quarta-feira, 26 de setembro de 2012

O Custo de um Estado Social moderno


Neste artigo decidi resumir umas contas simples para revelar uma verdade que a maioria das pessoas ignoram: o custo de um Estado Social moderno como os que existem em Portugal e por toda a Uniao Europeia. Como disse em artigos anteriores, a esmagadora maioria dos gastos publicos dos Estados sao transferencias sociais. Esses gastos só por si justificam os elevadissimos impostos que todos nós nos queixamos. O problema é que muitas vezes nao nos apercebemos que esses impostos sao gastos em mais de 90% nas pensoes dos reformados, subsidios de desemprego, e na educacao e saúde gratuitas que todos reclamamos do Estado. É verdade que todos os Estados gastam um pouco nos salarios dos politicos, amigos privilegiados e outras gorduras, mas mesmo imaginando um Estado perfeito igual as equacoes de um papel e sem desperdicio nenhum, as despesas sociais só por si justificam uma carga fiscal elevada. Desde já digo que a minha abordagem neste artigo vai ser o que se chama “contas de envelope ou guardanapo”, portanto perdoem se estas nao tem um rigor excessivo a fim de facilitar a ilustracao.

Neste ponto digo desde já que o Chile parece-me um dos exemplos mais excelentes do mundo sobre como tributar e comunicar as pessoas para que vai cada deducao feita nos seus salarios. O Chile é nas contas oficiais da OCDE o pais com menor tributacao fiscal, 7% dos rendimentos laborais, mas isso é um pouco ilusório. Na realidade existem deducoes salariais obrigatorias no Chile ademais dos impostos, 7% para seguro de saúde privado, e 10% para o fundo de pensao privado. Portanto, estas deducoes em verdadeiro rigor nao sao impostos dado que vao obrigatoriamente para empresas privadas e nao para o Estado, mas correspondem de certa forma aos descontos para a reforma e para saúde que sao considerados impostos em outros paises. Ora, sumando estes descontos obrigatorios o total médio de deducoes obrigatorias no Chile é de 24%, bem mais proximo dos 28-30% cobrados nos EUA e Canadá. E o Chile paga muito menos para reformas, subsidios de desemprego, saúde e educacao que estes dois paises popularmente vistos como neoliberais. Ora, isto revela de certa forma os custos mínimos de ter um Estado social. Estao a ver? Mesmo um estado neoliberal desses que dizem que foi feito por economistas de Chicago custa dinheiro! E estamos a falar de um Estado que paga reformas das pessoas de 40% dos seus salarios e um subsidio de desemprego baixo (50% do salario no primeiro mes, 35% no segundo, 30% no terceiro, 20% entre o quarto e sexto mes, e nada depois). Este subsidio é tao baixo que 15% dos desempregados com direito a este nao se dá ao trabalho de o pedir. Se um Estado tao reduzido tem 24% de impostos laborais e 19% de IVA (um IVA sem isencoes nenhumas, nem sequer para leite), entao imaginem o que custa o nosso Estado social!

Facamos umas contas breves. Portugal em tempos bons tem 6% da populacao activo no desemprego e em tempos maus uns 10% ou mais. Ademais, pagamos subsidios de desemprego generosos, 65% do salario bruto ou 80% do salario liquido. Fixemos entao uma média de 8% de taxa de desemprego e 65% de reposicao do salario bruto. Estes valores significam que em Portugal o subsidio de desemprego tem de ser pago com um imposto de 5.7% sobre os trabalhadores empregados. No Chile o valor seria de 3.2%.

Agora facamos contas simples as reformas das pessoas. A esperanca de vida em Portugal é de 90 anos (sim, já se vive muito...) e a reforma oficial aos 65. Significa que pagamos 80% do salario (ou mais) para cada trabalhador durante 25 anos. Imaginemos um trabalhador com uma carreira contributiva de 40 anos (25 anos a 65) e que desconta x todos os anos, recebendo uma taxa de juro real generosa e constante de 4%. Resolvendo da anuidade (em este caso, mensalidade) com juros acrescidos ao longo da vida da pessoa, qual é a taxa de desconto do rendimento laboral necessaria para esta reforma? 21%! E isto nao toma em conta que a pessoa está no desemprego 8% dos meses, o que resulta numa taxa de 22.8%. E se consideramos que a idade média de reforma em Portugal na prática está abaixo dos 62 anos, devido a reformas antecipadas? Isso acrescenta mais 3 anos de reforma e menos 3 de descontos. Isso dá que um Estado justo deveria cobrar 27% de imposto ao trabalho só para pagar as reformas dos trabalhadores. E isto ignora coisas? Sim, o salário da pessoa nao é constante ao longo da vida e tende a ser mais alto no fim. Mas isto só piora as coisas. Os descontos ao longo da vida sao feitos com um salario baixo ao inicio e é esse o que tem mais tempo de acumular interesses. Mas a reforma das pessoas é paga em funcao do salario final (ou da média dos ultimos 15 anos, mas isso é quase igual). Vamos assumir que o crescimento salarial real é de 1% ao ano (é um valor conservador, claro, mas valores mais altos resultam em impostos ainda piores). Qual é o valor da taxa de desconto justa para a reforma agora? 34%!!!! Bem parecido com a soma das taxas de 11% aos trabalhadores e 23% as empresas que o Estado cobra, nao? Ainda pensam que é injusto que o Governo cobre tantos impostos?

Esperem, ainda falta! E a educacao e saúde gratuitas pagas pelo Estado? Portugal gasta 4.6% do PIB em educacao. Nao é uma generosidade, apenas a média da OCDE. Gastamos ainda 10.8% do PIB em saúde, o que está na média da OCDE. Em relacao a eficiencia do nosso sistema de saúde? Portugal nao tem o sistema mais eficiente do mundo em termos de anos de vida por euro gasto, mas estamos ligeiramente acima da média da OCDE na eficiencia do sistema de saúde e muito acima dos Estados Unidos. Gastamos ainda 2.1% do PIB no nosso exército e este é só o mínimo exigido pela NATO! Ora, isto exige 15.5% do PIB em gastos básicos de educacao, saúde, e exercito. Portugal tem um IVA de 23% ao consumo, mas o consumo é só uns 85% do PIB e existem muitas isencoes de 6% e 13%. Logo só estes gastos básicos do Estado já justificam o nosso IVA.

Claro, nao estou a ter em conta os impostos das autarquias, o imposto de heranca, automovel, etc. Mas bem também ainda nao vimos outros gastos do Estado – interesses da divida publica, abonos de familia, outros apoios sociais, gastos em estradas e obras públicas, o funcionamento básico do Estado (instituicoes politicas e tribunais).

Mas espero que estes cálculos ilustrem uma verdade dura. É que o Estado social custa muito caro! Mesmo num mundo belo e ideal onde nao existe desperdicio nenhum e o que se paga é o que se recebe, o nosso Estado social exige as ditas taxas de imposto de que nos queixamos. Esses impostos nao foram inventados do nada como opressao sobre as pessoas e mania de politicos abusivos ou ministros das financas.

Reduzir os impostos em Portugal ou no resto da Europa nao é uma questao de libertar as pessoas duma escravatura injusta. Tao pouco é uma questao de cortar nas ditas “gorduras do Estado” como os automoveis ou salarios de politicos. Reduzir impostos só é possivel tomando uma opcao realista e dura sobre que Estado social queremos! Para ter uma carga fiscal baixa é preciso cortar no Estado social europeu (incluindo apoios a criancas, desempregados, idosos, e doentes) ou emigrar para fora da Europa!


Carlos Madeira
Economista do Banco Central do Chile
O artigo reflecta meramente a opiniao pessoal do seu autor.

3 comentários:

Paulo Santos Monteiro disse...

Ola Carlos,

Muito bom post!

E sinceramente, eu e creio a maioria dos portugueses consideram inaceitavel abdicar do Estado Social. Os portugueses estao dispostos a contribuir com a sua parte.

Mas o que causa maior contestacao e' a austeridade regressiva em plena recessao.

Seria importante introduzir maior progressividade no esforco que todos os portugueses tem que fazer para enfrentar esta crise.

E tambem procurar distributir o esforco ao longo do tempo, adiando alguma austeridade, nao para as calendas gregas, mas para o medio prazo, quando o desemprego for mais reduzido e o crescimento economico regresse.

E claro que para conseguir fazer isso, precisamos da ajuda dos nossos parceiros europeus.

Carlos Madeira disse...

Obrigado, Paulo. Sim, eu tb creio ser impossivel abdicar do estado social. Por isso é que aponto que nao é realista esperar que as nossas taxas de imposto caiam a niveis magicamente moderados.

Uma coisa para colocar em contexto o custo do nosso subsidio de desemprego que como disse necessita 5.7% da massa salarial. Dado que os salarios representam 65% a 70% do PIB, isto requer um imposto de cerca de quase 4% do PIB. Ora, a OCDE indica que as receitas de Portugal com os nossos elevadissimos IRC e IRS somam 8.5% do PIB. Portanto, apenas o subsidio de desemprego come 47% do total de receitas de IRS e IRC.

Eu encontrei este gráfico no youtube que ilustra realmente quanto dos nossos impostos vao para estes gastos sociais de que todos gostamos:

http://www.youtube.com/watch?v=oCMtsteRyVk&feature=relmfu

Joao Madeira disse...

Ola Carlos e Paulo,

Sim, eu penso que seria importante distribuir o esforco ao longo do tempo (do ponto de vista economico faz todo o sentido suavizar o consumo estatal tambem - isso significa ter defices em tempos de recessao). Isso seria o ideal.

O problema e politico. Conseguiriamos ter a ajuda dos nossos parceiros europeus sem tomar medidas de austeridade no presente?

Penso que nao.

Sera que seria mais facil tomar essas medidas de austeridade no futuro quando a economia estivesse melhor?

Tambem penso que nao pois existia o risco de os governos futuros renegarem os compromissos assumidos.

Por isso acho que tomar medidas de austeridade no presente e inevitavel (e claro que e importante debater a intensidade dessa austeridade. Penso que por exemplo no caso grego intensificar a austeridade neste momento e contraproducente - sera que tb em Portugal ja teremos chegado a um ponto semelhante?).