sábado, 27 de outubro de 2012

A pobreza de recursos naturais em Portugal e possibilidades de desenvolvimento



Muitas vezes discutimos a pobreza portuguesa em recursos naturais, nomeadamente os escassos recursos energéticos como o petróleo. Todavia, a verdade é que no mundo existem poucos países que se desenvolveram exclusivamente com base nos seus recursos naturais. Basta verificar que o sector primário (incluindo agricultura, minaria, e exploraçao energética) tem representado uma proporçao decrescente das grandes economias desenvolvidas, como EUA, Alemanha, França, Japao, e Reino Unido. Ainda que o carvao e petróleo tenham sido componentes importantes do seu desenvolvimento durante o século 19, a sua importancia é hoje bem menor.

É certo que alguns países hoje, como Qatar, Noruega ou Arábia Saudita, que devem muito da sua riqueza ao petróleo. Todavia, muitos dos países ricos em petróleo beneficiam nao só de um grande jazigo petrolífero, mas também de uma pequena populaçao que partilha esse valioso recurso. 

Eu decidi fazer uma breve análise para ilustrar este ponto. Retirando dados (todos do wikipedia) calculei o óleo per capita existente em países como Venezuela, Arabia Saudita, Noruega, Kuwait, e Qatar. Mas em seguida tomo em conta que Portugal tem uma densidade populacional diferente destes países e que portanto esta riqueza petrolifera no caso português seria dividida por um número de pessoas diferente. Assim, Portugal tem uma densidade populacional 3.8 vezes superior à da Venezuela, 8.8 vezes a da Arábia Saudita, e 7.4 vezes a da Noruega. Isto indica que se descobrissemos em Portugal uma riqueza petrolífera por área similar a estes países teriamos de repartir a riqueza por muitas mais pessoas e o efeito no nosso PIB per capita seria bem reduzido. Uma descoberta petrolífera igual à da Arábia Saudita só iria aumentar o nosso PIB em 5.1%, o que seria apenas o suficiente para alcançarmos a Eslovénia e outros países pouco mais desenvolvidos que nós. Petróleo ajudaria Portugal, mas nao nos igualaria à Alemanha.


Venezuela
Saudi Arabia
Norway
Kuwait
Qatar
Oil share in GDP
34%
45%
21%
48%
61%
GDP per capita
22,635
98,329
oil per capita
3,607
10,186
20,423
23,031
59,981
persons per square km
30.2
13
15.5
200.2
123.2








Portugal



persons per sq km
115
115
115
115
115
ratio of persons per sq km
3.8
8.8
7.4
0.6
0.9
oil per citizen
947
1,151
2,753
40,095
64,258
GDP per capita
22,413
22,413
22,413
GDP increase of oil discovery
4.2%
5.1%
12.3%
178.9%
286.7%


Esta simples análise revela que é impossivel alguma vez desenvolvermos-nos por uma descoberta inesperada de recursos naturais. A única forma de enriquecermos substancialmente com petróleo seria com jazigos similares aos do Kuwait e Qatar, mas obviamente esses jazigos nao existem no nosso país. Uma descoberta de recursos naturais em solo português no futuro seria certamente de valor bem inferior à da Venezuela, logo de impacto reduzido no nosso PIB per capita.

Mas gostaria de chamar a atençao que temos um recurso natural bem à vista de todos e ainda por explorar completamente, a beleza das nossas cidades e a sua pequena dimensao. Um artigo recente do The Economist explica que as cidades europeias sao bem mais pequenas que as americanas. A pequena dimensao das cidades europeias impede-as de aproveitar economias de escala nas redes de transporte (como o metro e outras infraestruturas existentes nas cidades grandes) e comunicaçao de ideias. Um estudo estatístico da McKinsey indica que a menor dimensao das cidades europeias pode implicar uma reduçao de 21% no PIB per capita da Europa em relaçao aos EUA.

Um artigo do economista Olivier Blanchard no Portuguese Economic Journal de 2007 também incide sobre este problema no caso específico de Portugal. A secçao 3 do artigo acerca de como melhorar a produtividade portuguesa é para mim a mais interessante. Blanchard menciona realmente que um dos problemas de Portugal é levantar demasiados obstáculos à construçao de novos empreendimentos urbanos. Portugal poderia ser uma alternativa atraente de localizaçao para reformados de toda a Europa aproveitarem a nossa Costa e Sol, tal como a Florida (uma zona de casinos, praias e pantânos) o é nos EUA. Mas vários bloqueios existem para esta estratégia de desenvolvimento: 1) a necessidade de flexibilizar a contrataçao laboral (de forma a permitir às empresas ser mais flexiveis durante períodos sazonais e com maior procura de serviços); 2) um serviço de saúde mais flexivel e eficiente (esperemos que isto ocorra com a nova regulaçao europeia dos mercados de saúde); 3) restriçoes severas à construçao, em particular de novos empreendimentos de média e grande dimensao (restriçoes que segundo Blanchard sao bem piores que as da Holanda); e 4) o favorecimento de pequenas empresas imobiliárias em vez de companhias mais eficientes.

Ademais destes pontos, grande parte da ineficiencia da administraçao pública se deve às pequenas povoaçoes de Portugal e aos bloqueios à construçao nas cidades. Muitos dos casos de corrupçao que se reportam dizem a respeito a casos de licenças de urbanizaçao e seriam problemas menores num país onde a construçao é mais livre. Outra ineficiencia pública criada por um excesso de povoacao no mundo rural é depois termos muitas escolas e centros de saúde destinados a servir um pequeno número de famílias, algo que iria lentamente desaparecer se as nossas cidades crescessem mais. O crescimento de novos empreendimentos empresariais também aumenta a eficiencia e concorrencia no sector privado.

Claro, existe um bloqueio muito forte à liberalizaçao da expansao urbana e esse é o voto dos residentes proprietários. As restriçoes urbanas – feitas em nome da proteçao do carácter dos bairros, entre outras coisas – aumentam o preço das casas e beneficiam os actuais proprietários. Assim parece que o principal obstáculo ao nosso desenvolvimento é uma falta de solidariedade geracional. Os proprietários antigos têm de permitir a construçao de casas e empresas que beneficiem as novas geraçoes.

Carlos Madeira
Economista do Banco Central do Chile
O artigo reflecta meramente a opiniao pessoal do seu autor.

4 comentários:

José Lapalice disse...

As restrições à construção de empreendimentos turísticos ou residenciais são para grandes e pequenos promotores.
Só para exemplificar, um dos maiores promotores imobiliários de Portugal levou 10 anos para ter um campo de golfe aprovado.

Um dos pontos fundamentais para poder atrair os reformados europeus para Portugal é o sistema fiscal. E se alguma coisa foi feita no último ano e se prevê para os próximos é um agravamento da carga fiscal para os residentes estrangeiros em Portugal.

Além disso, as ligações aéreas a Portugal ainda são pobres. É inaceitável que Lisboa continue sem ligações via Ryanair por exemplo.

Carlos Madeira disse...

As dificuldades de grandes empreendimentos em Portugal (como o caso desse campo de golf) sao mais severas que em outros países. É exactamente isso o que eu digo no texto e o que é afirmado por Blanchard.

Em relacao às taxas de imposto nao acredito que sejam um grande problema para atrair reformados. Os reformados podem passar até 5 meses por ano em Portugal e continuar pagando impostos nos seus países. Até podem mesmo passar o ano inteiro em Portugal e seguir pagando impostos nos países de origem desde que nao vendam as suas residencias e continuem pagando impostos pela internet. A vigilancia da residencia efectiva de uma pessoa no exterior é muito fraca, logo tu podes passar uma vida inteira fora do país sem que o fisco se aperceba.

José Lapalice disse...

O modelo da Florida tem como factor distintivo os incentivos fiscais que são dados aos reformados.
Além disso, julgo que a maioria só tem uma residência, a que está na Florida.

Por outro lado, propostas ilegais para pagar menos impostos são válidas como tantas outras, mas não me parece que vá ser desta forma que o Estado vá promover o destino Portugal como bom para os reformados. " venha para Portugal porque nós temos uma vigilância de residência efectiva fraca" não me parece que daria um bom slogan.

Fica aqui um link de um artigo de jornal sobre a política de impostos para estrangeiros que Portugal quer seguir: http://www.dinheirovivo.pt/Economia/Artigo/CIECO047009.html?page=0 .

E não é só o imposto sobre os rendimentos. Os aumentos brutais de IMI que aí virão, não trarão mais reformados a Portugal com certeza.

jovision disse...

Isto de olhar para o passado como solução para o futuro de Portugal não é boa ideia. Os campos de golf sao um desastre ambiental e consomem agua catastroficamente, alias Espanha já está a pagar esse preço e no futuro a agua será o bem mais precioso, enquanto o petroleo cairá em "lixo".Temos toda a energia que precisamos no mar e no sol, agora há que pensar, estudar, criar inovar e o Português aprendeu só a copiar... Mas ou trabalha e exige mais de si próprio, ou afunda-se num ocidente decadente!