quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Discussao Aberta: Medir os Abusos de Poder em Portugal



Como indiquei em posts anteriores eu sou daqueles que cree que a corrupcao ou abuso de fundos públicos em Portugal tem muito menos impacto do que se pensa.

1)     A verdade é que bem mais de 90% dos gastos do Estado sao com transferencias sociais, saúde, educacao, e exercito, o que pode criar moral-hazard na populacao (ou seja, tipos que nao procuram emprego, pessoas que pedem muitas reformas antecipadas), mas nao corrupcao.
2)     Vejo que existem algumas despesas significativas em apoios a Cultura (teatros, companhias culturais, festas), Fundacoes de fulano, Obras publicas (estradas ou edificios a leiloar, contratos com Parcerias Público-Privadas), Má regulacao (por exemplo, poderiamos dizer que o Banco de Portugal, ANACOM, ERSE, ou Autoridade de Competencia sao propositadamente favoraveis aos lobbies das suas industrias reguladas), e permissos do Estado (projectos PIN). Mas tenho dúvidas que estes representem montos muito significativos. As autoridades reguladoras podem nao ser perfeitas, mas tem quadros legais similares ao resto da Europa. Creio que falham mais devido a tarefa de regular ser dificil e nao por intencao. Os outros elementos (estradas, PIN, PPP, fundacoes) envolvem montos elevados e tem suscitado dúvidas sérias na opiniao pública. Mas a verdade é que nao representam montos demasiado altos do PIB, mesmo que consideremos que por exemplo 10% ou 15% desses negocios podem ter fontes duvidosas.
3)     Por outro lado, a corrupcao é dificil de medir porque só é conhecida justamente nos paises mais democráticos e com melhor investigacao de crimes brancos. Afinal, num Estado 100% corrupto a corrupcao nunca é investigada e conhecida.
4)     Mesmo que a corrupcao exista é pouco claro se este é um evento negativo ou nao. Vejam que existem bons motivos para que exista “boa corrupcao”! Se existe uma lei injusta, mal desenhada, ou antiquada, os politicos podem escolher deliberadamente violar a lei e tomar a decisao óptima. Isto explicaria o extranho fenómeno que se observa de que os famosos politicos que contornam as leis sao vistos como Heróis do Povo e ainda acabam sendo re-eleitos!

Dados estes quatro pontos eu argumentaria que a corrupcao explícita ou abuso de fundos públicos em Portugal deve ser uma parte relativamente pequena dos nossos problemas de desenvolvimento. Julgo mesmo como Keynes que o principal problema de cada país é o apoio que se dá a regulacoes ineficientes, contratos com incentivos perversos, e politicas mal desenhadas, nao elementos de criminalizacao obvia dos agentes.

Mas, claro, isto é só uma opiniao. Assim chamo a discussao pessoas e convido a que se apresentem estimativas do peso económico da corrupcao e do impacto que esta possa ter no desenvolvimento económico de Portugal.


Carlos Madeira
Economista do Banco Central do Chile
O artigo reflecta meramente a opiniao pessoal do seu autor.

15 comentários:

Nuno Vaz da Silva disse...

Carlos, tiro-te o chapéu por tentares desmistificar dogmas assumidos pela população portuguesa, ainda que não concorde a 100% com todos os argumentos que apresentas.
Neste caso em especifico parece-me que partes de uma premissa errada. Dizer que não ha corrupção nos gastos de saude, na educação, nos gastos sociais ou no exército não me parece correcto. Principalmente porque são exactamente estas as àreas onde mais fácil é corromper ou ser corrompido em função das elevadas quantias aplicadas pelo Estado.
Para além disso e embora compreenda o teu argumento, não me parece que haja motivos para existir "boa corrupção". Se as leis são más, então que se mudem as leis.
É verdade que a corrupção é dificil de medir, assim como o são os vetos de gaveta e mesmo a burocracia. Mas mais importante do que isso é a conclusão de que é possível obter ganhos de eficiência em inúmeras àreas e que a justiça deveria ser mais célere e activa. É que se a corrupção nunca foi coisa boa porque distorce o fluxo normal da economia, favorece entidades ineficientes....e pior do que isso: destroi a parcela de economia eficiente e eticamente credível.

E a corrupção não existe só nos grandes números. Ela paira em todos os actos da Administração Pública e depende de cada cidadão bem como dos mecanismos de checks and balances ou dos incentivos perversos. Até podemos não conseguir medir a corrupção mas então que se actue nos mecanismos de limitação desse cancro das sociedades modernas, porque ele existe!

José Lapalice disse...

http://www.transparency.org/enis/report

Ficam só alguns destaques:
" A number of countries in
southern Europe – Greece,
Italy, Portugal and Spain –
are shown to have serious
deficits in public sector
accountability and deep-rooted
problems of inefficiency,
malpractice and corruption,
which are neither sufficiently
controlled nor sanctioned."

" The assessments of Greece,
Portugal and Spain highlight
in particular that inefficiency,
malpractice and corruption are
neither sufficiently controlled
nor sanctioned."

" Following this trend, in Portugal, a recent
study found that less than five per cent of all corruption
related proceedings end in a conviction."

José Lapalice disse...

Nem a propósito, um artigo fresquinho que aponta que a corrupção (principalmente no sistema político) é um problema para a nossa saída da crise. http://www.jornaldenegocios.pt/home.php?template=SHOWNEWS_V2&id=580851 .

Agora claro, conseguir distinguir a linha entre corrupção e nabice em contratos com incentivos perversos ou regulação ineficiente não é fácil. Mas na dúvida, aposto mais em corrupção do que nabice. Pois quem desenha as políticas dos Estados são os governos e os deputados. Que vêm dos partidos. E partidos e corrupção.....andam de mãos dadas. Como prova p.ex. o recibo de um donativo a um partido político do português Jacinto Leite Capelo Rego. Quantos recibos destes não existem? E quantos mais envelopes com notas.....

Joao Madeira disse...

Jose, o artigo que referes nao explica em que medida a corrupcao e um problema para a saida da crise. E apenas uma opiniao do autor...

Em relacao ao teu comentario anterior Jose sugiro que leias os posts com atencao. O post nao diz que nao existe corrupcao em Portugal, a afirmacao do Carlos e de que ele "cree que a corrupcao ou abuso de fundos públicos em Portugal tem muito menos impacto do que se pensa".

O post do Carlos e de que acredita que o impacto economico da corrupcao e relativamente reduzido (e nao que a corrupcao nao existe ou existe em quantidade reduzida).

Em parte nenhuma do post se afirma de que nao existe corrupcao em Portugal ou de que a corrupcao que ocorre e adequadamente punida.

José Lapalice disse...

O artigo que referi é uma opinião, assim como o artigo do Carlos também é uma opinião.
Ele tem a opinião de que os efeitos da má regulação em Portugal implicam valores pouco significativos. Eu tenho a opinião contrária. O que aconteceu com o crime do BPN foi culpa claro do BPN, mas também da má regulação. E a factura para os portugueses para mim foi significativa.

As PPPs são em Portugal um negócio criminoso a partir do momento em que têm taxas de rendibilidade de 2 dígitos e risco zero. Não percebo como se usa o valor do exemplo de 10 ou 15% como estimativa.

E para mim é muito claro que a corrupção é um evento negativo, principalmente porque na grande maioria das vezes está associada a suborno ou ganhos ilícitos.

Carlos Madeira disse...

Una observacao em relacao ao comentario de 2 digitos do José Lapalice.

Podemos considerar que numa actividade nao existe 100% de corrupcao. Seria raro que houvesse 100% de corrupcao, porque aí seria uma organizacao criminal aberta.

Assim, eu indico. Talvez haja 10-15% de percentagem de corrupcao na actividade.

O José indica que uma rentabilidade de 2 digitos é claramente corrupcao. Mas 10% e 15% sao rentabilidades de 2 digitos, nao?

Já agora, rentabilidades altas só por si nao sao corrupcao. Nao é proibido tu teres lucros altos. Isso pode ser só má regulacao.

O Chile é sempre classificado como um dos paises mais transparentes e de menor corrupcao. Aqui a banca privada tem uma rentabilidade de 16% e a saúde privada uma rentabilidade de 30-35%.

Jose Lapalice disse...

Vou escrever de novo. E chamo a atencao para o termo risco zero.

As PPPs são em Portugal um negócio criminoso a partir do momento em que têm taxas de rendibilidade de 2 dígitos e risco zero.

Nao disse que rendibilidades a 2 digitos seja criminoso nas PPPs. Existe a questao do risco zero.

Mas certamente te esqueceste desse detalhe, o risco zero, na tua analise ao meu comentario. Por isso repito. Taxas de rendibilidade de dois digitos em PPPs em Portugal onde todo o risco pertence ao Estado e' criminoso.

Jose Lapalice disse...

http://www.youtube.com/watch?v=WOrv8IH1ZB0

Pode ser util para perceber a realidade de Portugal. Podes comecar pelo 7.52.

Joao Madeira disse...

Jose, mais uma vez, ninguem afirmou que nao existe corrupcao em Portugal (por isso nao vejo no que que os teus comentarios contradizem a opiniao em causa - a opiniao do Carlos e de que "que a corrupcao explícita ou abuso de fundos públicos em Portugal deve ser uma parte relativamente pequena dos nossos problemas de desenvolvimento" e isso nao e inconsistente com a factura do caso BPN ser ou nao elevada; a factura dos crimes do Madoff e muito elevada mas nao representa de forma alguma um dos principais problemas da economia americana).

Quanto a tua afirmacao de que "é muito claro que a corrupção é um evento negativo, principalmente porque na grande maioria das vezes está associada a suborno ou ganhos ilícitos" permite-me discordar.

Imaginemos por exemplo um estado totalitario que condena a morte um grande numero de pessoas inocentes. Sera negativo subornar oficiais do estado para salvar essas pessoas (como fez Schindler durante o periodo da Alemanha nazi)? Claro que nao!

Imaginemos que um governo atribui a uma empresa um monopolio de determinada actividade que traz beneficios elevados para a sociedade. Um cidadao corrupto decidi subornar um oficial do Estado para deixar que a sua empresa entre nesse mercado. Isto traz-lhe ganhos muito elevados (e ilicitos) mas tambem e positivo para a sociedade em geral (que benefecia do aumento da competicao no mercado).

Quando existem leis muito mas a corrupcao pode ser mais positivo do que o cumprimento da lei (e claro que como o Nuno diz, o melhor e adoptar-se boas leis!).

Ah Jose e e falso que as PPPs tenham risco zero (em muitos casos o Estado garante receitas de certo montante,ou seja limita de certa forma o "downside risk" mas isso nao significa que o risco seja eliminado - existe nestes negocios sempre uma componente de risco tanto do lado da receita como dos custos). Concordo no entanto contigo de que muitos desses negocios foram mal desenhados (e que ha bons motivos para suspeitar de que isso foi feito intencionalmente...) para prejudicar o Estado em favor dos investidores privados.

Nuno e Jose, a mim tambem me parece que a opiniao do Carlos nao e assim tao diferente da vossa (note-se que o artigo refere-se apenas ao abuso de fundos publicos).

O Carlos num post anterior ja apresentou evidencia de que (veja-se o link embaixo) a ma regulacao e burocracia sao um problema serio em Portugal que distorce a actividade economica de forma negativa.

http://dinamizarportugal.blogspot.co.uk/2012/09/em-portugal-perjudicam-se-as-empresas.html



José Lapalice disse...

João, esclarece-me uma coisa: quanto custou ao governo dos EUA o esquema Ponzi do Madoff. Isto é, houve um processo similar ao do BPN em que o Estado português teve de ficar com o banco?

Fiquei sem palavras quando li o exemplo das acções do senhor Schindler durante o holocausto da WWII, como argumento para justificar boa corrupção. É uma abordagem pouco ortodoxa e vou precisar de tempo para absorver a informação.

O segundo exemplo, não me parece muito verosímil e principalmente duradouro. Se um governo tem o poder de atribuir um monopólio a uma empresa, não vai ser um suborno a um oficial do Estado (a não ser que seja o primeiro ministro ou ministro) que fará com que uma 2ª empresa possa estar no mercado durante muito tempo. Pode actuar na ilegalidade, mas legalmente é óbvio que a monopolista irá requerer o reestabelecimento da situação anterior.

Quando se fala em PPPs com risco zero, por exemplo no caso das rodoviárias, há situações em que independentemente do tráfego real que passe nas auto-estradas, o concessionário recebe a sua renda prevista. O Estado assume o risco de procura. Não raras vezes com taxas de rendibilidade de 15 ou mesmo 20%. Mas claro, os contratos de PPPs não são disponibilizados, pelo que há informação que desconhecemos. O risco que existe é de falência do Governo, um catástrofe natural ou uma guerra.

Eu considero que o impacto da corrupção é muito relevante na economia portuguesa. Números não tenho. O máximo que se consegue está no relatório da transparency international, onde não só abordam a questão da percepção da corrupção nos vários países, como na falta de transparência e controlos para dificultar actos de corrupção.

José Lapalice disse...

Sobre a burocracia, há uma expressão que define de forma clara que muita da burocracia está ligada à corrupção: "criam-se dificuldades para vender facilidades".

Conseguir definir o que é uma lei muito má é entrar na zona da arbitrariedade. é mesmo melhor haver uma lei, que ou se cumpre ou não cumprindo existem consequências legais.

Carlos Madeira disse...

Joao e José,

Para alimentar a discussao existem exemplos concretos de casos em que empresarios subornam politicos para acabar com monopolios e assim beneficiam a sociedade.

Exemplo 1: Richard Branson no Reino Unido. Nos anos 70 ele decidiu pressionar varios politicos para que o deixassem entrar em mercados monopolistas, como as linhas aereas (antigo monopolio da British Airways). Esta estrategia de negocio foi a principal forma de expansao da Virgin.

Exemplo 2: Em 2002 varios casinos de Las Vegas pressionaram o Governo de Macau para terminar com o monopolio de Stanley Ho. Certamente, devem ter subornado imensos oficiais chineses, porque nao acredito que algo se faca na China sem pagar a altos cargos do Partido Comunista. Resultado? Hoje, Macau independente está entre os 5 paises mais ricos do mundo em PIB per capita. Podem verificar no wikipedia - de acordo a varios rankings Macau está entre o pais nr 2 e o nr 5 do mundo.

Ou seja, os corruptos de Las Vegas conseguiram fazer de Macau o sonho que o José Lapalice referiu para Portugal (o de ser uma potencia económica mundial). Macau é de novo uma das principais potencias económicas do mundo!

José Lapalice disse...

Ah, pronto. Então celebremos o suborno de políticos!!!!! Hip hip hurra.

Joao Madeira disse...

Sim, quando eu dei o exemplo do suborno para empresas poderem entrar em mercados (e com isso trazendo beneficios ao dono da empresa que corrompe oficial de estado, mas tb a sociedade em geral) estava a pensar justamente na forma como as empresas estabelecem negocios na China nos dias de hoje.

Jose, nao digo que esta seja a situacao ideal (o melhor e ter-se boas leis) mas apesar de tudo e melhor do que a situacao nos tempos da China comunista...

José Lapalice disse...

Percebo os argumentos sobre a China, mas sinceramente prefiro comparações com países europeus que fazem melhor combate à corrupção do que Portugal.

Olhar para quem faz pior torna mais dificil que melhoremos. Seria o mesmo do que discutir a fome em Portugal usando por termo de comparação o Sudão.