terça-feira, 16 de outubro de 2012

O debate da Transparencia e os Avanços da Ciencia Económica: os Estados e a Academia aprendem sempre, nao sao estáticos

Um resumo do debate da Transparencia

Eu tinha ido por 3 dias de férias e pensava que o debate da Transparencia já teria terminado ao fim de mais de 20 comentarios, mas enganei-me. Todavia, ainda que sobre o risco de exacerbar o debate gostaria de resumir os comentarios feitos, ainda que sem ser justo para todos uma vez que houve imensos comentários.



1) O Artigo "A Transparencia dos Estados modernos" escrevia sobre a importancia do Estado e da Transparencia ser tipicamente uma caracteristica desejável dos Estados. Em seguida detalhava uma série de mecanismos de Transparencia que existem e sao utilizados por Estados e empresas, ainda que de forma diferente. O importante a entender é que o Estado democrático nao é uma instituicao 100% Transparente (uma vez que tal é impossivel), mas sim é um organismo sempre em mudanca e está permanentemente a actualizar os seus mecanismos de Transparencia. Aliás, as empresas e os Estados ambos têm tido evoluçoes similares de Transparencia há vários séculos. Por exemplo, no século 16 Luca Pacioli inventou a "contabilidade de dupla entrada", que foi imediatamente adoptada por banqueiros italianos e depois por empresas. Mais tarde o Estado viu-se obrigado a adoptar este mecanismo também. Aliás, todas as normas de Transparencia e de Contabilidade que existem hoje (da ONU, da Comissao Europeia, do EuroStat, IFRS ou GAAP) têm sem dúvida uma origem comum, as ideias de Luca Pacioli. Aliás, Pacioli sugeriu mesmo que tanto empresas como Estados iriam beneficiar dos seus principios de Contabilidade e ainda de Ética e Mediçao de Custo. Ironicamente, o primeiro uso da palavra Transparencia esteve ligada a Empresas e Estados desde o inicio deste tema, a Ética de Pacioli! Outro exemplo disto foi Robert Montgomery, fundador da auditora PricewaterhouseCoopers em inicios do século XX, que enunciou que a contabilidade e ética dos gastos públicos e dos impostos do Estado deveria ser similar à das Empresas. 



Ou seja, ao contrário do que o Pedro que fazer parecer, o meu artigo de Transparencia nao é de forma alguma um sonho de um radical. Eu falo de uma comparaçao que existe desde os inicios do uso desta palavra!



Mais especifico ao caso de Portugal, nao podemos dizer que as nossas instituicoes passam vergonha frente ao resto da Europa. Sim, poderiamos criticar o Tribunal de Contas ou o INE aqui e ali, mas se perguntássemos "Tem Portugal estatisticas de confiança comparavel com a Europa ou países desenvolvidos?" a resposta seria sim. Aliás, eu sei de ler relatórios do Banco Central Europeu e do EuroStat que Portugal tem um INE que é considerado, juntamente com Itália, Espanha, Franca e Reino Unido, um dos melhores INEs da Europa. E digo isso de verdade. O INE publica sistematicamente estatísticas de famílias e empresas que só se publicam em mais 5 ou 6 países europeus e é também um organismo que muitas vezes tenta criar estatísticas inovadoras. Os sinais apontam que o nosso INE quer estar na frente da Europa, nao atrás (tal como seria típico de um país que quisesse ser propositadamente pouco transparente).



Eu penso que como Portugueses nao deveriamos fazer "o óptimo ser inimigo do bom", como diz o ditado. Exagera-se muito nos jornais as noticias negativas, porque estas vendem mais exemplares que as boas e temos que ver que isto passa em todos os países do  mundo. Nao é verdade que todas as instituicoes portuguesas sejam más. Eu diria que o INE tem algumas qualidades e parte das suas qualidades é o desejo permanente de ser melhor (uma vez que só Deus e os idiotas nao querem melhorar o que fazem).



2) Eu creio que em relaçao ao artigo do Pedro Antunes, houve alguma confusao, porque o artigo começou por assumir uma discordancia total. Eu penso, todavia, que consigo resumir o ponto que o Pedro queria afirmar e que é:



"A exigencia de Transparencia deve ser proporcional à complexidade e importancia do organismo em causa."



Aqui estou totalmente de acordo com o Pedro Antunes e aliás é algo que está implicito em toda a regulaçao nacional e internacional de organismos públicos e empresas. Os bancos ou empresas farmaceuticas sao mais importantes e complexos que as mercearias, por isso sao mais regulados. O Estado é mais importante que as empresas e por isso também é mais regulado. Isto é um principio verdadeiramente universal.



Todavia, eu queria relevar outra vez a questao de que este ponto nao é de forma alguma oposto ao primeiro artigo. Aliás, é um principio implícito nos meus 2 primeiros paragrafos e nao aparece negado em parte alguma do meu artigo. Sim, o Estado é uma instituiçao mais importante que qualquer empresa. Isso aparece na lista de funçoes especiais do Estado logo ao inicio do meu texto e também surge na referencia da Primeira Guerra, o que recorda que o Estado tem o poder máximo de vida e de morte sobre os seus cidadaos.



Aliás, eu diria que em muitos pontos as referencias do Pedro Antunes acabam por ser quase iguais às minhas ou que têm uma diferença marginal. É óbvio que as assembleias gerais das empresas e os direitos dos accionistas sao diferentes dos parlamentos estatais e dos seus eleitores. Aliás, essas coisas nem sequer sao uniformes em todos os estados democráticos, logo é óbvio que o primeiro artigo faz uma analogia e nao uma comparaçao exacta. Uma pessoa poderia escrever algo do tipo "Portugal é uma democracia tal como o Reino Unido", o que parece inocente, mas assim alguém poderia dizer logo "Ah, está errado, porque o Reino Unido tem House of Lords and Commons e Portugal nao".



Outro exemplo de diferenças marginais é o ponto 11) do Pedro, ao que este chama a atençao em ambos os artigos, e que é praticamente igual ao meu ponto 11) no artigo original!



Um exemplo ainda adicional de diferenças marginais: eu mencionei que o INE publica varias estatisticas de pobreza, saúde, e desemprego, e que revelam como o Estado afecta os consumidores dos bens públicos, algo útil para as comunidades. O Pedro logo discordou porque as pessoas nao sao accionistas e utentes ao mesmo tempo. Mas será que aqui isso faz diferença? O Pedro verdadeiramente pensa que o INE faz mal em publicar estatísticas sobre desemprego e a saúde dos portugueses? Ou é isto uma estratégia de debate de "contradizer por contradizer"?



Por isso, eu chamei a atençao do Pedro para a estratégia Cunhal de dizer "olhe que nao" e depois repetir muitas das coisas que o outro diz. Esta estratégia só ocorre em debates estilo "Hitler versus Stalin" ou "Chavez versus Reagan" em que o objetivo nao é esclarecer nada, mas sim atribuir opinioes negativas e denegrir o adversário de forma ideológica.



O Cunhal utilizava esta estratégia do "olhe que nao" para evitar conceder pontos comuns ao adversario, uma vez que a sua campanha indicava que o comunismo dele era o único tipo de socialismo admissivel. Assim, ele tinha que negar qualquer ponto adversário sob o risco de que as pessoas pensassem "Ah, afinal o Soares até defende algum socialismo, como os direitos dos sindicatos ou dos trabalhadores, mas sem ser Stalinista." Neste caso, o Pedro discordou de tudo o que eu dizia, mas depois repetiu muitos dos meus argumentos.

3) Encontrei dois comentários curiosos do Pedro, que me chamaram a atençao:



3.1) " Dizem os praticantes que podemos argumentar o que quisermos, mas nada se substitui à realidade! (...) Isto é um erro típico académico. Formalmente tudo o que dizes é verdade. O mundo real e os modelos académicos nem sempre correspondem"



Aqui nao penso que seja correcto uma pessoa atacar académicos e opinioes de outros, dizendo "a minha opiniao é mais realista". Até poderia ser uma opiniao justificada se o Pedro fosse um praticante de experiencia extensa. Por exemplo, aceito bem que um mineiro me explicasse a sua visao de minaria como superior à minha, dado que a sua experiencia real é mais vasta. Mas neste caso e neste tema em especial, nao creio que a experiencia profissional do Pedro lhe permita assumir que tem um conhecimento da realidade superior ao dos outros Bloguistas ou ao dos académicos em geral. Logo é um pouco presumido assumir que a sua descriçao da realidade é superior e que as descricoes dos outros sao contos de Natal.



A verdade é que sim uma pessoa pode "medir a qualidade das ideias face à realidade". É por exemplo isso o que faz a norma euclidiana (já inventada há 2400 anos) ou o R-quadrado que se usa tanto em Economia. Uma forma elegante de ser ter razao numa afirmacao de "a minha explicacao é mais realista" é dizer "o meu R-quadrado é superior ao dos outros modelos". Nem eu nem o Pedro medimos R-quadrados ou outras coisas, logo nenhum de nós pode afirmar estar mais perto da "realidade". Aliás, o meu artigo original escreve um ensaio com dados e pensamentos sobre um assunto, mas nao afirma ser uma explicacao superior às feitas por outros académicos.



3.2)

"E sim, desvalorizo muito “académicos”. Deixas? E queres que te explique porquê? Porque são académicos que estão nos FMIs e Bancos Centrais e a mandar bitates sobre rácios bancários e politicas fiscais sem olhar para o que acontece às famílias que são despedidas e às empresas que vão à falência, não por terem um mau produto ou se terem esticado com endividamento, mas porque o banco nem 5 euros lhes empresta sem avais pessoais até à quinta geração. E sim, com isso perdi muito do respeito que tinha pela “academia”. Isso não invalida que desvalorize todo e qualquer dado venho da academia. Há bons e maus. Mas como “rule of thumb” tendo a desvalorizar academia sem qualquer experiência na economia real, sim."


Aqui eu dou 50% de razao ao Pedro e 50% de razao a mim mesmo. O Pedro tem 50% de razao por chamar a atençao de que os modelos macroeconómicos muitas vezes ignoram informaçao importante das industrias e das empresas. Estimar modelos com mais informaçao custa recursos informáticos e muitos modelos macro já sao dificeis de estimar com apenas uma empresa. Ou seja, o problema de que o Pedro fala existe, mas nao é fruto de uma falta de visao dos académicos e sim de velocidade do software!



Os outros 50% de razao vao para mim, porque por acaso até sou um dos economistas que mais tem promovido o uso de datos micro no estudo de politicas públicas. Apercebi-me que já existem imensas bases de dados com informacao detalhada sobre as empresas e familias num país que podem dar uma visao mais completa de um país e das suas diferenças. Dado o avanço informático crescente é possivel estimar modelos mais complexos com este tipo de dados. Alguns dos meus trabalhos incluem:



1) estimar o efeito de restricoes legais à taxa de juro máxima sobre as famílias que vao pedir crédito;

2) estimar o efeito do ciclo económico e de diferentes políticas (aumentar taxas de juro, reduzir volume de crédito, etc.) podem ter sobre o bem-estar das familias, a sua capacidade de pagar juros, e se estas mantêm ou nao um padrao de consumo aceitável; 
3) estimar a volatilidade dos salarios dos trabalhadores de trimestre para trimestre, quais as suas probabilidades de desemprego, quanto rendimento perdem durante o desemprego, quanto tempo dura o desemprego;
4) estimar como a taxa de inflaçao afecta de forma diferente cada família (as famílias consomem produtos diferentes, logo sofrem taxas de inflaçao diferente);
5) como a entrada e saída de empresas ou as suas decisoes de exportar sao afectadas pelo ciclo económico e as taxas de juro do Banco Central (isto num trabalho conjunto com Ralf Meisenzahl e Joao Madeira, em um projecto que inclui todas as empresas oficialmente existentes no Chile entre 1998 e 2012).


Tudo isto é feito com dados de familias e empresas verdadeiras, simuladas em diferentes situacoes. Logo posso indicar quantas famílias e empresas vao sofrer problemas e quao duros vao ser os problemas.



Ora, como vemos aqui o Pedro Antunes e eu até temos muitas opinioes em comum. Só temos de abandonar os debates de Soares versus Cunhal. Curiosamente, tanto eu como o Joao Madeira temos projectos que estudam todas as empresas dum dado país, logo nao fazemos parte dos economistas que ignoram a situacao real das empresas.



Este é o defeito de muitas vezes estar sempre do contra e falarmos que tudo no mundo anda mal. Muitas coisas no mundo avançam claramente para melhor. Neste caso, vários economistas por todos os países do mundo estao a avançar com estudos bem completos da realidade das empresas e das famílias. A academia, as empresas, os estados, e os bancos centrais nao sao estáticos. Estao sempre aprendendo mais...



Carlos Madeira

O artigo reflecte apenas a opiniao pessoal do seu autor.

2 comentários:

Pedro Antunes disse...

Não vou sequer referir-me à arrogância necessária para escrever um “resumo” de uma discussão que durou vários dias sem a preocupação de confirmar com os outros elementos da discussão que queriam dizer. Pior, referes-te à opinião dos outros via o filtro do que achas que eles queriam dizer e não de forma isenta ou honesta.

1. Não encontras qualquer frase em nenhum texto ou estudo escrito por mim que afirme algo minimamente próximo das palavras que metes na minha boca. Aliás, não se encontra nos teus artigos nenhuma declaração mais pro-transparência Estatal do que “[...] não vejo para qualquer razão para um Estado Democrático ter segredos dos seus cidadãos [...]”. É, obviamente, desejável que um Estado seja o mais transparente possível e eu até acho que deve haver um grau bastante radical de honestidade/transparência entre Estado e Cidadãos.
Os teus textos não passam de uma lista de exemplos mal pensados, comparações confusas (cidadãos, administradores, deputados, acionistas... tudo misturado) e juízos de valor sem base (Deloitte versus TC).
Também confundes quantidade com qualidade: i) quantidade de deputados, sem qualquer referencia à correlação com transparência; ii) número de vezes que estatísticas são comparadas, sem referenciares a qualidade das mesma; etc. Não corroboras nada disto com dados sólidos.
Também não me parece que alguém se tenha referido à qualidade do INE ou qualquer outra instituição. Quanto a mim referi simplesmente que não se pode pedir a entidades dedicadas à análise do sector público serem tão boas a analisar o sector privado. O ditado correto é “Cada macaco no seu galho”.

2. Penso que fui claro: Comparar Estado com Empresas a nível de transparência é um exercício inútil pelas variadas razões que já explanei. E fazer o inútil é mau do ótimo e do bom!
Não é uma questão de complexidade, nem de importância. É uma questão do seu objectivo para a sociedade.
Uma empresa tem de ser transparente por questões diferentes do Estado. Se com isto não percebes que não fiz qualquer juízo de valor ao que o INE publica isso já é problema teu.

Pedro Antunes disse...


3. 1) Se tu tivesses, de facto, sido rigoroso e científico como proclamas, este teu paragrafo seria pacífico para mim. Baseavas a tua opinião num conjunto de estudos, referenciavas as tuas bases, etc. Não foste, apesar de exigires esse rigor dos outros.
Não vou medir contigo experiência individual. A discussão de “o meu é maior que o teu” já não a faço desde a 4ª classe. Como é normal pessoas informadas nunca falam só de experiência direta. Tipicamente falam de uma instância de “metaconhecimento” que envolve experiência direta e interações com a sua rede, para além do que se vai lendo e aprendendo. Por isso é que clarifiquei ao João Miranda o que queria dizer com os académicos que considero menos relevantes.
Apesar de ser um bocado arrogante – e com algum gosto – não assumo as minhas opiniões apenas com o conhecimento diretamente adquirido, mas sim como uma conjugação do que experimentei, do que a minha rede experimentou e do que fui lendo das mais diversas fontes.
Já agora proponho que leias algumas das criticas de vários cientistas de ciências sociais ao R-quadrado – já agora não esquecer que a Economia é uma ciência social e que análise estatística é apenas uma ferramenta que, como todas as demais, tem as suas limitações.
2) Nem o próprio Moore te suporta nesta questão do poder computacional:
http://news.techworld.com/operating-systems/3477/moores-law-is-dead-says-gordon-moore/
Um modelo, por definição, é uma representação simplificada da realidade. Por isso é que são úteis se bem concebidos. Pensar que se pode modelizar de forma extensiva a realidade é não perceber nem a realidade nem o conceito de modelo...
Já agora, modesto como sempre, tu! És um dos economistas que mais tem promovido o uso de dados micro no estudo de políticas públicas! Muito bom! Mais uma vez se aplica um “Get over yourself”.

Aceito que sou algo arrogante em discussões e que exagero no meu desvalorizar dos académicos. Tenho perfeita noção dessas minhas limitações e por isso é que continuo a ler estudos de académicos. Chama-se a isso ter uma mente aberta.
Também gosto de debater e, como disse nos meus comentários, gosto de usar linguagem mais forte. Mas uma coisa que gosto também de fazer é olhar para o que foi dito/escrito e responder a isso. Algo que tento não fazer (e aceito correções quando o faço) é regurgitar com os meus preceitos o que os outros disseram para depois responder com o argumento que já tinha engatilhado. Isso sim é Cunhal e Soares. Isso sim é o “O que o fulano queria dizer era...” que tu tanto usas.

Acho que clarifiquei, mais do que uma vez, que a minha discordância de base é simples: Comparar transparência de Estados com transparência nas Empresas não faz sentido.

E com isto acho que já vamos longe nesta discussão, que no que me toca está terminada!