quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Desvalorizações Reais

Encontrei este gráfico muito interessante no blog MR


Quero fazer só dois reparos e espero que os leitores do Blogue também partilhem a sua opinião na secção dos comentários:

  1. Como é que a Alemanha conseguiu uma "desvalorização real" tão acentuada no período entre 2000 e 2009, sem grandes convulsões sociais nem políticas?
  2. De acordo com estes dados, Portugal é, a seguir à Alemanha, o país com a maior queda percentual dos salários no periodo entre 2000 e 2012. Parece-me portanto que para reduzir os famosos custos unitários não será o melhor caminho reduzir ainda mais os salários, mas sim tentar perceber porque é que as empresas não crescem e não investem muito mais, de forma a aumentar a sua produtividade!
Comentários bem vindos!

19 comentários:

José Lapalice disse...

1 - Porque os alemães não têm umas palas nos olhos, e sabem que é preferível ter uma redução do seu salário se isso favorecer a manutenção do seu posto de trabalho através do aumento da competitividade dos preços da sua empresa. E claro, porque também tinham um nível salarial suficientemente alto que permitiu que mesmo com uma tão grande redução salarial, não afectou sobremaneira a qualidade de vida dos alemães.

A evolução da taxa de desemprego na Alemanha fala por si, estando actualmente abaixo dos 7%. Em 2000 rondava os 10%.

Nuno Vaz da Silva disse...

Eu julgo que em Portugal temos um claro problema institucional que é inoperante para a realidade das empresas e para os desafios diários que enfrentam!
E à medida que o Estado crescer como carraça que suga o tempo, os lucros e a paciência dos empresários, dificilmente a realidade mudará!

José Lapalice disse...

2 - Qual o empresário, português ou estrangeiro, que pensa racionalmente investir num país falido e sem perspectivas de crescimento? Só este problema já chega para afastar investidores.

Depois claro, a burocracia, os impostos, a legislação laboral, etc, etc, o diagnóstico está feito dos obstáculos ao investimento em Portugal.

Paulo Santos Monteiro disse...

Não sei se burocracias, impostos e legislação laboral são os maiores obstáculos. Acho que não... Encontrei esta lista das maiores empresas portuguesas:

http://www.linkedportugal.com/2010/11/04/top-100-maiores-empresas-portuguesas-no-linkedin/

Já repararam que para além das "para-públicas", as restantes empresas fazem quase todas partes do sector da distribuição ou da construção. Ao seja, todas empresas vocacionadas para o mercado interno, em que a concorrência é muito limitada, e em que o valor acrescentado creado pelo conhecimento e tecnologia é pouco importante (exceptuando nas telecomunicações).

Porque é que não há grandes empresas nos sectores que representam as maiores oportunidades de crescimento no mundo globalizado. Sectores vocacionados para a exportação e em que as tecnologias de ponta e o conhecimento são o motor da competitividade (e não os baixos salários).

É que uma economia não pode viver só de supermercados!!!

Nuno Vaz da Silva disse...

Essa tua ultima afirmação (que eu subscrevo a 100%) dava um excelente titulo para um artigo para o Jornal Alto Alentejo, onde colaboro sempre que tenho oportunidade!
É que em Portalegre, com o fecho progressivo da indústria, posteriormente do comércio local e com o surgimento de supermercados, há ainda quem acredite que esse tipo de actividade sustenta a economia local!

José Lapalice disse...

http://www3.weforum.org/docs/WEF_GlobalCompetitivenessReport_2012-13.pdf

Página 296:

The most problematic factors for doing business
Access to financing: 26.3%
Inefficient government bureaucracy 15.2%
Tax rates: 13.1%
Restrictive labor regulations: 11.2%

Paulo Santos Monteiro disse...

Lapalice,

Já sei. Estes números não me surpreende em nada. Quando se pergunta aos empresários quais são os maiores obstáculos, as respostas são sempre parecidas. Já agora, no mesmo estudo que tu citas, as respostas dos empresários na Alemanha e nos EUA são

Na Alemanha:

Tax regulations 18.1

Restrictive labor regulations 16.7

Inadequately educated workforce 12.6

Tax rates 12.0

Access to financing 7.9

Inefficient government bureaucracy
7.7

Nos EUA:

Inefficient government bureaucracy 15.0

Tax rates 14.1

Tax regulations 10.8

Access to financing 9.5

Restrictive labor regulations 7.1

Inflation 7.1

José Lapalice disse...

Eu limitei-me a apontar um estudo onde se refere quais são, na opinião dos inquiridos, os principais obstáculos ao investimento.

Mas ainda no mesmo estudo,

Burden of government regulation: Portugal 129º no ranking. Alemanha 71º

Efficiency of legal framework in settling disputes: Portugal 121º . Alemanha 20º.

Wastefullness of public spending (o que relaciona com os impostos): Portugal 133º . Alemanha 28º

As queixas podem ser sobre os mesmos assuntos. Mas a gravidade dos problemas em cada país é diferente. Por alguma razão a Alemanha está no 6º lugar neste ranking. E Portugal no 49º. Atrás de Azerbaijão, Lituânia ou Porto Rico.

Pedro Antunes disse...

Há 3 aspectos em que somos péssimos 3 em que somos razoavelmente bons...

http://www.doingbusiness.org/rankings

Pedro Antunes disse...

Acima de tudo não temos credibilidade em muitos sectores... o nosso capital humano é pouco reconhecido, o nosso tecido empresarial arrisca pouco, o nosso Estado ocupa tudo...

Pedro Antunes disse...

Acima de tudo não temos credibilidade em muitos sectores... o nosso capital humano é pouco reconhecido, o nosso tecido empresarial arrisca pouco, o nosso Estado ocupa tudo...

Paulo Ribeiro disse...

Eu posso estar a fazer uma leitura incorrecta do gráfico, mas parece-me que as conclusões a que se estão a chegar não são consubstanciado no gráfico apresentado. Senão, vejamos:
o gráfico é a variação do salário nominal em relação à média europeia. Se os salários num país se mantiverem inalterados e ao mesmo tempo nos outros países subirem, então esse país vai ter uma variação negativa em relação à média, pois a média subiu. O mesmo acontece no sentido inverso. Por isso o gráfico não suporta a afirmação que a Alemanha teve uma "desvalorização real", a Alemanha teve uma "desvalorização relativa", pois estabilizou o crescimento dos salários enquanto outros países, nomeadamente Grécia e Irlanda tiveram uma "valorização relativa" pois os salários aumentaram mais depressa que a média europeia. Agora o que é interessante é ver que o crescimento dos salários em Portugal esteve, no periodo 2000-2009 mais ou menos em linha com a média europeia, caindo por terra o argumento que é por termos salários "elevados" que perdemos a nossa competitividade. Se considerarmos que entre 2004 e 2007 entraram 12 países (e assumindo que foram levados em conta para este gráfico) em que na grande maioria os salários médios eram inferiores a Portugal (baixando portanto a média salarial europeia) ainda mais reforça a ideia que não é pelo corte generalizado de custos salariais que Portugal ganha competitividade internacional.

Paulo Santos Monteiro disse...

Concordo com esta frase do Pedro:

"Acima de tudo não temos credibilidade em muitos sectores... o nosso capital humano é pouco reconhecido, o nosso tecido empresarial arrisca pouco, o nosso Estado ocupa tudo..."

acho que é o diagnóstico correto.

Paulo: Desvalorizações (ou talvez mais corretamente depreciações) são sempre relativas, dado que se trata de um preço relativo. Escrevi "real" porque refere-se aos salários, que são a componente mais importante para explicar a variação do preço relativo dos bens e serviços.

Concordo muito quando escreves que "Portugal esteve, no periodo 2000-2009 mais ou menos em linha com a média europeia, caindo por terra o argumento que é por termos salários "elevados" que perdemos a nossa competitividade."

Lapalice: no estudo que citas, eu acho que o pilar mais importante é o de "Business Sophistication". Por assim dizer, é este que separa o trigo do joio... Nesse pilar, a Alemanha está no top 10 em todas as categorias excepto uma, enquanto que Portugal está com o pelotão que per(segue) nos postos 45-55... As categorias são "Local supplier quantity", "Local supplier quality", "State of cluster development", "Nature of competitive advantage", "Value chain breadth", "Control of international distribution", "Production process sophistication", "Extent of marketing", "Willingness to delegate authority". O principal objectivo do meu post era o de tentar explicar que a famosa produtividade, ou os "custos unitários do trabalho", dependem muito mais destas variáveis que dos salários, num mundo globalizado.

Dito isto, é claro que a burocracia e os tribunais que são lentos também criam obstáculos...

José Lapalice disse...

Discordo que a "Business Sophistication" seja o pilar mais importante daquele estudo. A ordenação tem uma lógica, e esse é o 11º pilar (em 12). Os resultados desse pilar dependem muito de todos os outros (instituições e educação principalmente). Mas concordo, é o que separa o trigo do joio.

Em todo o caso, o problema é que Portugal nem joio está a conseguir produzir.

Joao Madeira disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Joao Madeira disse...

Ola Paulo,

Le em baixo o meu contributo para esta discussao!

Abraco,
Joao

"1)Como é que a Alemanha conseguiu uma "desvalorização real" tão acentuada no período entre 2000 e 2009, sem grandes convulsões sociais nem políticas?"

Comentario: Eu diria que e porque a Alemanha ja atravessava um periodo prolongado de desemprego (devido a reunificacao) por isso a populacao reconheceu que a realidade justificava um ajustamento salarial. Esse ajustamento salarial nao foi feito, durante uma recessao, nem de forma abrupta ao contrario de Grecia, Portugal ou Espanha e por isso a convulsao social foi menor.

"2) De acordo com estes dados, Portugal é, a seguir à Alemanha, o país com a maior queda percentual dos salários no periodo entre 2000 e 2012. Parece-me portanto que para reduzir os famosos custos unitários não será o melhor caminho reduzir ainda mais os salários, mas sim tentar perceber porque é que as empresas não crescem e não investem muito mais, de forma a aumentar a sua produtividade!"

Comentario: Ve a tabela 3 neste meu post do mes passado:

http://dinamizarportugal.blogspot.co.uk/2012/09/a-crise-do-euro-ii-legislacao-laboral-e.html

Portugal tem muitas empresas muito grandes e muitas empresas muito pequenas. Mas temos poucas empresas de escala media (entre 10 a 250 trabalhadores). Ora as empresas pequenas nao exportam (na UE apenas 8% das pequenas e médias empresas exportam enquanto 28% das grandes empresas exportam). Penso que a regulacao em Portugal no passado tem impedido as empresas de crescer. As empresas grandes em Portugal tb nao exportam. Penso que isso se deve a uma tradicao em Portugal desde o Estado Novo de proteger as grandes empresas da concorrencia e por isso os grandes grupos empresariais preferem concentrar-se no mercado interno onde tem grandes lucros, devido ao poder de mercado.

Quanto ao teu comentario da balanca de crescimento nao ser so dominada pelos custos salariais concordo perfeitamente.

Se vires a figura 2 deste meu post podes ver que a Holanda tb viu os seus custos de trabalho subir mas nao tem problemas com a balanca comercial:
http://dinamizarportugal.blogspot.co.uk/2012/09/a-crise-do-euro-i-mitos-e-factos-da.html


No entanto acho que o teu ponto 2) e um pouco enganador. A verdade e que Portugal tem visto melhorias mto assinalaveis na balanca comercial (a Grecia apesar das reducoes salariais nao, mas penso que isso deve-se ao facto da economia grega estar paralizada devido aos receios de uma possivel saida do euro e a convulsao social). Ve a figura 2 deste post:
http://dinamizarportugal.blogspot.co.uk/2012/09/a-crise-do-euro-iv-como-salvar-o-euro.html

Em ambos os posts encontras referencias academicas que indicam que de facto os desequilibrios comerciais sao em geral o resultado de factores estruturais.

Paulo Ribeiro disse...

Paulo:
Continuo a dizer que a análise do gráfico não está correcta. A Alemanha conseguiu uma depreciaçào não porque tenha reduzido os salários significativamente, mas porque os outros países os aumentaram, aumentando assim a média salarial europeia. Encontrei este estudo da ILO (International Labour Office) : "http://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/@dgreports/@dcomm/@publ/documents/publication/wcms_145265.pdf" em que fala da evolução real dos salários alemães no periodo de 2000-2009 e o que vemos é uma redução real anual dos salários na ordem dos 0.5% (pag.129). Por isso, não se assistiu a convulsões sociais nem políticas. Agora tenta reduzir os salários reais em 10% ou mais num ano e vais ver que os alemães têm sangue quente como os latinos...

Paulo Santos Monteiro disse...

João, concordo em absoluto em relação aos problemas que apontas à distribuição da dimenção das empresas em Portugal. É dominada por pequenas empresas que não são capazes de exportar e grandes empresas vocacionadas para o mercado doméstico e que benefeciam de muita proteção do Estado. Acho alhás que este é um dos principais problemas que enfrentamos.

Já em relação à melhoria da BC que ocorreu agora, não acho que seja motivo para grandes alegrias. Esta melhoria representa sobretudo uma diminuição das importações, natural dada a enorme recessão. É portanto cíclica e não estrutural.

Paulo: agora percebo o teu comentário. Dizes que o esforço na Alemanha não foi tão elevado, mas é que todos os outros países tiveram um enorme crescimento salarial. Bom ponto! Dois comentários: 1) persiste a questão, como é que a Alemanha consegui ser quase a única a conter os salários (resposta: provavelmente o facto que a economia Alema atravessou um periodo difícil no início do século, que não dava para euforias) e 2) não seria desejável um bocadinho de inflação na Alemanha em vez de toda esta deflação na periferia!?

Joao Madeira disse...

Sim, talvez fosse preferivel um pouco de inflacao na Alemanha em vez de deflacao na periferia. Mas ai entramos no problema da tragedia dos bens comuns...

Mas olha Paulo que nao sei se inflacao na Alemanha resolveria o nosso problema (ate pq a Alemanha parece que tem excedente comercial com todos (ou quase) os paises do mundo, se a Alemanha fosse uma parte fundamental das nossas dificuldades todos estariam em problemas e nao so a periferia da zona euro). Se leres as referencias dos meus artigos podes verificar que os desequilibrios na balanca comercial nao estao em geral relacionados com taxas de cambio ou a perda de competitividade (aumentos relativos nos custos unitarios de trabalho). Nos meus artigos pode-se ver bem o exemplo da Holanda que tb perdeu competitividade de forma semelhante a Espanha mas tem excedentes comerciais. Os defices comerciais devem-se a outros factores estruturais (entre os quais mercados financeiros menos desenvolvidos que levaram a elevados movimentos de capitais para a periferia). Acho tb que a nossa industria exportadora (que era sobretudo em texteis e calcado) sofreu mto com a entrada da China no comercio mundial.

Aumentar a produtividade e sempre bom (mas nao e uma variavel que seja facilmente alterada por politicas economicas - ja alteracoes na taxa social unica ja o sao - note-se, que nao estou a defender essa medida) mas tb isso nao resolveria necessariamente o problema das exportacoes (repare-se que baixa produtividade nao pode ser um obstaculo a exportar - o modelo Ricardiano ilustra bem que 1 pais pode ter pior produtividade em tudo e mesmo assim exportar - o que e importante sao vantagens comparativas e nao absolutas).

Eu penso que a explicacao para as nossas dificuldades em exportar na ultima decada foram: movimentos de capitais, China e o problema da regulacao (os nossos problemas em exportar sao cronicos, ja existiam no tempo do escudo).

Os movimentos de capitais reverteram-se e por isso temos uma grave recessao e melhoria da balanca comercial (penso que as estimativas apontam para que reduzamos ainda mais o defice, cheguei a ler estimativas de que por esta altura teriamos apenas um pequeno defice - alguem sabe se isso se verificou?). Nao podemos fazer nada em relacao a China mas podemos de facto tentar solucionar os problemas de regulacao (os efeitos provavelmente so surgiriam no medio/longo prazo).

O que fazer no curto prazo nao sei...

Em parte acho que o governo tem tentado tomar medidas que tenham um maior efeito no curto prazo na balanca comercial. As mudancas na taxa social unica poderiam reduzir em termos relativos os custos das empresas exportadoras. Os cortes nos meses de salario da funcao publica penso que tb tinham o objectivo de rebalancar a economia do sector publico para o sector privado (que e aquele que exporta). Ambas falharam por razoes varias. Sera que existem outras medidas (quica melhores) que sejam politicamente defensaveis?