sexta-feira, 28 de setembro de 2012

A fraqueza da tese de que Portugal é um país especialmente corrupto: uma estimativa do valor máximo da corrupcao no PIB



Estimados, depois de ver a evidencia de corrupcao que me enviaram, incluindo um debate televisivo do Paulo Morais, Tiago Guerreiro e Armando Pereira, tenho algumas criticas a forma como se defende que em Portugal a corrupcao está por toda a parte. Existem 5 vicios básicos de lógica na forma de defesa da importancia da corrupcao:

1) Discussao enviesada. Os proponentes da tese de corrupcao comecam por diabolizar a honestidade dos oponentes (ausentes do debate). Ora, a partir daí nao existe debate sério. Aqui o jornalista moderador tem culpas, porque deveria ter convidado defensores do oposto antes de organizar o debate. Os debates desportivos sao modelos de isencao a comparar com este circo, porque ao menos tem adeptos de todos os tres grandes!

2) Os comentadores defendem e atacam o contrario, logo nao estao a debater uma tese. Esta degeneracao lógica extrema, que Aristóteles definiu há mais de 2000 anos, implica que o debate se resume a farpas para o ar. Exemplo disto: "A implica Corrupcao." "Nao-A implica Corrupcao." Estes dois pressupuestos juntos definem "Tudo implica Corrupcao."

Os comentadores fazem isto repetidamente: "Existem politicos que nunca trabalharam fora da politica. Sao membros das jotas e corruptos. (...) Politicos pouco serios vem do sector privado ou saem para o sector privado depois de ter estado no público, como ve." "Roubamos dos pobres para dar aos ricos. E além disso, os pobres nao pagam IRS e é a classe média alta que paga tudo." "Existem muitos casos de justica que mostram que existe corrupcao. E ademais muitos dos casos de corrupcao nao chegam a justica."

3) Os comentadores querem ganhar o debate nao pela qualidade e forca dos argumentos, mas pela multiplicidade destes. Nao referem a revelancia dos factos apresentados.

Um resumo dos comentarios: "Sao corruptos, mentirosos. Um sistema feudal. Existem muitas PPPs. (...) E a grande divida pública que se paga em Portugal? Isto é corrupcao! (...) A corrupcao nunca saiu do país. Estava aqui com o Cavaco, Guterres, Barroso, Sócrates e Passos. Muitos tem saudades de Salazar. (...) Roubam dos pobres para dar aos ricos. E ainda é a classe média alta que paga tudo. A corrupcao afecta Governo, oposicao, assembleia, os juizes, todos os niveis do Estado. (...) Existe um imposto, o IMI. Eu conheco pessoas que já pagam 1000 euros de IMI! (...) E os pobres e idosos que pagam isto tudo? (...) E porque nao pedem antes ao FMI que venha ser ele a analizar os contratos das PPPs?” (Dúvida aparte: Será que é por o FMI nunca ter feito análises parecidas na sua historia de 60 anos?)

Quem apresenta mais de 100 argumentos é alguém que verdadeiramente nao quer debate, porque nao é possivel debater tantas coisas de forma tranquila. Uma discussao esclarecida concentra-se num número de argumentos limitado (1 a 3; ou 1 a 5), permitindo a cada lado discutir ou nao a tese. É isto o que eu fiz nos meus artigos. Disse que os impostos portugueses sao similares a media de outros paises. Isto é algo claro e passível de discussao com evidencia, como o caso das tabelas OCDE. Disse que as reformas, apoios sociais, e subsidios de desemprego sao gastos obviamente sem corrupcao e estes já explicam 90% dos gastos e impostos do Estado. Com policia e exercito básicos, saude e educacao gratuitas, explica-se bem mais de 95% dos gastos estatais. Uma pessoa poderia discutir dizendo "Está errado. As reformas e apoios sociais só representam 1% do PIB, logo explicam pouco dos gastos totais."

4) O debate tem poucos números. Se algo nao está quantificado nao é cientifico. Nao se apresenta algo fácil de interpretar e rejeitar como: "Estes valores dao 45% do PIB em corrupcao." Dizem que há muitas provas de corrupcao, mas nao tem os números. Se nao sabem os numeros, entao como se sabe que a corrupcao é alta? Se X é uma incognita matemática, entao nao se pode dizer que é grande ou pequeno.

5) Violacao do Principio de Occam. Em Ciencia o defensor da tese extrema tem de providenciar mais provas. Ora, o debate da corrupcao funciona ao contrario. Os defensores de que temos um pais nao-democratico, corrupto a todos os niveis, tem uma tese extrema. Provas? "Números nao temos. Escute o Paulo Morais." Isto só mostra que Portugal é um país de livre opiniao, tal como outros paises. Nao é evidencia de corrupcao.

Entretanto, decidi fazer o que os defensores da tese de Corrupcao nao fizeram. Colocar um valor máximo que represente o pior cenario em causa. Fui buscar ao site do Ministerio das Financas todas as componentes de despesa com uma possibilidade mínima de serem desperdicadas ou desviadas. Encontrei facilmente informacao sobre todas as PPPs, o valor de cada contrato, a sua duracao, os valores e custos das renegociacoes, e todos os valores sumados. Sumei todas as PPPs, todos os projectos financiados por Economia e Obras Publicas, todos os Contratos re-ajustados pelo Estado, gastos da Administracao Publica e Ministerios. Encontrei os gastos do Estado nos salarios de todos os politicos e funcionarios publicos, discriminados por ministerios, autarquias, freguesias, e regioes. Adiciono informacao dos gastos anuais nas reformas dos politicos. Fui buscar também os Orcamentos completos das Regioes Autónomas e que sao facilmente legiveis.

Para um suposto Estado nao-democratico e sem transparencia nao está mal! É estranho que os defensores de que o Estado portugues é pouco transparente nao encontrem informacao ao alcance de um simples Google. Listo as minhas fontes e links abaixo.

Agora, o mais dificil é saber “Qual a proporcao de corrupcao em cada parte do Orcamento?” Aqui decidi assumir a tese de que em Portugal a Corrupcao está em todo o lado e este país é uma verdadeira Mafia organizada. Isto nao calcula o valor exacto em causa, mas coloca um limite máximo aos cálculos. Isto inclui uma conspiracao verdadeiramente gigantesca (mais de 10,000 funcionarios de freguesias, mais de 100,000 em municipios, 50,000 funcionarios da presidencia e ministerios fora da saúde, seguranca, educacao e defesa, funcionarios e politicos parlamentares, politicos reformados). Eu penso até que existem muitos politicos e funcionarios publicos honestos. Mas dado que supostos especialistas dizem que aqui é tudo jotas e amigos, vou colocar 100% dos salarios anuais destes quase 200,000 funcionarios como corrupcao, assim como as suas Viagens e Outras Despesas, embora seja de uma demagogia imensa.

Depois atribuo um valor de 65% de corrupcao as renegociacoes de contratos, 60% a gastos na administracao publica, 75% dos apoios a Fundacoes, e por aí fora até aos orcamentos completos das Regioes Autonomas (que para pessoas do Continente tem má fama, ainda que isso seja discutivel). No caso das PPPs, Obras Publicas e Economia, atribuo um valor de 10%. Este valor vem do escandalo reportado de que algumas PPPs tem 15% de rentabilidade sem risco. A estes 15% retiro 2% para inflacao e 3% para uma rentabilidade baixa, chegando a um valor de 10% de desperdicio por contrato.

Estes cálculos todos sumados resultam num valor máximo de 3.8% do PIB, bem inferior ao nosso défice orcamental. Ou seja, mesmo assumindo o delirio de que Portugal é uma Mafia organizada, nao é este valor de Corrupcao que explica porque motivo os Portugueses vivem pior que na Alemanha. Este valor é muito mais pequeno que o efeito de outros temas em estudo, como a educacao e a produtividade laboral que explicam respectivamente 30% e 70% da diferenca entre Portugal e Alemanha em varios estudos.

Estimativas (absurdas) do valor máximo da Corrupcao em Portugal

Categoria
% do PIB
% (absurda) de Corrupcao
% de Corrupcao no PIB
Servicos de Administracao Publica
1.3%
60%
0.79%
Cultura
0.2%
50%
0.10%
Ambiente
0.1%
20%
0.02%
Assuntos Economicos e PPPs
0.9%
10%
0.09%
Defesa, Seguranca, Saude, Educacao
18.4%
5%
0.92%
Habitacao
0.1%
55%
0.06%
Reajustes de Contratos por Ano
0.6%
65%
0.41%
Madeira e Acores
1.1%
25%
0.27%




Fundacoes
0.2%
75%
0.12%
Viagens, Publicidade, Outros
0.0%
100%
0.02%




Funcionarios em Juntas de frequesia
0.0%
100%
0.04%
Funcionarios em Municipios
0.5%
100%
0.53%
Deputados e funcionarios parlamentares
0.0%
100%
0.01%
Funcionarios de Ministerios e Presidencia
0.5%
100%
0.45%
Politicos reformados
0.0%
100%
0.00%
Total
24.0%

3.8%

Outros pontos duvidosos. A Italia tem Mafia, corrupcao, e nao deixa de ser um dos paises mais ricos da Europa. Conheco casos de estudo de varios paises que tiveram crescimento económico com baixas taxas de imposto ao capital (Suica, Irlanda, Chile, e outros) e também com politicas de educacao (EUA, Canadá, Singapura, e metade da Europa). Mas ainda nao escutei um caso estudo de um país que cresceu por combater a corrupcao. Nao percebo sequer a soma das vantagens e custos dessa politica. Se a corrupcao é alta e cobre todo o país, entao quem me ajuda a combater a corrupcao?

Mas no final julgo que nenhum argumento pode vencer a tese da corrupcao de Portugal, porque os argumentos apresentados nem sequer sao racionais. As pessoas nao definem o que é corrupcao. Usam a palavra como um grito de protesto para todas as injusticas e nao como um conceito de valor exacto. Como Benjamin Franklin dizia “na vida só a morte e os impostos sao certos”. Jesus proclamou que Pobres iriam sempre existir. Eu posso argumentar “Existem criminosos vivos e de boa saúde. Mas a minha santa avó já morreu.” Esta é a prova definitiva. Deus, a Vida e a Morte, afinal sao mesmo todos Corruptos!

Fontes:


Carlos Madeira
Economista do Banco Central do Chile
O artigo reflecta meramente a opiniao pessoal do seu autor.

9 comentários:

Paulo RIbeiro disse...

Carlos:
Apesar de concordar com os comentários acerca da discussão da corrupção em Portugal, acho que falta um factor importante: a corrupção tem um efeito multiplicador na economia: Por exemplo se eu corromper um funcionário que analisa candidaturas a dinheiros para apoio de empresas para me aceitar umas despesas duvidosas como elegíveis para reembolso, não só estou a embolsar dinheiro indevidamente, como estou a fazer com que uma outra pessoa/empresa que estaria em melhores condições para receber esta verba o não possa fazer.

José Lapalice disse...

Não discutindo a tua metodologia para chegar a estes cálculos (porque para começar acrescentaria mais factores como os custos de ineficiência devido à corrupção, a perda de investimento na economia porque investidores não querem fazer negócio num país corrupto, etc, etc) foco-me na conclusão: 3,8% do PIB. 3,8% do PIB pelos números de 2011 são grosso modo 6500 milhões de Euros.

Dou-te um link e aconselho que telefones para a União Europeia. é que de acordo com as estimativas deles, " Corruption remains one of the biggest challenges for all societies, including European societies. Although the nature and scope of corruption may differ from one EU State to another, it harms the EU as a whole by lowering investment levels, hampering the fair operation of the Internal Market and reducing public finances. The economic costs incurred by corruption in the EU possibly amount to EUR 120 billion per year. This is one percent of the EU GDP, representing only a little less than the annual budget of the EU".

http://ec.europa.eu/dgs/home-affairs/what-we-do/policies/organized-crime-and-human-trafficking/corruption/index_en.htm

A Europa toda conta com a tua opinião, pois pelos vistos anda muita gente preocupada sem necessidade. Afinal, se pensarmos em 1% do PIB são só 1710 milhões de Euros. Peanuts.

Carlos Madeira disse...

José e Paulo,

Os meus dois próximos artigos vao responder a estas duvidas legitimas que voces tem.

Carlos

Carlos Madeira disse...

Existem 41 estudos empiricos sobre corrupcao e o da UE é o que dá a maior estimativa (em valor negativo) para esse efeito. Um problema extra destes estudos é também que assumem que o combate a corrupcao custa 0. Ora, se calhar os custos de combater corrupcao na UE podem ser superiores a 1% do PIB, se é verdade o que as pessoas dizem que 100% dos Estados sao corruptos.

E repara que o estudo da UE confirma aquilo que eu digo. 1% é muito e seria bom ter mais 1% do PIB.

E mesmo assim nao é esse 1% o que iria fazer da Europa uma espécie de Alemanha super grande. Ou seja, continuaria a ser uma UE mais ou menos igual ao que está.

Comparado com educacao e produtividade das empresas 1% nao é nada.

José Lapalice disse...

Se é nada ou é muito fica à subjectividade de cada um. Para mim, assumindo 1% para Portugal, são 1710 ME. Para mim é muito.

Carlos Madeira disse...

Qual é a diferenca de PIB per capita entre Portugal e Alemanha? 1%? Ou será antes de 150%?

Eu nao disse que 1% do PIB é pouco. Digo que claramente é bem mais pequeno que factores como:

rigidez do mercado laboral (um custo estimado de 14% do PIB por Blanchard e Portugal, 2001, ver também o artigo 2 de Joao Madeira);

educacao (estimada em 40% do PIB)

produtividade laboral e ineficiencia das empresas (tudo o resto).

E repara que como apontei lutar contra a Corrupcao tambem tem custos. Nao compensa ganhares 1% se o combate a corrupcao te custa mais de 1%.

Ora, se Portugal é 100% corrupto, entao necessitas de substituir toda a Justica, todos os Organismos Publicos, todos os Politicos, etc. Isso é um custo substancial.

Joao Madeira disse...

Parece-me que o comentario do Paulo e bom. Os efeitos mais negativos da corrupcao nao sao a despesa directa mas a distorcao das decisoes dos agentes privados (os agentes concentram-se mais em obter favores do governo em vez de se preocuparem com eficiencia no uso do capital).

Carlos, nao sei se os teus 2 artigos mais recentes respondem bem a esta questao do Paulo.

Suponho que a ideia e de que os "estudos empiricos sobre corrupcao" ja capturam este efeito "multiplicador". Estou correcto? Ou seja mesmo tendo em conta este efeito multiplicador a corrupcao e um problema serio mas nao tem a importancia de outros problemas (como legislacao laboral, educacao, competicao, etc...).

Carlos Madeira disse...

Oi Joao,

Sim, exacto. O meu ultimo artigo sobre corrupcao responde a pergunta do Paulo Ribeiro de duas formas:

1) esclarece o efeito indirecto em termos teoricos (Acemoglu menciona isto como o tipo de corrupcao 3, ainda que o tipo 2 também tem um efeito indirecto mas de menor impacto dado que o mau burocrata nao quer impedir o desenvolvimento da industria, só quer retirar alguma receita dela. É de observar que bloqueios indirectos demasiado grandes prejudicavam o burocrata porque se a empresa nao investe, entao nao lhe paga nada.)

2 - A soma do efeito directo e indirecto aparece nos modelos econometricos de forma reduzida que estimam

Crescimento = Beta1*X + Beta2*Corrupcao

Unknown disse...

Correto