sábado, 29 de setembro de 2012

Efeitos directos e indirectos da Corrupcao: Moral, Teoria e Evidencia


Qual é o verdadeiro efeito da Corrupcao? Esta é uma pergunta dificil de responder. Recentemente, tenho visto varios videos e livros de personalidades criticas da corrupcao em Portugal. Mas é dificil perceber exactamente qual é o valor da tese. Consegue-se perceber que “existem muitos malandros por aí” e “há escandalos sem ninguém ser preso” e isso só por si é moralmente mau. Todavia, nao percebo o argumento de como a corrupcao explica o sub-desenvolvimento de Portugal e nenhum dos autores que grita “Anti-Corrupcao” explica bem que politicas pretende, como estas iriam fazer Portugal crescer, e porque motivo os Portugueses nao votam nessas Politicas. Vamos supor que a Justica prendia mil corruptos amanha. Iriamos sentir-nos bem moralmente, claro. Mas podemos argumentar realisticamente que Portugal estaria igual a Alemanha ou EUA?

Existem varios tipos possiveis de corrupcao, com efeitos directos e indirectos na Economia. Em geral os economistas pensam que sao os efeitos indirectos na eficiencia produtiva e nao o roubo directo que está em causa. Vou apresentar 3 tipos de corrupcao, que foram analizados por Acemoglu e Verdier (2000). Acemoglu é para muitos o economista mais genial dos ultimos 20 anos, alguém que poderia já ter recebido 3 Nobeis (se o mundo fosse justo, claro).

O primeiro tipo de corrupcao é moralmente mau, mas nao tem efeitos económicos. Um corrupto que rouba 1 euro a cada portugues num imposto (lump-sum) nao cria ineficiencias no PIB, mas aumenta a falta de moralidade e a desigualdade (o rico corrupto ganha ainda mais). Por isso, temos raiva dele! Isto é parecido ao árbitro de futebol que rouba do clube A para dar a vitoria ao B. Um clube perde 1 ponto e o outro ganha 1. Nós temos tanta raiva ou mais dos árbitros de futebol como dos corruptos, mas nao é por estes que Portugal é sub-desenvolvido.

O segundo tipo de corrupcao resulta dos custos de vigiar tudo. Pode haver muitos politicos honestos, mas estes nao conseguem vigiar tudo o que se passa no país e se em cada negócio existe um burocrata mau que cobra uma pequena percentagem. Aqui existe corrupcao pelo mesmo motivo que existem pedófilos e roubos na rua. Ninguém defende os criminosos, mas é simplesmente impossivel ou muito custoso colocar um policia a controlar tudo em cada casa. Assim, é optimo permitir alguma corrupcao, porque o combate a tudo custa muito. Este tipo de corrupcao é como um pequeno imposto sobre a actividade económica. Tem de ser pequeno, caso contrário todos os eleitores viam e paravam a mafia. Isto também pode acontecer em Ditaduras Iluminadas. O Ditador e Amigos cobram uma percentagem de tudo e criam pequenas ineficiencias. Apesar de tudo, este tipo de corrupcao nao impede o crescimento económico nem o desenvolvimento! Porque? Nem o Ditador nem os burocratas corruptos estao interessados em ter um país subdesenvolvido. Antes pelo contrario o interesse dos corruptos é que nascam mais empresas, haja mais industria, e mais fontes de receitas! Estes malandros sao um pouco mais ineficientes que os primeiros, mas nao impedem o desenvolvimento nem a adopcao de novas tecnologias.

O terceiro tipo de corrupcao ocorre em Ditaduras onde a elite tem medo de ser punida pelos próximos dirigentes do país. Este, sim, é o tipo de corrupcao que bloqueia qualquer desenvolvimento. O Ditador e Burocratas podem até roubar pouco, porque ao fim de contas controlam um país sub-desenvolvido. O verdadeiro problema é que estes Corruptos tem medo de perder o poder, a sua riqueza roubada, e até as suas vidas. Por isso, vao fazer todos os possiveis para que controlem toda a Riqueza do país (como por exemplo os principais portos, minas, petróleo e recursos naturais) e para que nao apareca nenhuma industria moderna e produtiva que os substitua. Permitir crescimento é arriscar que a elite corrupta perda influencia económica e eventualmente a vida.

Podemos pensar em varias sociedades do terceiro tipo de corrupcao: a China do Mao, a Uniao Soviética de Brejnev, a Coreia do Norte, o Congo e outros paises africanos. Acemoglu considera que este tipo de corrupcao pode aparecer em sociedades democráticas que sejam muito desiguais, como alguns paises da América Latina. Em esses caso, uma elite económica controla grande parte da riqueza, tem medo de perder poder e ser expropriada, logo usa a sua influencia económica (no Governo, tribunais, empresas) para impedir politicas de igualdade (mesmo que positivas para o crescimento) que ameacem a sua posicao social.

Todavia, Acemoglu aponta que dificilmente este tipo de corrupcao pode aparecer em democracias vigorosas e igualitarias como Portugal. Analisemos a evidencia.

Evidencia 1): Portugal é um país democrático e uma sociedade bastante igualitaria. Aqui eu sei que vao-me dizer “Mas os jornais dizem que Portugal é um dos paises mais desiguais da Europa!” O indicador mais utilizado de desigualdade é o indice de Gini e este mede que percentagem da riqueza é necessario redistribuir para chegar a uma sociedade 100% igualitaria onde todos tem o mesmo. O valor Gini para Portugal é de 34%, o que é mais desigual que os 32% de Franca ou Alemanha. Todavia, o Gini de Portugal é parecido ao de Inglaterra, inferior aos 40% dos EUA, e bem inferior aos 52% da América Latina ou 70% de alguns paises africanos. Ou seja, sim, somos um pouco mais desiguais que o resto da Europa, mas muito menos que os paises com esta corrupcao negativa.

Evidencia 2): Portugal foi um dos países que mais cresceu no mundo entre 1950 e 1990. Portugal – apesar da crise europeia de 1992 – também cresceu ligeiramente acima da média europeia entre 1991 e 2002. Ora, isto prova que os corruptos Portugueses, sejam do Estado Novo ou da Democracia, nao queriam bloquear o Desenvolvimento! O período de falta de crescimento económico de Portugal ocorre de 2002 a 2012. Consigo pensar em muitos factores, entre eles o colapso das nossas principais industrias exportadoras, como os texteis, calcado, e Auto-Europa, devido a maior concorrencia da Europa de Leste e Ásia. A seguir colocaria a crise económica e financeira de 2007-12. Portugal é sempre um país que sofre mais com as crises internacionais do que a média europeia. Já vi evidencia convincente destes dois factores em diversos estudos e até em Blogs.

Mas até agora nao vi um único exemplo de que a corrupcao é culpada do sub-desenvolvimento de Portugal ou da crise de 2002-12. Até agora os exemplos que vi sao maioritariamente do tipo “os malandros, os politicos, os safados”. Isto indica que a corrupcao é dos tipos 1 e 2, que sao moralmente maus, mas com poucos efeitos económicos. Também nao vi uma única evidencia de que em Portugal a corrupcao de tipo 1 e 2 é particularmente séria. Sim, existem livros e videos sobre corrupcao em Portugal na Internet. Mas acaso acreditamos que Portugal é o único país com malandros? A verdadeira pergunta é quantas empresas deixam de investir devido a esses malandros. Aí o efeito parece ser minúsculo, porque desconheco casos de industrias que nao se instalaram em Portugal por culpa do Isaltino, Felgueiras, ou dos multiplos malandros de que se fala na opiniao pública.

Evidencia 3) Se a crise só comecou em 2002 e a corrupcao é a causa, entao deveriamos ter observado um aumento da corrupcao nos ultimos 10 anos. Mas os proprios partidarios da tese anti-corrupcao dizem que Portugal sempre foi corrupto. Ou seja, nao existe nenhuma evidencia que isso foi particularmente um problema que comecou em 2002! Outro problema é que Portugal nestes 10 anos viu as suas principais industrias exportadoras morrer. Isto vai contra a teoria da corrupcao, porque a teoria diz que os corruptos pertencem a industrias tradicionais e com boas ligacoes politicas. Corruptos verdadeiramente influentes nunca teriam os Texteis e Calcado morrer, da mesma forma que as elites africanas ou latino-americanas nao deixam as industrias das elites definhar.

Evidencia 4) Existem muitos países de corrupcao óbvia e que sao ricos, o que é forte evidencia de corrupcao de tipo 1 e 2, mas nao do tipo 3. Exemplos abundam. Existe Singapura, uma sociedade ditatorial e onde os politicos recebem (legalmente) os salarios mais altos do mundo para politicos. Singapura foi o país que mais cresceu no mundo em 60 anos e está bem a frente de Portugal. Curiosamente, muitos estudos que indicam que na Ásia maior crescimento económico está associado a mais corrupcao.

Na Itália grandes escandalos de corrupcao e mafia destroem periodicamente os Governos, ao contrario de Portugal. O politico italiano democrático com maior duracao de poder em mais de 100 anos, Berlusconi, esteve menos de 7 anos em cargos eleitos. Isto nao impede Itália de ser um país rico, bem mais que Portugal. Antes da libertacao de Macau em 1999, os debates televisivos na RTP discutiam a enorme corrupcao de Macau. Os politicos macaenses e empresarios corruptos de Las Vegas terminaram com um dos controles da heranca portuguesa (o monopolio de Stanley Ho) e fizeram de Macau um dos 5 países mais ricos do mundo.

Exemplo 5) Um estudo da Comissao Europeia aponta custos para a corrupcao na UE de 1% do PIB. Ora, 1% é muito dinheiro, mas é baixo face a outros problemas, como a produtividade laboral, más práticas de gestao nas Pequenas e Medias Empresas, a competitividade na banca e retail, a inseguranca financeira, a educacao de má qualidade em alguns países, ou os altos custos de energia.

Chamo a atencao para um trabalho de Campos, Dimova e Saleh (2010) que analiza o resultado de 41 estudos empíricos que apresentam 460 estimativas sobre o efeito da corrupcao no crescimento económico. O mais importante é que 68% dos estudos aponta que a corrupcao nao tem nenhum efeito negativo no crescimento económico, confirmando a especulacao de Acemoglu de que a maioria da corrupcao nao é tao negativa.

Estes estudos utilizam varias medidas de corrupcao a nivel internacional, tais como os índices da Transparency Internacional, Heritage Foundation, e World Economic Forum. Em geral estes indices de Corrupcao mostram que Portugal numa escala de 1 a 10 está em 6.6, ou seja estamos entre os 30% dos paises mais honestos. Nao somos o pais mais honesto do mundo, da mesma forma que nao somos o pior país. Ora, de acordo ao valor mais optimista das 460 estimativas feitas, Portugal passar de 6.6 ao máximo de honestidade iria dar um beneficio de 1% de crescimento do PIB (0.34*0.03). Mas este é o valor mais optimista de todos, porque 98% das 460 estimativas indicam que o beneficio para Portugal de eliminar a corrupcao é de no máximo 0.5% de crescimento do PIB (0.34*0.015).

Ora, 0.5% do PIB nao é pouco. Mas é claramente mais pequeno que factores como: rigidez do mercado laboral (um custo estimado de 14% do PIB por Blanchard e Portugal, 2001); educacao (com beneficios estimados de 40% do PIB per capita de Portugal em varios estudos); e melhoria da produtividade laboral e eficiencia das empresas (com beneficios estimados ainda superiores a educacao). Curiosamente, os problemas económicos nem sempre sao criados por pessoas de más intencoes, como aprendemos na Biblia. Os homens que querem proteger os trabalhadores de despedimentos e injusticas custam 14% do PIB ao país, mas os corruptos e malandros custam no máximo 1%.

Carlos Madeira
Economista do Banco Central do Chile
O artigo reflecta meramente a opiniao pessoal do seu autor.

2 comentários:

Joao Madeira disse...

Excelente artigo!

Nunca pensei muito sobre questoes como a corrupcao mas agora compreendo melhor porque que nao e mto prejudicial para certos paises (como Italia) mas parece se-lo em africa e america latina.

Anónimo disse...

1) Ler opiniões diferentes é sempre interessante.

2) Não é preciso ser prémio nóbel do que quer que seja para saber que corrupção implica uma violação das opções de escolha. Portanto, a passagem de uma situação mais próxima de concorrência para uma situação de mais próxima de monopólio ou oligopólio

3) Assim sendo basta ver nos gráficos onde está o "deadweight loss" de uma situação de:

a) Concorrência Perfeita

b) Monopólio

c) Oligopólio

Estimado João Madeira por favor explique onde está a parte do artigo que o levou a escrever "Excelente Artigo"... Onde é que o estimado João Madeira tirou o curso?

Um abraço,