”. Todas as soluções viáveis para o nosso país passam pela integração internacional. Em terceiro lugar, a lição histórica de Roma diz que desvalorizar a moeda é claramente mau a longo prazo! Uma desvalorização monetária poderia aumentar temporariamente as exportações, mas não irá ser a solução permanente para problemas orçamentais e económicos de longo prazo. Estarmos na moeda única impede que soframos crises monetárias do tipo imperial ou dos tempos do escudo.

Finalmente, a história imperial aponta aos dois principais factores que Portugal deve melhorar para sairmos da crise. O primeiro é reformar o papel do Estado, reduzindo este a serviços públicos mais eficientes e a uma tributação mais leve e eficaz. A segunda lição é nao repetir o sistema feudal de regulação para tudo e asfixiamento do mercado laboral. Todas as comparações internacionais disponíveis indicam que Portugal é um dos países com  legislação laboral mais pesada, e que impede a destruição e criação eficaz de emprego. Esta será a matéria dos meus próximos artigos.


Carlos Madeira
Economista do Banco Central do Chile
O artigo reflecte meramente a opinião pessoal do seu autor.

3 comentários:

José Lapalice disse...

Há aqui um frase interessante no texto que me chamou particularmente a atenção:
" Ao contrário de muitos, nao me parece que os portugueses tenham políticos pouco capacitados. As nossas políticas de desperdício só existem por apoio popular, nao por imposição totalitária.".

Em primeiro lugar, devo dizer que pertenço à maioria e considero que temos políticos pouco capacitados para fazer o melhor pelo país. Um país que tem 3 bancarrotas em 30 anos não pode ter tido só azar.
Em segundo lugar, é verdade que muito do desperdício é fruto das pressões de grupos de interesse digamos popular, focados nos seus direitos adquiridos e benefícios egoístas.
Mas, há sempre um mas, há também significativo desperdício que é fruto das pressões da banca e do lobbie da construção de obras públicas por exemplo, que estou seguro que desde há muitos anos para cá não têm assim tanto apoio popular como isso. Não é que Portugal seja um regime totalitário, mas está muito longe de ser uma democracia sem defeitos. Basta notar como são escolhidos os candidatos a deputados, que por sua vez irão ser votados e posteriormente eleger um primeiro-ministro. Há sistemas melhores do que o português.

Jose Lapalice disse...

Nunca é demais partilhar este vídeo que dá uma visão bastante clara da qualidade dos políticos portugueses: http://www.youtube.com/watch?v=4PDcJH8l58M .

Nuno Vaz da Silva disse...

A minha primeira apreciação sobre o artigo foi de concordância total, excepto no que diz respeito à capacidade dos politicos portugueses. É dificil dar boa nota aos politicos dos ultimos 35 anos quando o nosso país tarda em se desenvolver e em alcançar as médias da UE. Mas também concordo que grande parte da culpa se deve aos eleitores.

Para não ser injusto, prefiro pensar que a culpa é do sistema de incentivos perversos que favorece e tolera fenómenos como a corrupção, o absentismo e a existência de àcaros politicos como as Jotas, as Maçonarias e outros Grupos de interesse