quinta-feira, 18 de outubro de 2012

Uma proposta (ingénua) de reforma para a Justiça: Eficiencia, Desigualdade, e Teoria dos Jogos



Escuta-se muitas vezes que em Portugal a Justiça é muito branda com os “Poderosos” e que nunca toca nos políticos ou nos empresários corruptos. Por exemplo, os políticos com poder de legislar poderiam escrever leis propositadamente a jeito para favorecer a sua classe social e amigos. Mas mesmo assim penso que um olhar mais atento desmente que a Justiça portuguesa seja assim tao favorável aos Grandes e Poderosos. Escuto por exemplo várias historias de empresários que afirmam ser “impossivel despedir um trabalhador por justa causa”. Isto é inconsistente com a imagem dum país donde mandam só os Poderosos. Assim parece-me que a Justiça portuguesa é branda com todos, seja um elefante ou uma formiga! Talvez por termos vivido uma ditadura injusta decidimos depois criar o oposto, um sistema judicial donde é fácil garantir a inocencia.

Realmente, podemos verificar a imagem branda da justiça portuguesa olhando ao número de prisioneiros por 100,000 habitantes em cada país do mundo. Os números de alguns países podem ser enganadores, dado que várias ditaduras afirmam “aqui sao todos livres, temos apenas um grande sistema educacional para adultos”.


Portugal é o país 114 do ranking e os EUA o primeiro! Curiosamente, outros países de dívidas problemáticas – Grécia, Espanha, e Argentina – têm um número de prisioneiros similar a Portugal, logo também parecem países brandos. Estes números nao se devem apenas a factores económicos, dado que países com PIB per capita similar a Portugal como a República Checa ou Eslováquia têm muitos mais prisioneiros.

Os EUA têm efectivamente uma justiça mais dura que a portuguesa, sendo que quase 1% da populaçao vive em penitenciarias. Isto significa que os EUA têm quase 6 vezes mais prisioneiros que Portugal. Existem mesmo estudos que dizem que a taxa de desemprego americana deveria ser 1% superior à reportada se nao fosse o efeito de terem tanta gente presa e que nao conta para as estatísticas de desemprego.

Também penso ser verdade que os EUA conseguem condenar mais corruptos e grandes criminosos que Portugal e outros países. Digo isto com base em pouca evidencia, mas só do meu entendimento de ler nos jornais casos como Enron ou Madoff.

Todavia, tenho dúvidas se o sistema judicial de outros países é tao superior ao português. Julgo que um problema bem forte da justiça em todo o mundo é que esta na prática pode ser altamente desigual e agravar problemas sociais que já existem. Teoricamente, a justiça serve para nos defender dos maestros do crime e da corrupçao, o Professor Moriarty, mas na prática os maestros do crime sao mais espertos que os investigadores e quem termina preso sao os pobres coitados que cometem pequenos crimes. Mesmo que os maestros do crime sejam revelados pela investigaçao por vezes sao mais habéis na defesa. Dado que existe ambiguidade se o crime em causa foi uma coincidencia infortuita, uma mera negligencia, ou um plano deliberado, o maestro do crime pode facilmente reduzir a sua sentença. As leis sao muitas vezes complexas na sua aplicaçao e por isso existe o risco de uma justiça dura ser das políticas mais desiguais que existe.

Muitas vezes a forma de capturar os “grandes criminosos” é ser duro com tudo e nao com uma mera lei anti-corrupçao ou anti-crime que depois na prática é fácil de evadir. Recordemos que o Al Capone terminou preso por fuga ao fisco, nao pelas mortes do célebre Dia de Sao Valentim. Os EUA sao duros com todos e por cada Madoff prendem certamente muitos milhares de afro-americanos cujo crime foi traficar pequenos montos de marijuana. Existem cidades dos EUA onde 30% dos jovens afro-americanos entre os 20 e 35 anos já viveu sentenças largas na prisao. O mesmo se passa para crimes económicos. Nos EUA os contratos sao levados a sério e se uma das partes é incapaz de cumprir, entao a parte em dano nao fica satisfeita com a mera devoluçao do dinheiro e pode exigir ao empresário incompetente indemnizaçoes altas. Um dos exemplos mais ridículos da desigualdade da lei está na litigaçao por avarias de aparelhos. Nos EUA ocorre por vezes que elevadores antigos falham, causando lesoes graves ou mesmo mortes acidentais. Mas quem sai culpado disto? A empresa que produziu o elevador paga uma indemnizaçao por danos. O operário reformado já com 75 anos é preso e condenado também a pagar uma compensaçao às vítimas, uma vez que assinou um papel dizendo que o elevador durava pelo menos 50 anos e só durou 49. E os gestores da empresa? Ah, esses nao pagam um dólar e nao sao presos por um dia. Nao foram eles que assinaram o papel ou que montaram o elevador defeituoso. Este problema de litigaçao já preocupa vários juristas americanos e promete ser alterado no futuro.

Portanto, na prática existe um trade-off entre a Eficiencia no Combate ao Crime e a Desigualdade Social entre os Condenados. Idealmente, queremos o máximo de Eficiencia na Justiça, mas evitar a Desigualdade Social que se gera. É dificil criar uma lei anti-corrupçao eficiente, porque as leis sao tipicamente instrumentos muito precisos e fáceis de ser evadidos. Ademais, o custo de criar muitas leis anti-corrupçao gera a possibilidade de punir muitos pequenos trabalhadores em vez dos Grandes Poderosos do Crime. Aqui penso que a Teoria dos Jogos pode ajudar imenso porque esta busca mecanismos voluntários que previnem maus resultados. A Teoria dos Jogos sugere duas coisas: 1) a conspiraçao é mais dificil de criar se houver mais agentes envolvidos no negócio; 2) se os agentes a combinar o negócio se conhecem menos e têm relaçoes menos frequentes, entao a conspiracao também se torna mais difícil porque o parceiro nao pode prometer pagar o “favor” amanha. Isto permite criar mecanismos eficientes para prevenir a ocorrencia dos crimes em vez de uma politica de puniçao ineficiente.

Este mecanismo poderia ser aplicado também para melhorar a gestao de fundos públicos e das PPPs. Portugal tem imensos deputados por habitante relativamente a outros países (o triplo dos deputados do Chile, por exemplo). Ora, isto para mim sugere que: 1) deveria ser obrigatório criar comissoes parlamentares para estudar cada projecto público acima de um certo valor; 2) pelo menos alguns dos membros da comissao deveriam ser escolhidos por sorteio aleatório (ou seja, nao tem relaçoes frequentes nestes casos e por isso nao prometem pagar “favores” depois). A ignorancia dos deputados nao-especialistas em certos temas poderia ser compensada através de um fundo que lhes permitiria pagar auxílio especializado de juristas, economistas ou técnicos que escolhessem.

Bem, isto sao só uns pensamentos teóricos. Peço desculpas aos juristas e entendidos de direito por eventuais incorreçoes do artigo.

Carlos Madeira
Economista do Banco Central do Chile
O artigo reflecta meramente a opiniao pessoal do seu autor.

8 comentários:

Joao Madeira disse...

Queria so comentar sobre a politica de encorajar "denuncias".

Eu tb pensava que este sistema americano era bom para a justica pois facilita que se encontrem testemunhos que levem a condenacoes.

Mas nos EUA este sistema tem sido alvo de criticas (se bem que todos os sistemas o sao, pois todos tem vantagens e desvantagens). Aparentemente descobriu-se hoje que muitos dos testemunhos em casos de mafia eram completamente fabricados (ou seja o individuo A era apanhado num crime de homicidio e depois inventava que tinha testemunhado o individuo B (de quem o A se calhar nao gostava) cometer mtos outros crimes de forma a obter uma pena mais leve).

Pedro Antunes disse...

Também me faz alguma espécie contar com os cidadãos para denúncias a troco de perdões... A ideia das denúncias não me parece especialmente eficiente tendo em conta a possibilidade do falso testemunho e a aproximação da encosta (slippery slope) para uma política de "bufos" para terem mais um quadrado de chocolate na sua ração!

Carlos Madeira disse...

Ah, existe um pormenor aqui. Os incentivos à denúncia nao criam um país de bufo.

Ou seja, recebes 50% menos da tua sentença, mas igual és punido, percebes? Para tu receberes este benefício marginal da denúncia necessitas ser alguém que vai ser condenado de um crime e ninguém arrisca 1 ano de prisao pelo prazer de ser perdoado 6 meses da sua sentença.

Ou seja, nao é o mesmo que a PIDE. A PIDE recompensava pessoas para delatar os vizinhos e recebiam beneficios, mas nao recebiam puniçao.

Eu percebo o questionamento moral de incentivar a denúncia, mas é um mecanismo extraordinariamente eficaz. Aliás, pelo que sei nos EUA e Austrália praticamente todos os crimes empresariais (lavado de dinheiro, produtos com maleficios como o tabaco, carteis anti-competitivos, fuga ao fisco) sao descobertos através de uma denúncia inicial.

Julgo que em parte os Portugueses deveriam aceitar que a Economia por vezes parece contra-intuitiva. O que funciona é o que dá beneficios, nao o que é moral. O Adam Smith revelou isso bem na sua ideia de competiçao. Os produtores super-competitivos sao os bons. Os empresarios "demasiado amigáveis" é que roubam os consumidores. Parece contra-intuitivo do ponto de vista moral, mas a Eficiencia Económica funciona assim.

Pedro Antunes disse...

Carlos, não vou começar mais uma discussão contigo… o que eu escrevi é que nos aproxima da possibilidade de uma política de bufos. Também não falei em moral. Não me parece que os EUA sejam um país especialmente eficiente no seu sistema penal como clarificado pelo seu ranking de % de população presa. Claro que têm aspectos em que funcionam melhor e com esses devemos aprender.

A denúncia nunca é um mecanismo eficaz, quando parte de uma pessoa que procura uma comutação de pena. O incentivo da pessoa para denunciar qualquer coisa é enorme. Já o mesmo não digo para denuncias de pessoas que não procuram ganhar nada com isso excepto ver algo errado ser resolvido (indústria do tabaco, farmacêuticas, etc).

Mas convêm os economistas e académicos (portugueses ou não) não esquecerem que viver em Democracia não é o mesmo que viver num Estado completamente eficiente do ponto de vista económico (what ever that means). Há aspectos, como a presunção da inocência, o direito do indivíduo à privacidade, que não se coadunam com um pensamento meramente economista.
Nem o que é mais eficiente do ponto de vista económico é o que é mais eficiente à primeira vista. As denúncias por comutação de penas criam um conjunto de incentivos perversos que, no longo-prazo, destroem qualquer hipótese desta política ser eficiente por causa das falsas denúncias.

Este meu argumento, como é óbvio, não é válido para qualquer pessoa que considere aceitável que prender um inocente de vez em quando é apenas um custo de uma política "eficiente".
Eu, como liberal que sou, nunca defenderei tal coisa! A liberdade de um cidadão inocente é um bem demasiado caro para se colocar nas mãos de pessoas comprovadamente criminosas.

Carlos Madeira disse...

Ah, um pormenor todas as denúncias feitas por pessoas contra a indústria do tabaco e farmaceuticas nos EUA foram recompensadas com comutaçoes de pena. Os filmes de Hollywood adaptaram as histórias para heróis sem interesse, mas os casos reais sim tinham interesse judicial na reduçao de penas algo graves.

Pedro Antunes disse...

Ah, um pormenor: não é verdade. Outro pormenor: hollywood não é fonte de informação para ninguém!
O caso de Rylander, o da Neurotina, vioxx, UMDNJ, Peter Rost... E isto para falar apenas em alguns.

Pedro Antunes disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Anónimo disse...

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